Não se espera alta dos juros
Correio Braziliense
O detalhamento da inflação mostra, de forma clara, que os preços estão sob controle, numa tendência que é favorecida pela própria estabilidade econômica
No mês em que se comemora os 30 anos do Plano Real, como que em uma deferência, a inflação oficial divulgada recuou, com o índice ficando abaixo, inclusive, do que previa o mercado financeiro. É uma boa notícia, principalmente considerando que o índice de preços caiu de 0,46% em maio para 0,21% em junho, mas é como se estar em um carro olhando pelo retrovisor. Essa queda da inflação é pontual e, já no próximo mês, deve refletir a escalada do dólar e o reajuste dos combustíveis. A perspectiva de aumento da inflação em julho e no acumulado de 12 meses não deve ser, no entanto, motivo para que o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), decida por elevar a taxa básica de juros, hoje em 10,5%.
Economistas e investidores chegaram a projetar um aumento da taxa, mas, observando os detalhes do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se nota uma acomodação em núcleos considerados mais resilientes à política monetária. Embora a inflação do primeiro semestre seja de 2,48% e, no acumulado de 12 meses, ela chegue a 4,23%, se aproximando do teto da meta para 2024 de 4,5% — 3% com 1,5 ponto percentual de tolerância para mais ou para menos —, não há motivos para o aumento dos juros na próxima reunião do Copom, em 30 e 31 de julho.
A explicação para a inconveniência de se elevar as taxas de juros vem do próprio argumento usado pelo BC, que observa os núcleos da inflação e os reajustes de preços dos serviços. Em junho, a média dos núcleos inflacionários ficou em 0,22%, desacelerando em relação ao 0,39% registrado em maio. Em 12 meses, houve uma leve aceleração de 3,55% para 3,57%, mas dentro da margem. Já a inflação dos serviços ficou estável em 0,04%. Esse resultado foi fortemente impactado pela redução de 9,88% no valor das passagens aéreas. Mas não apenas os bilhetes aéreos. Desconsiderando-os, há uma queda de 0,31%, em maio, para 0,22%, em junho, na inflação dos serviços. Com isso, em 12 meses, os reajustes de preços dos serviços retomaram o processo de desaceleração, ficando em 4,57%.
O detalhamento da inflação mostra, de forma clara, que os preços estão sob controle, numa tendência que é favorecida pela própria estabilidade econômica. Sem ruídos de comunicação (leia-se declarações fortes do presidente Lula contra o presidente do BC) e com o próprio Banco Central mostrando unidade, o cenário de incertezas se dissipa, levando a uma acomodação do câmbio em um patamar mais baixo, reduzindo a pressão sobre os preços internos. Para os próximos meses, a perspectiva é positiva para a redução da inflação.
Não se quer que haja condescendência da autoridade monetária com os preços, mas também é preciso ponderar que não há necessidade de um arrocho maior para conter futuros reajustes. Mesmo a alta dos combustíveis tende a ser neutralizada pela valorização do real frente ao dólar, que pode se acentuar com a perspectiva de corte nas taxas de juros dos Estados Unidos a partir de setembro. O que se espera é que possa haver ambiente para que, antes do fim do ano, o Copom retome o corte de juros.
O Globo
Mas texto aprovado tem falhas, como isenção
para carne e outros produtos, aumentando o imposto dos demais
A reforma
tributária promulgada em 2023 promete a maior transformação na
economia brasileira desde o Plano Real. A Câmara deu mais um passo essencial
nesta semana, ao aprovar o primeiro e principal pacote de regras para
regulamentar o novo sistema de impostos. Ao votá-lo, os deputados demonstraram
maturidade e senso de urgência.
