domingo, 10 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula deve ao país programa urgente de controle de gastos

O Globo

Ao procrastinar apresentação de medidas sugeridas por Haddad, ele só contribui para semear mais incerteza

Passada uma semana de debates sobre o pacote de controle de gastos prometido pelo governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua a demonstrar resistência. Não faltam estudos e simulações feitas pelas equipes dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet. Lula já dispõe faz tempo de todas as informações necessárias para tomar decisões. Infelizmente, continua a procrastinar. Promoveu uma romaria de ministros ao Planalto, sabendo que ninguém abriria mão do próprio orçamento. Com isso, só contribui para semear ainda mais incerteza e corroer o que ainda resta da credibilidade de seu governo diante dos agentes econômicos.

Os ministros se esmeram no festival de lamúrias e populismo. Luiz Marinho, do Trabalho, ameaçou pedir demissão, buscou apoio das centrais sindicais e bateu pé contra mudanças sugeridas para seguro-desemprego e abono salarial. Outro a falar em deixar o governo foi Carlos Lupi, da Previdência. Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, negou mudanças no Bolsa Família— que jamais foram cogitadas — e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a deficientes e idosos de baixa renda. Os titulares da Saúde (Nísia Trindade) e da Educação (Camilo Santana) também se encarregaram de deixar claro que resistirão a cortes em suas pastas.

O que anima essa mobilização, além do espaço aberto por Lula, é o equívoco fundamental que amaldiçoa as gestões petistas: a confusão entre melhoria na qualidade do gasto público e malefícios aos pobres e desassistidos. Nenhuma das propostas sobre a mesa defende cortes descabidos na proteção a trabalhadores, nos sistemas de aposentadorias e pensões, em programas sociais ou nos investimentos em Saúde e Educação. A ideia é trazer um mínimo de racionalidade às despesas, para evitar desperdício. É o caso de gastos ineficazes (abono salarial), da duplicidade entre seguro-desemprego e FGTS, dos reajustes acima da inflação para o BPC ou do crescimento descontrolado das despesas obrigatórias (resultado da vinculação constitucional de gastos com Saúde e Educação).

É evidente que será impossível superar todos esses desafios simultaneamente, mas não passa de hipocrisia negar-se a encarar a necessidade de diminuir despesas empunhando a bandeira da defesa dos pobres. Nada pune tanto a população desassistida quanto o descontrole fiscal, que aumenta a incerteza, pressiona a inflação e força o Banco Central a aumentar os juros, inibindo investimentos, a geração de empregos e o crescimento da economia e da renda.

A História mostra que a conta da irresponsabilidade fiscal é sempre paga pelos mais pobres e pelos trabalhadores — lição que já deveria ter sido aprendida. Desde 2010, a produtividade no Brasil cresceu mísero 0,3% ao ano. Somente na década perdida dos anos 1980 o desempenho foi pior. De 2010 a 2023, a renda per capita se expandiu apenas 0,2% anual. É uma tragédia, algo que todos os ministros de Lula deveriam lembrar todo dia ao acordar. Nesse ritmo, o brasileiro só dobrará de padrão de vida daqui a 344 anos. Será que interessa mesmo aos mais pobres manter o desequilíbrio das contas públicas? Lula precisa parar de procrastinar. Ele deve ao país, com urgência, uma resposta à necessidade de controlar gastos.

Ao reiterar a vacinação obrigatória contra Covid, Supremo preserva saúde

O Globo

Corte derrubou lei de Uberlândia que proibia a aplicação de sanções a quem recusasse a vacina

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma lei de Uberlândia (MG) que acabava com a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 para crianças e grupos vulneráveis e proibia a aplicação de sanções a quem não se vacinasse. O caso traz mais uma oportunidade para reafirmar princípios básicos sobre o respeito às liberdades individuais e a proteção à saúde pública.

Ao longo da pandemia, grupos negacionistas reivindicavam o direito a recusar a vacinação com base em dois argumentos falhos. Primeiro: afirmar que as vacinas não eram seguras. Segundo: dizer que a liberdade individual assegurada na Constituição garante a cada um autonomia sobre o próprio corpo, portanto para decidir se quer tomar vacina ou vacinar os próprios filhos.

