terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Faltam ao MEC plano consistente e habilidade política

O Globo

Camilo Santana assumiu com missão promissora. Até agora, não apresentou agenda capaz de fugir da polarização

O ministro da EducaçãoCamilo Santana, enfrentará dificuldades para aprovar no Congresso o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que define estratégias da política educacional pelos próximos dez anos. A responsabilidade não é só dos parlamentares. O governo tem conduzido mal a discussão, abrindo espaço para a oposição assumir a agenda na tentativa de prorrogar o plano atual.

O levante contra a proposta do governo é compreensível. O plano aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae) contém vários equívocos. A começar pelo componente ideológico, numa questão que deveria ser técnica. O documento que serviu de base às discussões da Conae investe contra o ensino doméstico (homeschooling), a militarização de escolas e o movimento Escola sem Partido, marcas da gestão de Jair Bolsonaro. Se a principal crítica — pertinente — ao governo anterior era justamente a politização da educação, qual o sentido de insistir nos mesmos temas, apenas com sinal trocado?

A justificativa apresentada pela Conae é a necessidade de “contraposição efetiva do Estado” a políticas “ultraconservadoras” e de impor um freio às intervenções de grupos que “desejam promover o agronegócio por meio da educação”. Ora, num Congresso de maioria conservadora, o texto oferece o pretexto ideal à oposição. Não é coincidência que mais de dez frentes parlamentares, entre elas a evangélica e a ruralista, o tenham criticado pelo “viés ideológico” e pela “postura autoritária”.

Algumas propostas aprovadas pela Conae não têm cabimento. É o caso da revogação da reforma do ensino médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Depois de meses de discussões, o governo enfim enviou ao Congresso em outubro um projeto para aperfeiçoar as mudanças no ensino médio aprovadas em 2017. O texto já deveria ter sido votado. Seria enorme retrocesso voltar à estaca zero num tema crítico para a educação brasileira.

Outra medida sem conexão com a realidade é a meta de investir 10% do PIB em educação, o dobro do que se investe hoje. O problema do ensino no Brasil não é a falta de dinheiro. O gasto brasileiro nos três níveis de governo fica em torno de 5,4% do PIB, mesmo patamar da França (5,5%), mais que Espanha (5%), Portugal ou a média da OCDE (5,1%). O problema é o governo gastar mal, pois é refém de políticas ditadas por sindicatos de professores ou grupos educacionais privados.

Deputados têm defendido a prorrogação do PNE alegando que ela daria mais tempo para discussão. Quem é contra argumenta que as metas atuais precisam ser adaptadas para acompanhar as mudanças no cenário. Discussões são saudáveis, mas não quando paralisam decisões, como vem acontecendo no MEC. Parlamentares modificaram o projeto do ensino médio enviado pelo Planalto, e o governo até agora não superou o impasse. Insistir em temas como a proibição do ensino doméstico só traz de volta o debate polarizado, quando existem questões bem mais relevantes. Santana tem sido inábil ao mediar as necessidades urgentes da educação brasileira e as pressões da base sindical ligada ao PT. Para avançar, terá de chegar a consenso com os parlamentares. Ele assumiu o MEC com retrospecto positivo e a missão de disseminar o êxito educacional do Ceará por todo o Brasil. Em um ano de governo, não apresentou resultados, nem sequer apontou caminho coerente. O risco é sua gestão ficar só na promessa.

Só o corporativismo da Alerj explica reintegração da deputada Lucinha

O Globo

Suspeita de envolvimento com milícia afastada pela Justiça foi considerada apta por seus colegas deputados

A reintegração à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) da deputada Lúcia Helena de Amaral Pinto, ou Lucinha (PSD), afastada sob a acusação de prestar favores a milicianos, diz muito sobre o compadrio dos políticos. É certo que a Alerj instaurou processo no Conselho de Ética, que pode eventualmente levar à cassação dela. Mas ninguém aposta nesse desfecho.

A perda de controle de vastas áreas do território das cidades para milicianos e traficantes coloca políticos que têm nessas áreas suas bases eleitorais diante de uma questão: como lidar com quadrilhas que exercem um poder que caberia ao Estado? Ignorá-las não é uma alternativa. Infelizmente, é comum na política carioca e fluminense haver algum tipo de acordo com o crime organizado. Só isso coloca qualquer político no perigoso terreno da omissão e da conivência.

Lucinha, no oitavo mandato consecutivo — quatro como vereadora e quatro como deputada estadual — é uma populista típica da baixa política fluminense, sempre ligada ao governo no poder para obter os favores e benesses que movem sua máquina assistencialista de votos. Ao aproximar-se de milicianos, deu um passo temerário.