As principais linhas da reforma foram decididas no ano passado, mas faltavam os detalhes. O relator da regulamentação, Reginaldo Lopes (PT-MG), fez bem em incluir no parecer final um mecanismo para manter os novos impostos sobre serviços e consumo sob um teto de 26,5%. Embora alta e de implementação incerta, a alíquota impõe um limite à concessão de benesses. Como o corte no imposto para um necessariamente implica alíquota mais alta para os demais, o teto obriga legisladores a fazer escolhas: se quiserem favorecer um setor, terão de mostrar de onde sairá o dinheiro, numa filosofia similar à da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Também foi um acerto o reforço no sistema de
devolução de impostos aos mais pobres, ou cashback. Por esse
mecanismo, famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único do governo
federal receberão descontos. Na versão aprovada, o imposto pago nas contas de
luz, gás e água pelos mais pobres será ao menos em parte reembolsado.
Infelizmente, a aprovação da regulamentação
mostrou quanto o Legislativo é suscetível a todo tipo de pressão. A reforma
prevê um Imposto Seletivo, que incidirá sobre produção, importação, extração ou
venda de produtos nocivos, prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. No texto
aprovado, a lista do “imposto do pecado” inclui cigarros, bebidas alcoólicas e
açucaradas, carvão e carros — mas não armas de fogo e munições. Trata-se de um
desatino.
A força dos lobbies ficou patente na
negociação sobre os produtos da cesta básica. No fim da votação, os deputados
decidiram incluir carnes, queijos e sal na lista de alíquota zero (estão nela
arroz, café, feijão, açúcar, massas e farinha de mandioca). Outros produtos
pagarão imposto reduzido. A ampliação de isenções e reduções beneficia os
contemplados e contribui para aumentar a alíquota dos demais. Ao contrário do
cashback, o subsídio à cesta básica, defendido com afinco por grandes
varejistas, é injusto por beneficiar indiscriminadamente pobres e ricos. O
governo deixa de arrecadar de quem poderia — e deveria — pagar.
Outro item que desafia a lógica é o
entendimento sobre veículos. Faz sentido que automóveis sejam sobretaxados,
como incentivo ao transporte público e à redução nas emissões de gases. Faltam,
porém, evidências para justificar que o tratamento a carros elétricos e a
combustão deva ser o mesmo. Mais difícil é explicar por que caminhões movidos a
diesel foram excluídos do Imposto Seletivo.
Com todas as falhas, a regulamentação em
prazo breve e em ano eleitoral merece ser celebrada. O texto agora segue para o
Senado, onde se espera a mesma celeridade. Embora tenham prazos largos até
entrarem plenamente em vigor, as mudanças marcam o fim do manicômio tributário
brasileiro. Os consumidores saberão os impostos que pagam, os empreendedores
perderão menos tempo para entender quanto devem ao governo, as disputas
judiciais diminuirão, mais energia e dinheiro serão investidos em novos
negócios e empregos. Um ciclo virtuoso se iniciará na economia.
Licitação da Secom faz reviver espectro da
corrupção nas gestões petistas
O Globo
Vencedores de concorrência digital de quase
R$ 200 milhões na pasta eram conhecidos antecipadamente
Diante dos indícios de irregularidade, fez
bem o Tribunal de Contas da União (TCU)
em mandar suspender a licitação de R$ 197,7 milhões aberta pela Secretaria de
Comunicação da Presidência da República (Secom) para gestão de redes sociais. A
decisão foi tomada pelo plenário da Corte, seguindo voto do relator, ministro
Aroldo Cedraz, depois de representação do Ministério Público.
O pregão, cujo objetivo era contratar quatro
empresas para divulgação do governo Luiz Inácio Lula da
Silva, chamou a atenção da área técnica do TCU depois que o site O Antagonista
divulgou, de forma cifrada, informações sobre as empresas vencedoras um dia
antes do anúncio oficial. No entendimento da Corte, se a subcomissão técnica
conhecia antecipadamente a autoria de cada proposta, o fato constitui
“irregularidade grave”, “resultando em possível direcionamento do certame e
maculando todo o procedimento de licitação”.
O ex-secretário de Comunicação e atual
ministro da Reconstrução do Rio Grande Sul, Paulo Pimenta,
rechaça qualquer suspeita, diz que as denúncias são “infundadas” e argumenta
que a Secom não foi ouvida. Mas o governo precisará explicar como é possível
alguém saber antecipadamente os vencedores de uma licitação. Não se trata de um
pregão qualquer, mas do maior já feito na área de comunicação digital da
secretaria.
