domingo, 10 de novembro de 2024

O impacto da vitória de Trump no Brasil e no mundo - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

Consequências Nova política externa terá significativos impactos para geopolítica e vários temas globais

As eleições nos EUA refletiram o realinhamento político eleitoral na sociedade americana. O Partido Democrata, visto como progressista, apoiado pela classe média alta, com diploma universitário, passou a ser um partido percebido como da elite, desconectado dos reais problemas da população.

O Partido Republicano, por influência de Donald Trump, deixou de apoiar valores conservadores de direita e passou a defender interesses concretos dos menos favorecidos.

Nesse contexto, a influência maior no resultado da eleição não foi a economia, mas os anseios e preocupações sociais da classe média trabalhadora.

Não foi surpresa que os temas econômicos, a imigração e propostas isolacionistas externas tenham sido os temas mais importantes na campanha eleitoral. As dificuldades da classe média, nos últimos anos empobrecida, além do número crescente de imigrantes afetando o mercado de trabalho para o americano médio, explicam, em grande parte, a insatisfação com as políticas do governo Biden, apesar do crescimento da economia e da redução da inflação, que não chegou na ponta, afetando o ânimo do eleitor.

Contrariando a expectativa, a vitória de Trump foi rápida, ampla e sem contestação. Esse resultado terá profundo impacto sobre a sociedade americana, que tenderá a ver agravadas sua divisão e polarização.

GLOBAL. No cenário internacional, a política externa trumpista trará significativas consequências para a geopolítica, para a economia e para alguns temas globais, como mudança do clima, transição energética e avanço da direita.

Na guerra da Ucrânia, não será possível terminar o conflito militar no dia seguinte da sua posse, como prometeu, mas certamente o governo americano vai reduzir ou suspender o financiamento para economia ucraniana e para o esforço militar de Volodmir Zelenski, fortalecendo a política de Vladimir Putin de congelar a ocupação territorial e da Crimeia.

A Europa, dividida sobre essa questão, dificilmente cobrirá os custos do apoio à Ucrânia em substituição aos EUA. Kiev não terá atendido seu pedido de ingresso na Otan.

O apoio irrestrito a Israel na guerra de Gaza e no Líbano, com Trump, poderá aumentar o risco de uma escalada militar com um possível ataque ao Irã.

As tensões entre os EUA e a China deverão aumentar, sobretudo, se a promessa de novas e altas tarifas sobre produtos chineses for cumprida e se crescer a retórica americana contra a ameaça chinesa a Taiwan.

As ações globais para a preservação do meio ambiente e mudança de clima e a transição energética ficarão afetadas pela perda de prioridade no novo governo Trump.

BRASIL. A COP 30 no Brasil poderá ser esvaziada pela ausência do presidente dos EUA. O avanço da direita no mundo ganhará reforço e apoio de Washington. O imprudente pronunciamento do presidente Lula manifestando sua preferência por Kamala Harris para “defender a democracia e evitar o nazismo e o fascismo com outra cara” não vai ajudar na relação entre os chefes de Estado.

As relações entre os dois Estados não deverão ser afetadas, mas algumas promessas de campanha certamente estão causando preocupação ao atual governo: a agenda climática, a questão da Venezuela, os problemas com Elon Musk, associados a retórica de restrições à liberdade de expressão e às relações de Trump com o bolsonarismo.

Eduardo Bolsonaro estava, como amigo de Trump, em Mar a Lago, comemorando a vitória republicana, e não será surpresa se vier a estimular provocações e mesmo restrições ao governo Lula.

Indiretamente, as políticas econômicas e comerciais de Trump, se cumpridas as promessas, poderão impactar o comportamento do dólar, a inflação e a taxa de juros no Brasil, em função do aumento das tarifas de produtos importados e do consequente reflexo na inflação americana, no déficit público e na taxa de juros do Fed.

As decisões sobre a política de Lula em relação ao Brics e ao ingresso na iniciativa chinesa sobre a Nova Rota da Seda serão importantes no relacionamento com os EUA. O Brasil deveria tomar decisões nessas questões de acordo com o interesse nacional e reafirmar uma posição de independência em relação a países ou grupos, sem ideologia ou partidarismo.

 

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