Uma investigação do Ministério Público (MP) do Rio e da Polícia Federal (PF) encontrou sinais convincentes de que ela ultrapassou os limites em seus contatos com o grupo do miliciano Luis Antônio da Silva Braga, conhecido como Zinho, que controla parte da Zona Oeste carioca. Em outubro, numa vingança contra a morte de um parente, Zinho mandou bloquear áreas da região. A confusão resultou na destruição e incêndio de mais de 35 ônibus e de um trem, sem reação policial. No final de dezembro, ele preferiu se entregar à polícia. Mas sua organização continua ativa. De acordo com as investigações, Lucinha era chamada pelo codinome “madrinha” pelos milicianos e tentava interferir em organismos da segurança pública fluminense para ajudar a quadrilha de Zinho.

Ela foi alvo de um mandado de busca e apreensão em 18 de dezembro. Entre as ações atribuídas a Lucinha pelos investigadores, estão a intermediação para a soltura de presos do grupo de Zinho e até a ajuda para derrubar um comandante de batalhão da PM que prejudicava os negócios da milícia. Segundo as acusações, ela chegou a estimular a polícia a fazer uma operação contra uma milícia rival. De acordo com o MP, a milícia de Zinho pagou a delegacias da Polícia Civil para deflagrá-la, com Lucinha atuando como intermediária entre milicianos e autoridades.

Mesmo integrantes da Mesa da Alerj afirmam que ela foi longe demais na relação com os milicianos. Mas isso não bastou para que a Assembleia mantivesse a decisão da Justiça que a afastara do mandato. No passado, a Alerj já revogou a prisão de três deputados acusados de corrupção. Depois, empossou cinco que estavam presos em Bangu. Nada parece demover os deputados fluminenses de seu corporativismo inquebrantável.

Surpresa com PIB não autoriza acomodação

Folha de S. Paulo

Desempenho tem superado projeções, por razões ainda em debate; cumpre remover obstáculos ao crescimento duradouro

A economia brasileira tem desafiado os prognósticos mais negativos. Em 2023, pelo terceiro ano consecutivo, houve boas surpresas com o crescimento do Produto Interno Bruto, que rondou 3%, o triplo do que era estimado de início.

As projeções mais consensuais para este 2024 novamente são de desaceleração —cuja intensidade, porém, já está sendo colocada em dúvida. Na mediana das estimativas do mercado coletadas pelo Banco Central, a atividade deve ter alta de 1,6%. O governo espera um pouco mais, 2,2%.

Com base em indicadores iniciais, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse acreditar que este primeiro semestre tende a "surpreender para cima".

A esperada perda de ritmo em relação ao ano passado viria da combinação dos efeitos ainda contracionistas dos juros altos para domar a inflação, de menor expansão de programas sociais e do consumo das famílias e, por fim, de uma piora do resultado da agropecuária, que não repetirá a safra recorde.

Ainda assim, há sinais de vigor que não deixam de ser notáveis. Mesmo diante do arrocho monetário e da escassez de crédito que se prolongam, o mercado de trabalho permanece aquecido, com desemprego não muito distante das menores taxas históricas e expressivo crescimento real da renda.

Parte desse ganho decorreu da queda de preços de alimentos, que beneficia especialmente os estratos mais carentes. Ocupação e salários em alta dão esteio à continuidade do aumento do consumo.

Um risco é que isso também amplie pressões inflacionárias, especialmente sobre serviços, limitando o espaço para cortes de juros.

Até agora, porém, o baixo desemprego tem se mostrado compatível com inflação sob controle, talvez uma evidência de melhor funcionamento do mercado de trabalho depois da reforma de 2017.

O conjunto de reformas econômicas dos últimos anos, aliás, pode ajudar a explicar parte do bom desempenho atual. Ampliação da carteira de concessões e projetos em infraestrutura, governança mais austera em bancos e empresas estatais, certa redução de amarras burocráticas e melhoria no ambiente de negócios são alguns dos elementos positivos.

É cedo para contar com dinamismo duradouro. Surpresas favoráveis também são observadas em outros países, o que sugere elementos comuns e temporários que restaram do choque da pandemia.

Em qualquer hipótese, cabe à política econômica remover, sem voluntarismos, os obstáculos à expansão do PIB, trabalhando por contas fiscais equilibradas, inflação sob controle e juros civilizados.