A suspensão da licitação na Secom acontece um
mês depois de o governo anular um leilão para compra de 264 mil toneladas de
arroz, sob pretexto de evitar a falta do produto e equilibrar os preços depois
das enchentes no Rio Grande do Sul. Não bastasse a inutilidade do leilão — o
próprio governo não parece empenhado em promover outro —, o resultado despertou
estranheza, uma vez que as empresas vencedoras não tinham experiência no setor
(uma delas era um loja de queijos) e estavam vinculadas ao então secretário de
Política Agrícola, depois demitido. A situação era tão esdrúxula que nem o
governo tentou defendê-la.
No caso da Secom, felizmente ainda não foram
gastos recursos públicos, pois os indícios de irregularidades vieram à tona a
tempo de impedir danos ao Erário. Mas isso não significa que o governo não
precise dar explicações. Se houve tentativa de fraude para beneficiar quem quer
que seja, ela deve ser apurada com rigor pelos órgãos competentes, para que os
responsáveis sejam punidos caso fiquem comprovadas as suspeitas.
A corrupção é uma espécie de tabu nas gestões
petistas. O partido, marcado por alguns dos maiores escândalos com verbas
públicas da História do Brasil, nunca fez mea-culpa sobre o assunto. É como se
não tivessem existido mensalão, petrolão e outras maracutaias. Pesquisa Quaest
divulgada nesta semana mostrou que a corrupção é uma das maiores preocupações
dos brasileiros, ao lado de temas como economia, segurança, assistência social,
saúde e educação. O governo deveria aprimorar os mecanismos para impedir que
essas histórias se repitam. A sociedade está de olho.
Regulamentação da reforma tributária tem
avanços e desafios
Valor Econômico
Projeto não é perfeito, mas faz o país deixar para trás a pecha de ter o pior sistema tributário do mundo
Depois de a Câmara dos Deputados ter aprovado
ontem a regulamentação da reforma tributária, falta muito pouco para concluir a
fase legislativa daquela que é uma das maiores transformações da economia
brasileira desde o Plano Real. A reforma deixa para trás a pecha de pior
sistema tributário do mundo, expressa nas recorrentes últimas posições do
Brasil nos rankings anuais do Banco Mundial sobre o tema. O projeto não é
perfeito, mas traz avanços essenciais em relação à regressividade vigente, aos
altos custos de cumprimento das obrigações, à imensa litigiosidade criada a
partir do cipoal de regras mutantes e à injusta repartição da carga de impostos
sobre todos os setores da economia. A tributação brasileira se aproximará da
que existe nas economias avançadas e nas emergentes modernas.
A aprovação da regulamentação pelo Congresso
foi acelerada, fora dos ritos usuais, pulando as comissões, e levadas
diretamente a plenário. Essas condições tenderam a favorecer a ação dos
lobbies, que em alguns casos conseguiram mudar a seu favor o desenho original.
A principal discussão, que ganhou força pela defesa do presidente Lula de que a
“carne que o povo consome” deveria fazer parte da cesta básica isenta de
impostos, terminou com a inclusão de todas as proteínas animais, queijos, além
de aveia, farinhas, óleo de milho, plantas e produtos de horticultura. O mesmo
movimento levou à migração de produtos como salmão e atum da alíquota cheia
para a com redução de 60%.
A lógica proposta pelo Ministério da Fazenda
era correta. As carnes não entrariam na isenção da cesta básica, mas na lista
de alíquota reduzida em 60%, já que são produtos consumidos também pelas
classes de maior renda. Os mais pobres, inscritos no Cadastro Único, receberiam
de volta parte do imposto pago. O benefício seria focado e mais eficaz. O
cashback prevaleceu para gás de cozinha, no qual já era de 100% do imposto
federal (CBS) e 20% do estadual/municipal (IBS) e para água, luz e esgoto, que
de 50% subiu para 100%.