O primeiro argumento é simplesmente uma mentira. Dezenas de estudos científicos, publicados pelas melhores revistas médicas do mundo, avaliaram os riscos e comprovaram que as vacinas compradas pelo Ministério da Saúde são não apenas seguras, mas eficazes, como demonstram milhões de doses aplicadas até hoje, permitindo que o Brasil retomasse a normalidade após o caos da pandemia. Não há motivo para temê-las, a não ser quando se dá crédito a informações descabidas sobre raríssimos efeitos adversos, que circulam nas redes sociais.

O segundo argumento é mais sofisticado, mas não passa de uma falácia. “Estamos discutindo a tese esdrúxula e absurda de que uma pessoa tem o direito fundamental de transmitir doença às demais”, afirmou em seu voto o ministro Flávio Dino. Não há nenhuma justificativa ética para um indivíduo não se vacinar contra uma doença contagiosa. A liberdade individual, como tão bem descreveu Dino, se encerra no exato momento em que se choca com o direito coletivo à saúde.

Como Dino, todos os demais ministros seguiram o voto do presidente, Luís Roberto Barroso. Ele ressaltou que o STF já referendara a vacinação obrigatória nos termos da lei (para os grupos indicados no calendário do Ministério da Saúde), impedindo apenas a imunização forçada, por meio de medidas invasivas, aflitivas ou coercivas. Para Barroso, a lei de Uberlândia — aprovada em 2022 e suspensa desde o ano passado por liminar — ignorava os parâmetros estabelecidos pelo STF, além de contrariar o consenso médico-científico sobre a importância da vacina para reduzir risco de contágio. “Ao argumento de proteger a liberdade daqueles que decidem não se vacinar, na prática a lei coloca em risco a proteção da saúde coletiva”, disse.

Somente neste ano, a Covid-19 matou mais de 5.400 brasileiros. Desde 2020, centenas de milhares perderam a vida para a doença (o número oficial, 714 mil, é conservador diante do impacto da pandemia). O controle da doença exige vacinação maciça. Do contrário, o vírus continua causando estrago. O que se deveria discutir é como aumentar os índices ainda insuficientes de vacinação, e não como dificultá-la ainda mais.

Risco de inflação com crescimento pífio pela frente

Folha de S. Paulo

Mesmo após ruína produzida por Dilma, petista ainda alimenta ilusão de que pode ampliar gastos sem sofrer consequências

persistente alta da inflação, mesmo diante de juros escorchantes, é sinal claro de que a política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é insustentável e precisa de ajuste urgente.

É inescapável encarar um ajuste do Orçamento federal, esforço que vem sendo publicamente conduzido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até agora sem sucesso devido à resistência de Lula e seu partido, que continuam presos ao populismo e à crença pueril de que o gasto público é o caminho da prosperidade —e da popularidade.

Espanta que a esta altura, em seu terceiro mandato no Planalto, o presidente da República, que viveu sob inflação alta e testemunhou o enorme dano que ela causa sobretudo aos mais pobres, ainda sustente tais ilusões. Nem mesmo a ruína social produzida pela correligionária Dilma Rousseff parece ter deixado lições.

Os repetidos adiamentos do prometido pacote de controle das despesas obrigatórias, sem o qual a regra fiscal criada pelo próprio governo petista não se sustentará, não autorizam otimismo. Enquanto o mandatário não se decide, a realidade vai se impondo e acabará decidindo por ele, não sem danos para o país.

última leitura do IPCA, relativa a outubro, mostra alta da inflação acumulada em 12 meses para 4,76% —acima do intervalo de 1,5 ponto percentual ao redor da meta oficial de 3%. Na trajetória atual, o índice de preços pode fechar o ano acima de 5%.

As tendências econômicas são preocupantes. O dólar em alta eleva os preços de matérias-primas, inclusive alimentos, que subiram 6,65% nos 12 meses até outubro. Também se agrava a carestia de caráter mais persistente, como no setor de serviços, que em certas medições já sobe em taxa entre 5% e 6% ao ano.

Além de choques conjunturais, a pressão maior sobre os preços é umbilicalmente ligada ao excesso de gastos do governo, que impulsiona a demanda além da capacidade produtiva e fragiliza as contas do Tesouro Nacional.

A desconfiança quanto à trajetória da dívida pública desvaloriza o real e eleva os juros. Na quarta-feira (6) o Comitê de Política Monetária subiu a taxa Selic em 0,5 ponto percentual para 11,25% ao ano, e as projeções de mercado apontam para um pico superior a 13% nos próximos meses.