Bravata perigosa

Folha de S. Paulo

Trump choca ao não apoiar defesa de aliados da Otan e sugerir ataque de Putin

Ao longo de seus turbulentos anos à frente da Casa Branca, Donald Trump mostrou-se um aliado inconfiável e dado a bravatas na sua relação transatlântica, o esteio da segurança do Ocidente.

São memoráveis as expressões de pasmo de líderes como a alemã Angela Merkel em cúpulas e o diagnóstico, do ainda hoje presidente francês Emmanuel Macron, de que a Otan estava em "morte cerebral".

Pois o clube militar liderado por Washington desde 1949, retirado da UTI citada por Macron pela Guerra da Ucrânia, voltou ao alvo de Trump, ora favorito a retomar o assento que está com Joe Biden.

No sábado (10), o republicano contou que havia sido questiondo certa vez se os EUA cumpririam a cláusula de defesa mútua em caso de ataque dos russos.

"Eu disse: ‘Vocês não pagaram? Vocês estão inadimplentes?’ Ele disse: ‘Sim, digamos que isso aconteceu’. Não, eu não os protegeria. Na verdade, eu os encorajaria [os russos] a fazer o que diabos quisessem. Vocês têm de pagar".

Com a diatribe, Trump conseguiu ao mesmo tempo chocar os aliados ocidentais, que fizeram predições sombrias caso o republicano volte ao poder, e avivar uma ferida.

Embora os termos sejam imprecisos, já que não há uma mensalidade a ser paga para estar na Otan e a aliança depende mais dos orçamentos nacionais de defesa, é fato que apenas 11 dos seus 31 membros cumprem a meta de gastar ao menos 2% de seu PIB com o setor.

Já foi pior. Em 2014, ano em que Moscou anexou a Crimeia e ergueu as fundações de sua guerra de 2022, eram só três países. Isso mudou.

O ano passado registrou a maior alta de investimentos da Otan desde a Guerra Fria, 8,3%. Países guinaram ao militarismo, como a Polônia, que empenhou 4% do PIB. Mesmo a lenta Alemanha, alvo preferencial de Trump por ser a nação mais rica da Europa, promete ir dos 1,57% atuais a 2% neste ano.

Mas ainda é incomparável o dispêndio dos EUA, com 70% do gasto e do efetivo da aliança, e o de seus parceiros. Assim, ao falar em não cumprir sua obrigação em caso de ataque de Vladimir Putin, Trump dá um sinal perigoso não só à Europa, mas à segurança mundial.

Autoritarismo juvenil

O Estado de S. Paulo

Pesquisas sugerem que parte dos jovens passou a questionar o sistema democrático

Nenhum país está livre de uma deriva autoritária. Sabemos há muito tempo que a diluição dos valores democrático-liberais não tem fronteiras. Nos últimos anos, porém, aprendemos que a diluição desses valores também não tem idade.

Recentemente, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de toda a Alemanha em protesto contra o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). A gota d’água foi uma reunião privada ocorrida em novembro do ano passado entre representantes da AfD, empresários e neonazistas, em que se discutiu a expulsão em massa de imigrantes e “cidadãos não assimilados”. A AfD negou ter planos de adotar tal proposta, mas o novo episódio gerou discussões sobre um possível banimento do partido, desfecho também aberto à ala jovem da AfD, a Junge Alternative.

Já enquadrada como organização extremista de direita por autoridades de diferentes regiões do país, a Junge Alternative é tida como mais radical do que a própria AfD, em mais uma confirmação da tendência identificada em diversas pesquisas internacionais nos últimos anos: o pendor de parte dos jovens para soluções autoritárias.

Em editorial de agosto do ano passado (A recessão democrática na América Latina), este jornal tratou dos resultados da pesquisa realizada pelo Latinobarómetro em 17 países latino-americanos, destacando o menor engajamento dos jovens na democracia. Diz o Latinobarómetro: “A idade é o que mais diferencia os autoritários, pois quanto menor a idade, mais autoritários são”. Note-se que a pesquisa antecedeu à vitória de Javier Milei, amparada em grande mobilização do eleitorado jovem, na eleição presidencial argentina.

A mesma conclusão resultou da pesquisa feita pela Open Society Foundations também em 2023, com 30 países. Segundo o levantamento, apenas 57% das pessoas entre 18 e 35 anos consideram a democracia preferível a qualquer outra forma de governo; nas faixas etárias mais elevadas, o índice sobe a 71%. O apoio a um governo militar também é maior na faixa de 18 a 35 anos, e 35% das pessoas nessa faixa se disseram simpáticas à ideia de um líder forte que elimine Parlamentos e eleições (o apoio a essa alternativa foi menor em todas as outras faixas).