Mais migrações de categorias de taxação maior
para menor ocorreram com os medicamentos. Os listados pela Anvisa e os feitos
por farmácias de manipulação passaram a ter alíquota reduzida em 60%, enquanto
absorventes foram incluídos na categoria isenta. Planos de saúde para pets
terão alíquota reduzida em 30%. O texto aprovado criou ainda a categoria do
nanoempreendedor, quem tem receita de até R$ 40,5 mil anuais, que não será
contribuinte do IBS e CBS. Entraram também nove categorias de insumos agropecuários
e aquícolas com impostos reduzidos em 60%.
O Imposto Seletivo, destinado a tributar
produtos que causam danos à saúde ou ao ambiente, incluirá o carvão e carros
elétricos, mas não caminhões de carga. Um dos graves erros da reforma foi
deixar fora desse imposto as armas. Pior: a atual tributação sobre elas gira em
torno de 55% e cairá para 26,5%, a alíquota de referência do IVA-Dual. Ainda no
caso do imposto seletivo, a taxação de até 1% sobre extração de minérios,
petróleo e gás foi reduzida a 0,25%.
Quanto maior o grupo de isenções e reduções
maior será a alíquota. Cálculos preliminares do que os deputados aprovaram
ontem indicam que o total da carga seria superior aos 26,5%. A inclusão de
carnes na cesta básica pode elevar o padrão em 0,53% (Ministério da Fazenda) ou
0,57% (Banco Mundial). A redução de impostos de medicamentos e do setor
imobiliário pode aumentar em mais 0,5% a conta. A alíquota de referência
passaria então de 27%, a mais alta do mundo, praticada pela Hungria.
Os deputados aprovaram uma trava para que a
alíquota de referência não ultrapasse 26,5% e que passaria a valer em 2033.
Para isso, até março de 2031 um projeto de lei complementar deveria ser enviado
pelo Executivo apresentando correções de alíquotas para produtos e setores.
Pelas declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira, a calibragem se dará
depois, e não agora. Isso teria desobrigado os deputados do trabalho
responsável de apontar em quais setores ou produtos as alíquotas deveriam ser
reduzidas para que outras fossem aumentadas e se respeitasse a alíquota de
referência original.
Ou seja, como a reforma será iniciada em
2026, com os tributos federais, e de 2027 a 2033 para o IBS, ela começaria com
uma carga maior. A tarefa de zelar pelo não aumento da carga foi dada ao
Executivo, que terá também de, a cada cinco anos, verificar se as desonerações
de impostos cumpriram seus objetivos e se a relação custo-benefício da isenção
se mostrou adequada.
Esse é um desafio. A trava colocada pela Câmara e a revisão das isenções são compromissos importantes para impedir no futuro que governos abusem de aumento da arrecadação para resolver problemas eventuais. Mas seria importante que o Senado fizesse as modificações necessárias para reequilibrar a alíquota de referência para que ela saísse do Congresso e a reforma tributária começasse a ser implantada com o nível consensuado. Ainda assim, a existência de mecanismos de correção de rota obrigatórios, e a possível criação pelo Senado de ajustes com menor periodicidade, permitirá que o objetivo de manutenção da carga tributária não seja desvirtuado.
Demagogia prejudica a reforma dos impostos
Folha de S. Paulo
Ampliar a lista de produtos livres de
tributos, como fizeram deputados, é política falha que implica custos à
sociedade
Sempre se soube que a reforma dos impostos
não seria a ideal, mas a politicamente possível em meio a pressões de setores
poderosos e influentes para manter ou obter privilégios. Assim se deve avaliar
o primeiro passo da regulamentação do novo sistema tributário brasileiro, dado
na quarta-feira (10) pela Câmara dos
Deputados.
Concessões são inevitáveis para reunir apoios
e permitir que o projeto, complexo, avance. O mais importante é viabilizar a
implantação gradual de um sistema que ao menos não seja tão caótico e
disfuncional quanto o de hoje.