Não tardará para que o arrocho monetário forçado pela imprevidência do governo asfixie empresas e famílias. O pior cenário é novamente o país ser aprisionado na nefasta combinação de inflação e recessão.

A agenda petista até aqui se resumiu a elevar impostos —em alguns casos corretamente, como na cobrança sobre os mais ricos e o fechamento das brechas que levam a abusos de planejamento tributário por empresas.

Não é mais possível persistir apenas nesse rumo. Se Lula não aceitar um programa crível de controle de gastos, vislumbra-se deterioração econômica continuada no restante de sua gestão.

Crise política na Alemanha acentua tensão global

Folha de S. Paulo

Colapso da coalizão que sustenta Olaf Scholz deixa em aberto os rumos para a economia alemã e a segurança europeia

Sustentáculo do governo da Alemanha desde 2021, a coalizão de centro-esquerda não poderia ter implodido em pior momento. A crise política instalada em Berlim nos últimos dias adiciona tensões à economia e geopolítica mundiais, já estressadas pela vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, manejava há semanas a preservação do Semáforo, como a coalizão de sociais-democratas, liberais e verdes é conhecida. Contudo, na quarta-feira (6), suas negociações em torno do Orçamento de 2025 com Christian Lindner, ministro das Finanças e líder do partido liberal FDP, colapsaram e culminaram na demissão do auxiliar.

Scholz lidera agora um precário governo social-democrata, com apoio minoritário no Parlamento. A instabilidade política compromete sua perspectiva de manter-se no poder até janeiro, quando sua gestão, em tese, será submetida a voto de confiança.

Com a saída de Lindner, restou-lhe apenas o apoio dos verdes, insuficiente para enfrentar a oposição majoritária, liderada pela União Democrática Cristã (UDC). Scholz defenderá em desvantagem a peça orçamentária que, por ora, preservou dos cortes as áreas social e ambiental exigidos pelo ex-ministro.

A demissão antecipou para março as eleições gerais, antes marcadas para setembro de 2025. A mudança acentua a preocupação com o desempenho nas urnas da ultradireita, em especial da Alternativa para a Alemanha (AfD).

Pesquisas apontam avanços da UDC e dos extremistas no eleitorado. Prever um futuro governo democrata-cristão, com a AfD em sua base de apoio no Parlamento e presente no gabinete, deixa de ser hipótese remota.

A instabilidade doméstica certamente afetará as mais relevantes agendas de Scholz, se conseguir sobrevida até janeiro. Preservar sua visão fiscal expansionista, como meio de contornar a estagnação econômica, torna-se tão improvável quanto manter seu projeto de investimento em defesa de apoio militar à Ucrânia.

Da mesma forma, a fragilidade do chanceler entorpece a preparação da Alemanha —e por extensão da União Europeia— à agenda protecionista a ser adotada pela Casa Branca sob Trump.

O desmonte da coalizão alemã e o possível fim do governo são preocupantes. Em um mundo despreparado para a caótica agenda de Trump, a Alemanha seria um interlocutor confiável e racional para a discussão dos grandes temas globais. Com a crise política, está em aberto o papel que Berlim desempenhará.

Sob o domínio do crime

O Estado de S. Paulo

Ação do PCC para matar desafeto à luz do dia no Aeroporto de Guarulhos não foi ‘apenas’ um recado a futuros colaboradores da Justiça. Foi um desafio insolente às forças do Estado

Em plena tarde da última sexta-feira, dois homens suspeitos de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) saltaram de um carro no desembarque do Terminal 2 do Aeroporto de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, e abriram fogo contra o empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, que morreu na hora. Ao menos 27 tiros de fuzil foram disparados pelos criminosos contra a vítima, sinal mais que evidente de execução. Outras três pessoas ficaram feridas. Por milagre, sorte ou seja lá o nome que se queira dar, não houve mais mortes sob essa saraivada de balas em um horário de grande movimento no aeroporto.

Quem põe em marcha uma operação tão afrontosa ao Estado como essa demonstra, no mínimo, boa segurança na impunidade. Gritzbach havia firmado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), homologado pela Justiça, pelo qual revelou minúcias de um milionário esquema de lavagem de dinheiro do PCC, do qual participou, além do suposto envolvimento de policiais civis e militares com as ações do bando. Tratava-se, portanto, de um homem marcado para morrer. Consta que o PCC havia estipulado uma recompensa de R$ 3 milhões para quem matasse o “dedo-duro”.