Essas pesquisas sugerem que uma boa parcela dos jovens ao redor do mundo desistiu de questionar seus representantes eleitos e passou a questionar o próprio sistema democrático. Como tal sistema tem sido incapaz de oferecer oportunidades de participação efetiva e soluções satisfatórias a seus anseios, aquele grupo passou a admitir alternativas supostamente mais práticas e eficazes. Vêm daí personagens como Trump, Orbán e Bolsonaro, que apostam numa democracia plebiscitária e onipotente contra os limites e condicionamentos das democracias liberais em crise.

É incerto se essa inclinação autoritária dos mais jovens veio para ficar. Não é raro que, com o passar do tempo, preferências e opiniões que vigoraram na juventude se alterem. Por outro lado, visões de mundo construídas nesse período também podem se consolidar e perdurar por toda a vida adulta.

Nesse caso, o combate ao pendor dos jovens ao autoritarismo passa por informá-los sobre a realidade dos regimes autoritários. É possível que boa parte deles não esteja inteiramente ciente do cenário pouco entusiasmante (especialmente no campo dos direitos civis e políticos) de países como Venezuela, China e Hungria. E mal podem estimar o quão difícil é a volta à normalidade institucional após a instalação de um regime autoritário.

Ademais, é preciso que a política vá ao encontro da juventude. Isso pode ocorrer, por exemplo, no âmbito das alas jovens dos partidos políticos ou no incentivo à participação na política local (pressupondo-se que os partidos têm interesse em renovar seus quadros, do que José Luiz Datena e Marta Suplicy não são exemplos). Essas seriam formas de contrastar o isolamento social, a apatia política e a radicalização autoritária. Reconheça-se: é um empreendimento difícil e incerto. Mas é certo que, se nada mudar, são grandes as chances de termos outros Trumps, Orbáns e Bolsonaros pela frente.

‘El Loco’ em camisa de força

O Estado de S. Paulo

Se realmente quiser controlar a inflação, desregular a economia e chegar ao fim de seu mandato em 2027, Milei deve aceitar que o único caminho é a negociação com o establishment político

O presidente da Argentina, Javier Milei, implodiu a aprovação de sua proposta de reforma da economia pelo Congresso da Nação. Ao imprimir seu estilo de confronto com parlamentares e governadores das Províncias nas negociações do projeto de lei que inclui medidas de ajuste fiscal e de desregulamentação econômica, colheu o inevitável: do plenário, o pacote voltou à fase inicial da tramitação da Câmara dos Deputados. Na prática, acabou engavetado pela aversão de Milei à etiqueta da democracia, em que não se ganha nada no grito.

Fosse o presidente da Argentina um democrata convicto, a negociação continuaria em pauta. Mas, como se trata de “El Loco”, um político inexperiente, inábil e sem nenhum compromisso com o Estado de Direito, o Executivo apostou na intransigência. Os gestos das Províncias e de uma parcela de deputados de centro em favor da negociação foram desperdiçados pelo governo. Como resultado, os poucos artigos que já estavam aprovados pela Câmara acabaram no limbo, com todo o resto do projeto de lei.

Dois fatos expõem como a truculência de Milei levou ao fracasso na votação do último dia 6 na Câmara dos Deputados. O primeiro diz respeito a um dos artigos mais desejados pelo presidente – o que lhe concederia poder extraordinário de legislar, sobretudo sobre temas econômicos, por dois anos. O tema já havia sido aprovado pelos parlamentares, com algumas restrições, quando surgiu o impasse sobre a divisão da receita do imposto sobre operações cambiais com as Províncias. Ao Executivo, tal ganho de poder valeria quaisquer outras concessões. Mas Milei queria tudo ou nada.

A segunda evidência foi o voto contrário a outros artigos de deputados de seu próprio partido, A Liberdade Avança. A Casa Rosada mal enfrentou a oposição peronista no plenário. O amadorismo dos deputados alinhados a Milei, que puseram em votação matérias sobre as quais não tinham certeza de aprovação, contribuiu para a desastrosa votação.

A rejeição ao projeto foi construída passo a passo pelos erros de Milei. Faltou disposição da Casa Rosada em negociar exaustivamente com deputados simpáticos ao projeto de lei e com governadores de Províncias afetadas diretamente pelas medidas. Sobrou arrogância do presidente que, deslumbrado com seus 56% dos votos nas urnas em novembro passado, visitava Israel durante as votações que exigiam sua presença em Buenos Aires.

À arrogância soma-se a estultice de colocar todos os ovos em uma só cesta. Sua reforma econômica, apoiada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tem demasiada importância para ser incluída em um projeto de lei que versa também sobre uma miríade de temas polêmicos – e que, por isso, é chamado de Lei Ônibus.