Isso dito, é preciso apontar o desserviço
prestado por forças políticas à direita e à esquerda que não se constrangem
em prejudicar
uma reforma fundamental para a economia do país por oportunismo
e demagogia rasteira.
Assim se deu com a definição dos produtos que
vão compor uma cesta básica nacional e escapar da cobrança de CBS, federal, e
IBS, regional —os dois tributos similares sobre bens e serviços que, ao lado de
um imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde e ao ambiente,
substituirão os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.
Em negociações de última hora, foram
incluídos na lista carnes, peixes, queijos e sal. Depois,
parlamentares oposicionistas e situacionistas brigaram pela paternidade da
alteração —contra a qual se opôs silenciosa e solitariamente a área técnica do
governo.
A alíquota zero é uma política social
sabidamente falha, por beneficiar indistintamente ricos e pobres à custa de
perdas para o erário. Uma opção mais eficiente, disponível na reforma, é tributar e
devolver os valores pagos por cidadãos de baixa renda.
Políticos, no entanto, preferem posar de
grandes benfeitores do povo ao livrarem de impostos este ou aquele artigo —e em
geral estão favorecendo, na verdade, os empresários produtores.
Como o deficitário Estado brasileiro não pode
se dar ao luxo de abrir mão de arrecadação, o corte de impostos sobre um bem ou
serviço resultará em alíquotas mais elevadas sobre os demais. A Câmara fixou um
teto de 26,5% para a taxação conjunta de CBS e IBS, mas isso não garante que as
contas vão fechar no futuro.
Um dos objetivos centrais da reforma
tributária é justamente acabar com o labirinto de regras privilegiadas e
regimes especiais com os quais diversos setores e atividades escapam de
impostos em detrimento do conjunto da sociedade.
Que o Senado seja
convencido a resistir às tentações demagógicas e reveja as falhas da
regulamentação, que não se limitam à cesta básica. No mínimo, é necessário
calcular e expor o custo das falsas bondades de legisladores e governantes.
Gambiarra na educação
Folha de S. Paulo
Uso de temporários dispara no ensino básico,
possivelmente para contornar custos
Mudanças demográficas na sociedade
brasileira, Orçamento público engessado e regras obsoletas do funcionalismo
possivelmente estão por trás da queda na contratação de professores efetivos
para a rede pública de ensino e do aumento do número de temporários.
Diagnósticos realizados pela ONG Todos
pela Educação e
pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgados recentemente,
revelam o fenômeno, que ainda precisa ser mais bem estudado para que sejam
verificados impactos e desenvolvidas soluções.
]Segundo a ONG, de 2013 a 2023, a parcela de docentes temporários nas redes estaduais se tornou
majoritária, passando de 31,1% a 51,6%. Nas redes municipais, ainda
são minoria de 34%, mas seu número aumentou 47% a partir de 2020.
Como noticiou a Folha, o relatório do
BID mostra que 63% das cidades do país não realizam
concurso público para contratar professores há mais de cinco anos.
Algumas delas já contam mais de 20 anos sem certames do tipo.
Temporários deveriam ser opções para
situações específicas e momentâneas, já que os contratos têm duração de dois
anos. Mas a pesquisa da ONG mostra que 43,6% deles atuam há ao menos 11 anos.
Se preocupa pelo risco de comprometer a
qualidade já precária do ensino básico nacional, o fenômeno parece indicar uma
tentativa de reduzir gastos permanentes por parte de estados e municípios.
O déficit dos sistemas previdenciários dos
servidores públicos, agravado pelo envelhecimento da população, e os Orçamentos
engessados tendem a dificultar a contratação de efetivos. O enfrentamento do
problema, portanto, deve
passar por reformas administrativas.
Cumpre rever regras e práticas arcaicas, como
a estabilidade no emprego de alcance excessivo e a falta de avaliações de
produtividade.
Por óbvio, a profissão docente exige valorização e bons salários; no mundo desenvolvido, isso é norma. Para isso, contudo, governos nas três esferas precisam modernizar suas gestões e racionalizar o gasto público —o que necessariamente envolve mudanças que encontram forte oposição em setores corporativistas.