Gravíssimo por si só, esse audacioso crime praticado à luz do dia no maior aeroporto do País, e às vésperas da cúpula do G-20, deixa em aberto uma série de questões capazes de sobressaltar até o mais sossegado dos cidadãos. A primeira delas é elementar: como um colaborador da Justiça desse nível, tendo delatado o que e quem delatou, circulava sem a proteção do Estado? Há notícia de que ao menos quatro policiais militares foram contratados por Gritzbach para servirem como seus seguranças “particulares”. O Estadão apurou que três deles não estavam no aeroporto no momento do crime. A Polícia Civil apreendeu os celulares dos quatro agentes para investigação.

Também há que esclarecer como a informação de que Gritzbach desembarcaria naquele dia e horário em Guarulhos chegou aos seus assassinos. A vítima já havia sofrido tentativas de homicídio antes em razão da colaboração premiada e pela suspeita de ter sido o mandante da execução de Anselmo Bechelli Santa Fausta, vulgo “Cara Preta”, um dos líderes do PCC, e do segurança deste, Antônio Corona Neto, o “Sem Sangue”. Que o PCC dispõe de meios para monitorar os passos daqueles contra os quais deseja se vingar, não há a menor dúvida. Mas não se pode descartar que a informação sobre o paradeiro de Gritzbach, sobretudo tendo em vista a vultosa recompensa oferecida por sua morte, tenha partido de agentes públicos que tinham ciência dos termos do acordo de colaboração e/ou detalhes da rotina do empresário.

Espera-se que essas, entre outras questões, sejam esclarecidas após uma minuciosa e diligente investigação. Mas é perfeitamente possível dizer que o Estado já falhou ao não evitar que um crime como esse tenha acontecido onde e como aconteceu. Surgido como um bando miúdo no interior de um presídio em Taubaté (SP), no Vale do Paraíba, o PCC só adquiriu tanto poder bélico e financeiro ao longo dos últimos 30 anos porque pôde contar com a leniência das autoridades policiais e judiciárias, no cenário mais benevolente, ou com seu compadrio remunerado, no pior.

Esse terrível crime praticado à luz do dia não foi “apenas”, por assim dizer, um crime contra um colaborador da Justiça. Foi um recado a todos os que ousarem desafiar o poder do PCC em futuros acordos de colaboração e, principalmente, um insolente desafio ao Estado. A um só tempo, a ação, tão audaciosa quanto cinematográfica, desmoralizou a ordem pública e as forças de segurança. O governo de São Paulo tem o dever de combater essa banalização da violência e da vingança pelas próprias mãos de criminosos do PCC, cada vez mais seguros de si. O descaso diante desse crime não só ameaça a segurança da população, de outras testemunhas e colaboradores, como fragiliza o tecido social, minando a confiança dos cidadãos na capacidade do Estado, como detentor do monopólio da violência, de garantir sua proteção.

Inflação mais alta e mais disseminada

O Estado de S. Paulo

IPCA supera teto da meta no acumulado em 12 meses em outubro e espalhamento da alta de preços traz alerta. Cabe ao governo fazer sua parte e entregar o prometido pacote fiscal

A apuração do IPCA de outubro, além de confirmar a tendência de estouro da meta inflacionária neste ano, mostrou que a escalada de preços está ocorrendo de forma mais intensa e disseminada do que o previsto. O alerta embutido na piora do comportamento dos preços é de que o ritmo de alta dos juros tende também a acelerar – como, aliás, ocorreu na recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). Se o governo não apresentar de imediato medidas capazes de contrabalançar expectativas, deverá se defrontar com uma política monetária ainda mais restritiva.

O mercado esperava avanço de 0,54% no IPCA de outubro, de acordo com a mediana das projeções coletadas pelo Broadcast, serviço de informações financeiras do Estadão. A alta de 0,56% no mês, como divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), levou a taxa a acumular 4,76% em 12 meses, 1,76 ponto porcentual (p.p.) acima do centro da meta de 3% fixada para este ano e 0,26 p.p. além do limite máximo tolerado, um cenário difícil de ser revertido nas poucas semanas que faltam para o fechamento do ano.