A depender da disposição de Milei em negociar, a Lei Ônibus pode até ser trazida de volta ao plenário da Câmara. Seria um feito inédito. Mas o esforço é recomendável, dada a urgência na adoção das reformas econômicas – inclusive para o alívio, no futuro, de uma população castigada pelo custo de vida cada vez mais alto. Até o momento, porém, a Casa Rosada não sinaliza para esse caminho.

De Jerusalém, Milei reagiu à decisão da Câmara com ataques contra as “castas empobrecedoras do povo”, os “delinquentes”, os “criminosos”, os “traidores”. É grave o presidente de uma democracia referir-se com tais impropérios aos eleitos para o Legislativo e o Executivo provincial. Porém, mais preocupantes são as alternativas gestadas por “El Loco”. Recorrer a um plebiscito, como prometera, em nada o ajudará porque cabe ao Congresso aprovar a realização de consultas populares. Adotar a reforma econômica por decreto, como tem sido ventilado em Buenos Aires, terá o efeito de um golpe contra o Legislativo, a ser contestado também pelo Judiciário.

Se realmente quiser estabilizar a inflação, colocar a economia do país em pé e chegar ao final de seu mandato sem acidentes, Milei deve buscar o caminho do entendimento, e não do confronto. Do contrário, “El Loco” continuará preso na camisa de força que o establishment político reserva aos que pretendem desafiá-lo.

Fúria recompensada

O Estado de S. Paulo

Comissão Europeia premia agricultores com mais proteção e exclusão do setor em meta climática

Os tratoraços em Bruxelas e Paris em janeiro surtiram os efeitos imediatos dos furiosos agricultores europeus, todos sabidamente vitaminados por colossais subsídios e proteção. A Comissão Europeia reagiu aos protestos como se esperava: concedeu-lhes mais barreiras comerciais, alívio nos custos de produção e exclusão nas metas climáticas mais ambiciosas assumidas pelo bloco. Pouco importa, na lógica prevalecente no continente, o custo de fomentar um setor que mal consegue competir com seus concorrentes estrangeiros. A agricultura continua sagrada.

Esse conceito foi evidenciado no discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na cerimônia de abertura do ano legislativo em Estrasburgo, na França. “Nós devemos a eles (agricultores) agradecimento e respeito. (...) Eu sei que eles estão preocupados com o futuro da agricultura e com seu futuro como fazendeiros. Mas eles também sabem que a agricultura precisa de um modelo de produção mais sustentável, para que suas fazendas continuem rentáveis nos próximos anos. E queremos ter a certeza de que, nesse processo, os fazendeiros estejam no comando”, afirmou.

No comando, certamente eles estão. Caso contrário, Bruxelas não teria recuado em tópicos tão caros – como o que consolidaria a União Europeia na vanguarda da defesa do meio ambiente e do combate ao aquecimento global – para dispersar os tratores e seus ruidosos condutores das capitais europeias. Em seu novo compromisso de redução de 90% das emissões de gases do efeito estufa até 2040, apresentado ao Parlamento no dia 6, a parcela a ser cobrada do setor agropecuário foi limada horas antes. Restrições adicionais ao uso de pesticidas caíram sob os gritos dos agricultores, e os países-membros foram autorizados a levantar barreiras contra grãos e alimentos importados de uma Ucrânia devastada por uma guerra.

Craques em queixas e fartos de benesses, os agricultores europeus terão suas razões para protestar contra a alta dos custos de produção e as exigências ambientais adotadas por Bruxelas – as mesmas que o bloco europeu quer impor aos produtores do Mercosul nas negociações do acordo de livre comércio. Como suas próprias demandas revelam, mal conseguem competir com os fazendeiros ucranianos e não seria diferente com os do Mercosul. A competitividade do setor europeu é artificial. Não sobreviveria sem a ampla proteção comercial e o volume gigantesco de subsídios nele despejado pela Política Agrícola Comum (PAC).

Ceder aos agricultores é e sempre será uma sina da Comissão Europeia, com claro sinal político. Mesmo quando está em jogo sua credibilidade na agenda ambiental, o custo da sustentação do setor para seus contribuintes e a distorção no comércio internacional, os fazendeiros serão agradados. E, apesar de terem voltado com seus tratores ao campo, Bruxelas sabe que as queixas do setor não se esgotaram e que as eleições para o Parlamento Europeu, em junho, abrem uma imensa seara para barganhas.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Li todos os editoriais e os artigos,obrigado ao editor do blog.