sábado, 13 de abril de 2024

Aldo Fornazieri* - Enredado em si mesmo

CartaCapital

O principal problema do governo é o próprio governo

A queda de popularidade, seus impasses internos e na relação com o Congresso, os ziguezagues da política externa, sua incapacidade de mobilizar as bases sociais para um engajamento mais ativo, as confusões na Petrobras, desarticulação política e falhas de comunicação são ingredientes, entre outros, que explicam o mau momento do governo perante a opinião pública. Esses elementos mostram que o principal problema do governo é o próprio governo. Um governo enredado em suas próprias incapacidades.

As principais são de natureza política, pois no plano da economia não se pode dizer que o governo vai mal. O desemprego no período do terceiro mandato de Lula tem caído. A taxa para o mês de fevereiro é a menor desde de 2015. No ano passado, a renda do trabalho cresceu 11,7% e o número de empregos com carteira assinada continua acima dos 100 milhões. O Banco Central, o Ministério da Fazenda e os analistas de mercado elevaram as previsões de crescimento do PIB para 2024. Há indícios de que ele poderá ser superior aos 2%, acima das expectativas iniciais. É verdade que há uma elevação dos preços dos alimentos, mas esta inflação tem uma natureza sazonal e logo, principalmente os preços dos hortifrútis, deverá cair.

Mesmo com a situação relativamente confortável na economia, as últimas rodadas das pesquisas de opinião mostraram uma queda da avaliação positiva do governo e uma alta da avaliação negativa. Na contramão, as pesquisas mostraram uma alta da avaliação positiva do STF e do Congresso e uma queda na avaliação negativa.

O governo e as esquerdas em geral parecem não ter compreendido a natureza da política na era digital. Boa parte do chumbo que o bolsonarismo atira contra o governo nas redes é oferecido pelo próprio governo, seja por afirmações disparatadas de alguns de seus integrantes, seja por crises desnecessárias como a da Petrobras. Alguns integrantes do governo e do PT parecem não compreender como funciona o mercado de ações nem a sua importância para as empresas. Chegam a acusar aqueles que investem em ações de especuladores. A espuma criada na crise da Petrobras impediu que o governo se beneficiasse dos dividendos extraordinários gerados pela empresa.

Boa parte dos ministros parece enfrentar uma crise de apatia, de imobilismo e de incapacidade de ação e inovação. Com a saída de Flávio Dino para o STF, o governo ficou sem uma voz política. Enquanto o STF e o Congresso movimentam a atividade e o noticiário, no governo há uma pasmaceira. A falta de ação e de irradiação de projetos e temas desmobiliza e desengaja a militância nas redes e no debate social. O que se observa é um bolsonarismo ativo nas redes e uma esquerda desengajada. O governo não consegue agir como centro de irradiação e de mobilização política nas redes e na vida social.

O resultado é que o governo perde terreno na disputa de hegemonia. O conceito de hegemonia é polissêmico. Em regra, a hegemonia consiste na ­capacidade de um governo ou partido conferir direção e sentido à sociedade ou a agrupamentos sociais determinados. A hegemonia, sempre parcial nas sociedades democráticas, é construída por diferentes atividades e diferentes meios. O líder precisa ter as capacidades morais e de comando para manejar os meios e os indivíduos que lidera.

A hegemonia exercida por um governo assenta-se nas condições materiais que o governo garante aos grupos hegemonizados, do seu poder de compra ao fornecimento de serviços satisfatórios nos campos da saúde, educação e segurança, entre outros. Para que essas concessões surtam efeito, precisam, no entanto, ser amalgamadas pela ideologia, pela política, pelos valores morais, pela cultura e pela religião. Sem esse amálgama, as concessões materiais produzem efeito de baixa intensidade no ativismo e no engajamento em favor do governo. O governo perdeu capacidade de promover disputas políticas, ideológicas, culturais e morais.

Outro aspecto da hegemonia consiste em que ela tem de se estruturar em organizações da sociedade civil. Com as igrejas evangélicas, a extrema-direita ganha consistência e capacidade de expansão. As igrejas evangélicas tornaram-se a base social organizada no território e ativa na vida social.

Para sair dessa crise, o governo precisa recompor-se politicamente, recuperando a capacidade de ser um centro de difusão política, programática e de ideias e valores. Uma reforma ministerial é necessária. Caso contrário, perderá a capacidade de atração. Setores políticos do Congresso poderão deslocar-se para o campo que lhes é hostil. Os prejuízos poderão ser grandes nas eleições municipais deste ano e poderão tornar difícil o caminho para 2026. •

*Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.

2 comentários:

Mais um amador disse...

Falando em " hegemonia ", pode-se gostar dele ou não, concordar com ele ou não, mas um dos responsáveis pela expansão da direita e extrema-direita no pais foi Olavo de Carvalho. Seus filhos adotivos estão todos espalhados por aí e sabem usar as redes sociais muito bem.

Daniel disse...

Realmente, o grande mentiroso deve estar agora fazendo companhia pro capeta e tentando convencê-lo das suas teorias estapafúrdias às quais tantos patriotários se renderam.