O gosto amargo da reforma
O Estado de S. Paulo
A reforma tributária é um avanço, sobretudo
quando comparada ao sistema atual, mas a Câmara desperdiçou a melhor chance dos
últimos anos de tornar o sistema mais justo e menos regressivo
A Câmara dos Deputados aprovou o primeiro
projeto de lei que regulamenta a reforma tributária nesta semana. Proteladas há
décadas, a modernização e a simplificação da tributação, com a transparência
dos incentivos, a não cumulatividade, a migração da incidência dos impostos da
origem para o destino e o fim da deletéria guerra fiscal entre os Estados, eram
mudanças urgentes e necessárias, méritos que já foram reconhecidos por este
jornal.
Contudo, a Câmara desperdiçou a melhor chance
dos últimos anos de tornar o sistema tributário mais justo e menos regressivo.
Oportunidades como essas são raras, mas expõem de maneira cristalina as razões
pelas quais o País é um dos campeões mundiais em matéria de desigualdade social
e de baixa produtividade. Não é por um acidente de destino.
Debates rasos, expeditos e fechados marcaram
muitas das discussões da reforma, especialmente a principal delas: a
desoneração da cesta básica. Trata-se de uma medida cara, sem foco e pouco
efetiva para a redução da pobreza, o oposto do que preconizam os melhores
especialistas em políticas públicas.
Manter as proteínas entre os produtos com
alíquota reduzida em 60% e que ensejariam a devolução de impostos às famílias
inscritas no Cadastro Único era a escolha mais racional e equilibrada, tanto
para o público atendido pelos programas sociais do governo quanto para a saúde
das contas públicas.
À primeira vista, a medida poderia ser
considerada impopular, mas havia pesos-pesados da política nacional dispostos a
arcar com o ônus de uma decisão tecnicamente correta. Ainda assim, carnes,
frango, peixes e queijos de todo o tipo foram incluídos entre os itens que
terão alíquota zero para todos os brasileiros, independentemente da renda, por
477 votos a 3.
Governo e oposição disputam a autoria por uma
medida na qual quem venceu foi o populismo suprapartidário e supraideológico.
Quem perdeu foi o País, especialmente as famílias mais vulneráveis, cujo
reduzido poder de compra foi instrumentalizado em nome de outros interesses.
Cada escolha é uma renúncia, e esta terá uma
consequência incontestável: a elevação da alíquota padrão do futuro Imposto
sobre Valor Agregado (IVA), que, tudo indica, será a mais alta entre os países
que utilizam esse sistema tributário, à frente de muitos países ricos
conhecidos por serviços públicos universais e de qualidade.
Cálculos do Ministério da Fazenda apontavam
que a alíquota média do IVA seria de 26,5%, e que esse porcentual subiria 0,53
ponto porcentual caso as proteínas ficassem livres de impostos. Como essa e
muitas outras distorções receberam amplo apoio dos deputados, o IVA médio será
de 27,2% e, no limite, poderá atingir até 27,4%, segundo estimativas do
economista e tributarista Eduardo Fleury.
Como contrapartida à inclusão das proteínas,
a Câmara adicionou no texto uma suposta trava para impedir que a alíquota
padrão ultrapasse os 26,5%. Esse dispositivo teria dado conforto aos
parlamentares para relaxar e aceitar as diversas exceções.
Conforme a regra da tal trava, se a alíquota
passar do teto será preciso cortar algum benefício a partir de 2033, quando a
reforma entrará plenamente em vigor. Ora, os deputados podem ser chamados de
tudo, menos de ingênuos: não há garantia nenhuma de que esse limite será
respeitado ou de que haverá qualquer punição caso não seja. A desmoralização do
teto de gastos e do arcabouço fiscal deveria bastar como prova disso. Além do
mais, a atual carga tributária, já bastante elevada, já não é suficiente para
cobrir todas as despesas há mais de dez anos.
