O Globo
Amanhã completam-se 50 anos do
restabelecimento de relações diplomáticas com a China. Em meio século, ela foi
de anátema à condição de maior parceiro comercial do Brasil. Se as negociações
avançarem, o presidente Xi Jinping descerá
em Brasília ainda
neste ano. (Ele já esteve em Pindorama, em 1996, aos 43 anos, no Ceará.)
Lula restabeleceu
as relações cordiais com a China, açoitadas durante o governo de Jair
Bolsonaro. Ele acusava a China de ter criado o vírus da Covid-19 e
dizia que seu embaixador estava no Brasil para derrubá-lo. Chegou a pedir sua
remoção, sem sucesso.
Pelo mundo afora, entender o Império do Meio exige algum esforço. A primeira lei racista e xenófoba dos Estados Unidos mirou nos imigrantes chineses que haviam construído a ferrovia transcontinental, no século XIX. Por cá, a imigração chinesa foi condenada por escravocratas como o Visconde de Sinimbu e por abolicionistas como André Rebouças.
Enquanto a China viveu o que hoje chama de
“século de humilhações”, o Brasil praticamente ignorou-a. Em 1944, a poderosa
mulher do general Chiang Kai-shek, o rival de Mao Tsé-Tung, passou uns dias na
Ilha de Brocoió, no Rio. Cuidava da saúde, mas foi-se embora queixando-se da
umidade.
Desde 1949, quando Mao entrou em Pequim, até
1974, o Brasil só reconhecia como China a Ilha de Taiwan, para onde Chiang,
batido, havia recuado. (Nos anos 1960, o Partido Comunista do Brasil mandou 41
militantes para treinamento militar na China, 14 foram para a guerrilha do
Araguaia e 12 morreram por lá.)
Esse quadro começou a virar em fevereiro de
1974.
O presidente americano Richard Nixon havia
visitado Pequim em 1972. Deng Xiaoping havia saído do ostracismo, Mao Tsé-Tung
já não enxergava direito e dizia que estava “convidado para tomar um drinque
com o rei dos infernos”.
O presidente eleito Ernesto
Geisel recebeu o embaixador Antônio Francisco Azeredo da
Silveira e ouviu:
— Não ter relações com a China é o maior
irrealismo do mundo.
Geisel estava de acordo e perguntou por que o
Itamaraty não se manifestava.
— Medo, medo dos militares — respondeu
Silveira.
Dias depois, foi além:
— O senhor reconhece a China de graça.
Ilusão democrática de Silveira, que viria a
ser o novo ministro das Relações Exteriores. O general Golbery do Couto e Silva
achava que “isso ainda está um pouco longe”. Consultado, o chefe do
Estado-Maior do Exército, general Sylvio Frota, foi contra. O Serviço Nacional
de Informações grampeou uma delegação que veio a Brasília.
O empresário Giulite Coutinho, que era
estimulado pelo professor Delfim Netto,
levou pela segunda vez uma comitiva a Pequim. Só no dia do embarque souberam
que um dos intérpretes havia sido preso no Brasil em 1964. Ele explicou:
— São águas passadas. Vamos olhar para a
frente.
Geisel se reuniu com os ministros militares e
disse:
— Se vocês querem ser coerentes, então vamos
cortar relações com a Rússia também e vamos nos isolar, vamos virar mesmo uma
colônia dos Estados Unidos.
Geisel e Silveira bateram o martelo.
Frota aceitou a decisão de Geisel, mas, anos
depois, ao ser demitido, acusou o presidente de ser um criptossocialista e,
entre outros exemplos, citou o reconhecimento da China.
2 comentários:
Criptossocialista.
Tá.
"Vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos." - eis o sonho do ex-presidente Jair Bolsonaro, vulgo GENOCIDA, comandante do DESgoverno das TREVAS! 4 anos de pesadelos, mentiras e crimes governamentais!
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