Foi o segundo estouro de 2024 no acumulado em 12 meses. O primeiro foi em janeiro, com 4,51%, mas houve em seguida uma série de quedas até maio, quando a taxa acumulada voltou a subir. Em nenhum mês do ano o acumulado do IPCA se manteve no centro da meta. É certo que muitos fatores que contribuem para o desempenho da inflação independem de motivos internos, como a geopolítica mundial, os efeitos climáticos e a oscilação de preços das commodities. Mas fatores domésticos têm peso significativo, e a disposição do governo em buscar e manter o equilíbrio das contas públicas talvez seja o mais importante deles.

Dito isso, o governo Lula da Silva está devendo ao País o convencimento de seu compromisso com o orçamento fiscal. Mas o adiamento injustificável do pacote de cortes de gastos diz justamente o contrário, assim como alguns sinais despropositados emitidos pelo governo. Chamou a atenção, por exemplo, notícia atribuída ao Ministério das Minas e Energia (MME) dois dias antes da divulgação do IPCA dando como certo que, em dezembro, a bandeira tarifária de energia elétrica será verde.

Talvez por coincidência o aumento no serviço de energia elétrica foi isoladamente o que mais pesou no IPCA. A alta foi de 4,74% em outubro, mês em que vigorou a bandeira vermelha patamar 2, o mais alto. Os sinais emitidos pelo MME davam conta que em dezembro o período de chuvas tornará desnecessária qualquer cobrança adicional. Todos os consumidores esperam que seja assim, de fato, mas isso não é tão óbvio. Desde que o sistema de bandeiras tarifárias foi iniciado, em 2015, por quatro vezes em dezembro ela permaneceu verde, sem cobrança; em outras quatro o adicional foi mais alto (vermelhas 1 e 2 e escassez hídrica), e uma vez, em 2019, a bandeira foi amarela em dezembro.

Diante de um cenário climático caótico, é difícil prever o que ocorrerá no fim deste ano. Ademais, a definição da bandeira tarifária cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com a análise de parâmetros hídricos específicos, e não ao MME, que vem travando uma briga de foice com o órgão regulador. A retirada do adicional em dezembro, se ocorrer, por certo trará alívio inflacionário, mas não pode vir à custa da segurança energética.

Intervenções desnecessárias como esta são constantes e aumentam a percepção de que no governo Lula há uma crença generalizada de que qualquer condição pode ser criada artificialmente para se chegar ao objetivo desejado. Se o governo quer aumentar o crédito e o consumo, que o Banco Central baixe os juros; se quer elevar gastos, que se retirem alguns itens do limite de despesas; se quer mais investimentos em serviços públicos, que se obrigue empresas privadas a fazê-los.

O comportamento dos preços está deixando claro que não é assim que a banda toca. Há um espalhamento inflacionário maior e as altas já alcançam 62% dos produtos pesquisados. Se não mudar rápido de rota e entregar o prometido pacote fiscal, o governo vai colher taxas de juros ainda mais elevadas.

Bruno, Dom e a COP-30

O Estado de S. Paulo

Combate ao crime transnacional deveria ser uma das principais agendas do Brasil em Belém

Passados mais de dois anos, a Polícia Federal (PF) concluiu e enviou ao Ministério Público Federal inquérito sobre o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Entre os nove indiciados está o suposto mandante do duplo homicídio, suspeito de ligação com o narcotráfico. O inquérito é um passo importante para o completo esclarecimento e punição dos responsáveis por este crime, que, segundo a PF, ocorreu por “motivo fútil”.

Fato é que o crime organizado está sabidamente entranhado na Amazônia, logo, para além da elucidação desses assassinatos que chocaram o Brasil e o mundo, bem faria o governo brasileiro se fizesse da COP-30, que ocorrerá em Belém, em 2025, um fórum para discussão do combate efetivo ao crime transnacional, que se aproveita das múltiplas fragilidades da região para abastecer de drogas e de outras mercadorias os mercados americano e europeu.

Extremamente organizadas, as redes transnacionais de crime apostam na diversificação de seus negócios, explorando o garimpo, a extração de madeira, a caça e a pesca ilegais na Amazônia. Esta última atividade seria o “ofício”, por assim dizer, de Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, o suposto mandante dos assassinatos de Bruno e Dom. O indigenista teria morrido por ter fotografado um barco de pesca ilegal, enquanto o jornalista perdeu a vida para “assegurar a impunidade de tal crime”.

Impunidade é tudo que não interessa ao Brasil e à Amazônia em particular, mas, para que ela não prevaleça, é preciso derrotar as organizações criminosas que, em uma região carente e gigantesca, acabam sendo uma opção de sobrevivência de muitos moradores, para os quais a própria preservação, e não a do meio ambiente, é compreensivelmente a prioridade.