A tendência é a de que esse desequilíbrio
fiscal se acentue no futuro. Sem reformas que revejam os gastos, não haverá
alternativa que não passe pelo aumento de impostos – medida que acentuará tanto
a falta de competitividade do País quanto a péssima percepção sobre a qualidade
dos serviços públicos.
Que fique claro: a reforma tributária é
fundamentalmente boa, sobretudo quando comparada ao manicômio que ela
substituirá, mas poderia ter sido melhor. A Câmara dos Deputados, que deveria
representar o povo, lamentavelmente mostrou não estar à altura desse debate.
Que o Senado tenha a coragem de enfrentá-lo.
Um ensino médio melhor
O Estado de S. Paulo
A aprovação da nova reforma da etapa mais
complexa da vida escolar é fruto de uma bem-sucedida negociação técnica e
política, mas agora o desafio é implementá-la sem os erros anteriores
Difícil imaginar um desfecho mais
satisfatório do que a aprovação, antes do recesso parlamentar, da nova reforma
do ensino médio. O texto aprovado em votação simbólica na Câmara, que agora irá
à sanção presidencial, retomou parâmetros amplamente discutidos e acordados em
março entre deputados, secretários de Educação e o Ministério da Educação
(MEC), incorporou algumas das mudanças introduzidas por senadores na tramitação
no Senado, preservou o mérito de manter a essência da reforma de 2017 e, o mais
importante, corrigiu muitos dos problemas que havia na formulação inicial. Foi
um esforço notável de todos os envolvidos – MEC, Câmara, Senado, gestores
educacionais e especialistas da sociedade civil – em torno de uma necessária
convergência técnica e política. Como sintetizou o diretor-executivo do Todos
Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, em artigo no Estadão, uma vez
sancionada a lei o Brasil terá uma reforma do ensino médio “substancialmente
melhor do que a original”.
Apesar das cassandras que pregavam a
revogação completa, o texto mantém o princípio da reforma iniciada no governo
de Michel Temer: ampliação da carga horária nesta que é a etapa mais complexa
da vida escolar; flexibilidade curricular, com a divisão entre formação geral
básica (com disciplinas como Matemática) e a parte flexível, os chamados
itinerários formativos; e a articulação do ensino regular com a educação
profissional. Serão 2.400 horas de carga horária para a formação básica (que
fora excessivamente reduzida para 1.800 horas) e 600 horas para disciplinas que
os estudantes podem escolher a fim de aprofundar estudos em áreas específicas.
Nos casos em que o ensino médio for feito em curso técnico, a formação básica
poderá ser menor. O relator do projeto e um dos principais artífices da reforma
de 2017, deputado Mendonça Filho (União-PE), manteve a obrigatoriedade aos
Estados de ter, em cada um dos seus municípios, pelo menos uma escola da rede
pública com oferta de ensino médio regular no período noturno, quando houver
demanda. E descartou a inclusão do espanhol como língua obrigatória.
Está longe de ser trivial uma reforma
educacional que combine celeridade, qualidade técnica e conciliação política,
com o devido consenso sobre a natureza da reforma, concebida para modernizar a
etapa e torná-la mais atrativa. Para alguns pode parecer contraditório
referir-se à celeridade para uma reforma aprovada sete anos depois de iniciada.
Neste caso, porém, o elogio se justifica. Afinal, os estudantes do ensino médio
pagaram o preço pelos efeitos da pandemia de covid-19 e porque o MEC do
ex-presidente Jair Bolsonaro tinha outras prioridades. Com isso, os planos de
implementação da reforma de 2017 não foram revistos, e o Brasil assistiu ao
atraso e a uma infinidade de problemas de estrutura nas escolas, de falta de
capacitação de professores e implementação apressada e questionável das
mudanças curriculares.
Se havia falhas no desenho, houve mais falhas
ainda na implementação – razões pelas quais o MEC de Camilo Santana iniciou um
processo de alteração. A correção de rumos, esta sim, se deu de maneira
razoavelmente rápida e eficaz. Também cumpriu todos os trâmites de escuta,
diálogo e negociação, o que neutraliza a grita de grupos radicais, que já se
apressaram a anunciar novamente que trabalharão por um novo projeto. Um
evidente delírio, que só causará prejuízos aos estudantes que dizem defender.
