Folha de S. Paulo
Na transmissão de boatos políticos,
confiança é tudo
Escolha qualquer tema que tenha sido objeto
de ondas de fake news e
teorias da conspiração e você encontrará multidões de crentes em sua
veracidade. Principalmente naquele instante em que estão saindo quentinhas do
forno em que são fabricadas. Quantos não acreditaram em fake news sobre microchips
nas vacinas, boatos sobre a inexistência do vírus, rumores com alegações e
exemplos de fraude nas urnas, boatos sobre cancelamento de eleições, teorias da
conspiração sobre resultados antecipados, falsas informações sobre mudanças na
Constituição ou sobre competências das Forças Armadas no equilíbrio dos Três
Poderes?
Tenho amigos que ainda acreditam, com diversos graus de convicção, em alguns desses boatos, embora demonstrem forte ceticismo em relação a qualquer uma das últimas dez denúncias e acusações envolvendo, por exemplo, o clã dos Bolsonaros, não importa se venham do jornalismo, da polícia ou do Judiciário.
Perguntei-me como tal coisa era possível,
há duas semanas, e apresentei a explicação mais frequente na pesquisa sobre
boatos, inclusive os estudos que mais diretamente tratam de fake news: temos
uma forte tendência a considerar plausíveis quaisquer boatos, notícias ou
informações cujos conteúdos se alinhem ao que já julgamos saber e crer. E, ao
contrário, quanto mais divergentes das nossas certezas forem as informações,
mais portas lhes serão fechadas. Começamos com uma dose considerável de
ceticismo e descrença, mas facilmente chegamos ao ponto de nem sequer aceitar
sermos expostos ao conteúdo de determinadas fontes, uma vez que já damos como
certo que mentem e distorcem contra nós.
Sim, fontes importam. Na verdade, o que
importa mesmo é o juízo que se faz sobre a credibilidade das fontes, que tende
a ser integralmente transferida para as coisas que elas contam. Assim, se quero
que um boato seja bem-sucedido, um ótimo recurso é atribuí-lo a uma fonte
confiável, dotada de autoridade e/ou bem posicionada na economia da informação.
Ou, alternativamente, fazer com que o elo mais próximo do ouvinte na cadeia de
transmissão seja alguém em que ele confie.
A tia do zap é uma fonte decisiva, pois, se
nela confio, reduzo o ceticismo e a desconfiança habituais e dou atenção e
credibilidade ao que está sendo dito. Mas credibilidade é um capital social,
depende do reconhecimento dos outros, e não é necessariamente sinônimo de
autoridade constituída, especialização ou profissionalismo. A credibilidade
pode vir do afeto e da identificação. Baixo a guarda em virtude da afeição e da
confiança recíprocas, do reconhecimento da boa-fé e do discernimento dos meus
líderes morais e intelectuais, da admissão de que a pessoa que escuto está do
mesmo lado que eu.
É isso que leva alguém a confiar mais no
amigo que lhe repassa o boato do que no jornalismo, na agência de checagem ou
no TSE que o desmentem. É que nestes ele não crê, certo de que estão numa
maracutaia contra o seu lado, de que têm uma agenda oculta e hostil aos seus
interesses. Por isso é que, nas inundações de fake news, a tia do zap pode
gozar de mais credibilidade e por mais gente do que o editor do jornal mais
respeitado país.
Eis por que todo grupo que se dedica a usar
boatos falsos como meio de propaganda precisa, ao mesmo tempo, trabalhar em
duas frentes. De um lado, cuidar de construir cadeias de transmissão na forma
de verdadeiras comunidades de pessoas que, mais que compartilhar conteúdos,
compartilhem uma visão. A produção e a disseminação em fluxo contínuo de fake
news com o mesmo tema e inclinação são antes de tudo meio de construir e
radicalizar redes ou comunidades de crentes na mesma fé política. Para isso
foram utilizadas as mídias sociais, que funcionaram como centro logístico para
embalar e despachar fake news para todo o país, além de servirem como meios
para construir comunidades de crentes nos mesmos boatos. Não é apenas criar um
boato e então procurar alguém para disseminá-lo; a rede de transmissores deve
estar preparada e ajustada.
A parte complementar do processo consiste
em um enorme investimento na destruição da confiança nas fontes habituais de
conhecimento e informação —o jornalismo, intelectuais, a Suprema Corte, a universidade,
a ciência— que possam rivalizar em credibilidade como fonte de informação. Fake
news, em suma, não apenas geram a rede de confiança necessária para a própria
reprodução; também trabalham para reduzir os anticorpos produzidos pelo
organismo social que poderiam impedir ou dificultar a sua transmissão.
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
Um comentário:
●BOLSONARISMO
●LULISMO
●FAKE NEWS
■O que o petismo e agregados já fizeram para destruir a credibilidade da nossa bem séria imprensa, a credibilidade de partidos politicos melhorezinhos e a credibilidade de forças políticas mais sérias, e ainda destroem, agora contando com o reforço do bolsonarismo nesse desserviço à verdade e à democracia, vem de décadas!
■Houve uma época em que o petismo trabalhava incansavelmente para a ideia de relativização chegar a tal ponto que, sobre quase tudo sério e importante, não sobrava nem fumaça da verdade que fosse.
▪E, veja-se a gravidade::
=>Havia inúmeros jornalistas e dos assim chamados ou autodeclarados intelectuais que construiam e/ou repercutiam argumentos e teorias de justificação para essa relativização da verdade.
■E eles chegavam a declarar com empáfia:
▪"A verdade não existe!!!".
Ultimamente vejo o bolsonarismo repetir as mentiras que surgem dos esquemas de Donald Tramp e vejo os lulistas repetirem as maquinações diabólicas das máquinas de propaganda da Rússia e de Putin.
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