O Estado de S. Paulo
O caso do interior do Rio de Janeiro é quase
uma caricatura, porque opõe o atraso da violência a um avanço mundialmente
desejado
Uma notícia me impressionou na semana: a
milícia está expulsando empresas que produzem energia solar no interior do Rio
de Janeiro. As regiões de Itaguaí e Seropédica têm muito sol, são planas,
interligadas facilmente à rede, mas o preço cobrado pela milícia torna o
negócio inviável.
Temos falado tanto de transição energética,
economia verde, conversas típicas do século 21, e esquecemos que o século
passado, com todas as suas mazelas, ainda está nos puxando para trás.
Dizer milícia parece delimitar o problema
apenas aos limites do Estado do Rio. Isso não é bom, porque o governo federal
se acomoda e os outros Estados acham que isso não acontecerá em seus domínios.
Foi assim, no entanto, com as organizações do tráfico de drogas. Ocuparam as áreas mais pobres da cidade e pareciam também um fenômeno típico do Rio. O Estado brasileiro aceitou que lhe fosse roubada a soberania sobre parte de seu território, e o exemplo acabou se expandindo para o Brasil.
Tive oportunidade de descrevê-lo no Norte,
sobretudo depois de um massacre dentro de um presídio em Manaus. Visitei
Fortaleza e documentei inscritos nos muros os
mesmos signos que via em favelas do Rio. E mais: o exemplo das organizações
criminosas estimulou a criação de réplicas locais, inclusive com nomes solenes,
como Defensores do Estado.
Onde essa situação se instalou, seja no Norte
ou mesmo no Nordeste, o resultado foi o aumento do número de assassinatos e uma
experiência de medo entre os moradores, que não têm recursos para deixar suas
casas. Ir para onde?
Recentemente, os holofotes se voltam para a
Bahia. Também lá se formaram organizações criminosas, réplicas das cariocas ou
possivelmente produção local, como o Bonde do Maluco.
O índice de crimes na Bahia aumentou a ponto
de, num certo momento, ter colocado o Estado na liderança dessa macabra
estatística.
O problema na Bahia é mais complexo, porque
ao longo de cinco administrações do PT não se achou uma alternativa que não
fosse medir a eficácia da política de segurança pelos padrões violentos
tradicionais. O resultado é que a Bahia se tornou o Estado onde a polícia mais
mata: 1.464 mortes em ações policiais no ano passado.
A experiência direta que tive com a polícia
militar da Bahia foi cobrir o treinamento de um grupo especial que combate o
chamado cangaço moderno. São assaltos em que às vezes os bandidos tomam a
pequena cidade e cercam o próprio batalhão local da PM.
Esse grupo de elite é bastante sacrificado,
porque sair na captura de quadrilhas numerosas e militarmente preparadas não é
fácil nem permite que se descanse antes da tarefa concluída.
Mas nas grandes cidades, pelo que vejo por
meio dos pesquisadores, sucedem mortes violentas e numerosas. Numa dessas
operações, a mais famosa delas, morreram 12 jovens em 2015, numa comunidade
chamada Vila Moisés. A ação ficou conhecida como a Chacina da Cabula. O então
governador, Rui Costa (PT), reagiu de forma impopular, comparando os policiais
a atacantes de futebol que às vezes fazem, às vezes perdem gols.
Mas o ponto central é este: o processo que
corroeu o Rio de Janeiro se expandiu e não se encontrou para ele, nem mesmo no
Rio, uma resposta adequada.
O próprio Estado de São Paulo, mais próspero
e avançado, não conseguiu escapar desta suposição de que a saída é basicamente
uma repressão violenta. Os moradores de Guarujá têm feito constantes denúncias
contra a ação da PM num episódio que já fez 20 mortos.
A suposição de que podemos seguir em frente
sem formular e implementar uma política de segurança inteligente e eficaz é uma
ilusão.
O caso do interior do Rio é quase uma
caricatura, porque opõe o atraso a um avanço mundialmente desejado.
Mas ainda não chegaram aos governantes os
estudos mostrando que, além dos prejuízos humanos, o impacto econômico é
colossal. Basta parar um pouco para calcular a influência na circulação das
pessoas, a fuga de empresas e quadros, a desvalorização imobiliária assustadora
em certas áreas.
A violência corroeu o Rio em muitos
fundamentos e pode fazer isso com todo o Brasil. Um dirigente do maior clube de
futebol da cidade, o Flamengo, foi visto mordendo a virilha de um torcedor num
shopping center. O dirigente é vereador e tinha marcado presença na Câmara, mas
estava fazendo compras no shopping.
No passado, trabalhei em reportagens sobre
estas milícias que ameaçam a energia solar. Na época, meu tema era o
assassinato de vereadores que não obedeciam a elas.
Como argumento final, deixo o testemunho de
alguém que fez política no Rio: o crime organizado e a milícia arruínam a
democracia porque transformam comunidades em currais eleitorais, onde, se você
entrar com sua mensagem, pode sair morto.
Como dominam mais da metade do território do
Rio, destroem, à sua maneira, uma democracia sobre a qual fazemos tantos
discursos de louvor. Democracia e transição energética estão parcialmente na
mão dos bandidos.
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4 comentários:
Gabeira fez bela confusão. Trafico se combate pra valer atacando as nações traficantes que Lula chama de amigas e o BNDES banca. Enquanto não atacarmos os exportadores de drogas e armas, enxugaremos gelo e enterraremos os filhos da plebe rude.
Milícia é outro papo! E essas que ele dita, infiro, são dos amigos e heróis dos que mandaram no Brasil durante 4 anos.
A estratégia de O Movimento levou o tráfico a investir no NO e NE visando África e Europa.
Milícia é nacionalista.
MAM
Desculpe-me!
▪Acho que você pode sim, expressar a opinião que quiser:: o PT, Lula e lulistas não podem mentir, distorcer, apoiar ditaduras e e defenderem corruptos? Do mesmo modo qualquer um pode apoiar e defender o absurdo que quiser.
=》 Mas eu posso discordar dos dois e combatê-los::
▪Milícias? Cruz Credo!
Gabeira fez uma boa análise do problema da violência, que envolve tanto milícias quanto tráfico e ainda miséria e pobreza. A confusão ficou por conta da falta de noção do primeiro comentarista.
Mordendo a virilha?
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