É provável que ao propor Belém como sede da conferência do clima da ONU, o presidente Lula tenha vislumbrado imagens de autoridades estrangeiras à frente de árvores majestosas correndo o mundo, a exemplo do que ocorreu recentemente por ocasião da visita do presidente francês, Emmanuel Macron, ao Brasil.

Mas se a beleza cênica da região é incontestável, a crueza da vida real por lá também o é, como atestam os assassinatos de Bruno e Dom. Os dois encontraram a morte em Atalaia do Norte, município amazônico que fica na região fronteiriça entre Brasil, Colômbia e Peru e que tem baixíssima renda per capita e um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País.

Atalaia do Norte e sua população empobrecida e vulnerável a criminosos são, infelizmente, tão representantes da Amazônia quanto a diversidade biológica da região. A sobrevivência de uma está intrinsecamente ligada à de outra. Neste momento em que aparentemente o governo brasileiro ainda debate os preparativos para a COP-30, que já está aí, é fundamental pensar em estratégias que envolvam os mercados consumidores de drogas e produtos amazônicos, não só para evitar novas mortes como as de Bruno e de Dom, mas, sobretudo, para que a população local tenha uma alternativa real de desenvolvimento.

indefinição piora cenário econômico

Correio Braziliense

É crescente a percepção de que a inflação está resistente e de que a economia entrará em uma nova ciranda de juros altos

O governo Lula precisa enfrentar com seriedade a conjuntura desfavorável que se apresenta na economia. Inflação acima do teto, dólar alto, incertezas sobre o pacote fiscal e o efeito Donald Trump tornam o cenário cada vez mais complicado. 

Na última semana, o Comitê de Política Monetária fez parte do trabalho. Aumentou a taxa básica de juros em meio ponto percentual, elevando-a para 11,25%. Como sempre acontece, há uma expectativa em relação à ata da reunião realizada pelo colegiado, a ser divulgada nesta terça-feira. É praxe entre analistas financeiros buscar alguns sinais emitidos pela autoridade monetária para obter o melhor posicionamento ante o momento econômico. Independentemente da mensagem contida na ata, contudo, o Banco Central já deixou claro que não descarta novas altas na Selic, a depender das circunstâncias.

A mensagem que todos querem ouvir, contudo, não está no Banco Central, mas no Palácio do Planalto. Do ponto de vista econômico, a semana do governo Lula foi muito ruim. Começou no fim de semana passado, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi surpreendido com o pedido do chefe para cancelar viagem programada para a Europa. Motivo: na sexta-feira, o dólar havia chegado a R$ 5,87, a maior cotação desde 2020, em razão das incertezas quanto à política fiscal do governo. 

Seguiram-se outros indicadores preocupantes. Na madrugada de quarta-feira, Donald Trump se consagrou presidente eleito dos Estados Unidos, indicando uma temporada de valorização cambial do dólar e medidas protecionistas. No mesmo dia, o Copom, como já mencionado, reajustou a taxa Selic. Na sexta-feira, mais um gosto amargo no cardápio econômico: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para se medir a inflação oficial, ultrapassou o teto da meta para 2024, chegando a 4,76% nos últimos 12 meses. Contribuíram para esse dado a alta na energia elétrica residencial (4,74%) e o preço das carnes (5,8%).    

Em meio ao cenário desfavorável, o governo passou a semana reunido para definir a sinalização econômica mais importante desde a aprovação do arcabouço fiscal: o pacote de corte de gastos. Exaurida a fórmula de aumento de receitas, chegou a inevitável hora de reduzir as despesas. Mas o que se viu, paralelamente às reuniões fechadas no Planalto e antes mesmo do anúncio oficial, foram ministros defendendo em praça pública as políticas de suas respectivas pastas. Está evidente o mal-estar no governo Lula. E quanto maior a demora, maior o desgaste político.   

Tanto do ponto de vista econômico quanto político, o Planalto precisa agir rápido e com firmeza. É crescente a percepção de que a inflação está resistente e de que a economia entrará em uma nova ciranda de juros altos. E o governo hesita em fazer aquilo que se espera de qualquer governo: disciplina nas contas públicas. É recomendável à administração petista se apressar se não quiser ter, em 2026, o mesmo destino dos democratas na eleição norte-americana.

 

 

 


 


 


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