É o momento de olhar para o futuro imediato,
pois, apesar do avanço até aqui, há muito a fazer após a sanção presidencial.
Não é demais lembrar que a reforma de 2017 foi obliterada em grande parte pelos
equívocos de implementação. Tal erro não pode se repetir. Vencida a batalha da
negociação técnica e política no Congresso, ainda serão necessários ajustes
operacionais e regulamentações estaduais, o que requer tempo e cuidado.
Especialistas e gestores estão confiantes de
que é possível iniciar as mudanças em 2025, beneficiando quase 8 milhões de
alunos, deixando outras para 2026. Disso depende converter uma reforma profunda
em realidade efetivamente capaz de mudar o modorrento modelo que hoje afugenta
muitos jovens do ensino médio.
Gastança com bancos públicos
O Estado de S. Paulo
Desenvolvimentismo lulopetista estimula
empréstimos a municípios e, de novo, ignora riscos
A volta da política econômica
desenvolvimentista ameaça, além das contas da União, os caixas dos municípios
Brasil afora. Com o ímpeto do presidente Lula da Silva de promover o
crescimento econômico com o estímulo do Estado, bancos públicos seguem sua cartilha
e abrem os cofres para financiar projetos de infraestrutura de prefeituras. Em
outras palavras, vêm aí mais gastança e endividamento.
Os municípios, hoje, podem arcar com seus
investimentos por meio de recursos próprios e transferências constitucionais,
transferências de capital dos demais níveis de governo e por meio de operações
de crédito. Após receber repasses federais durante a pandemia na gestão Jair
Bolsonaro e apresentar saldo positivo de R$ 45,7 bilhões em agosto de 2022, as
prefeituras atualmente registram rombo de quase R$ 15 bilhões. A bonança, que
garantiu, por exemplo, aumento para o funcionalismo, chegou ao fim rapidamente.
Com o orçamento cada vez mais espremido por
despesas obrigatórias, os empréstimos viram a alternativa para bancar obras.
Sem recursos, pululam manobras para driblar a responsabilidade fiscal. E é aqui
que entram os bancos públicos, bem ao gosto do lulopetismo – ao menos, é o que
se viu no primeiro ano do atual governo.
Em 2023, os financiamentos dos bancos
públicos e das agências de fomento a municípios bateram recorde e somaram R$
16,1 bilhões, como mostrou o Estadão. O montante representa alta de 42,4%
em relação a 2022, quando chegaram a R$ 11,3 bilhões. A locomotiva – que pode
ficar desgovernada – é a Caixa Econômica Federal, que firmou, no ano passado,
contratos no valor total de R$ 10,6 bilhões, ou 66% do total.
Os dados são da Associação Brasileira de
Desenvolvimento (ABDE). O petista Celso Pansera, presidente da entidade e da
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), disse que o crescimento dos
empréstimos é decorrência de “uma estratégia do governo Lula de voltar a atuar
mais claramente estimulando a economia”.
Segundo Pansera, “sempre existe” o risco de
inadimplência, mas, para ele, os municípios estão com capacidade de se
endividar. A ABDE não soube precisar o porcentual de empréstimos com aval da
União e lembrou que há outros tipos de garantia, como a transferência de ICMS,
pelos Estados, e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), abastecido pela
União.
Apesar do otimismo lulopetista, os
empréstimos pedem, no mínimo, cautela. Como lembrou de forma oportuna a
diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, após o governo
de Dilma Rousseff passar a dar aval a Estados e municípios, em 2011 e 2012,
houve “aumento brutal” nas operações de crédito sob a justificativa de que não
havia inadimplência. Com a crise econômica, logo depois, vieram calotes.
A história recente mostra que uma bomba-relógio pode estar sendo armada, com o apoio daqueles que perseveram em erros. O risco e a fatura ficarão para os próximos prefeitos que sairão das urnas e, claro, para a sociedade.
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