segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É tarefa urgente do Congresso limitar os supersalários

O Globo

Em vez de diminuir, avanço da elite do funcionalismo sobre dinheiro público tem crescido, constata novo estudo

A parcela de juízes e procuradores que receberam vencimentos superiores ao teto constitucional em pelo menos um mês do ano aumentou de 83% em 2018 para 92% neste ano, de acordo com o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2024. Os dados do levantamento mostram que o avanço da elite do funcionalismo sobre o dinheiro público, em vez de diminuir, tem crescido. Por isso exige resposta imediata do Congresso. É preciso fazer valer o limite constitucional de R$ 44.008,52, salário dos ministros do Supremo. Supersalários já seriam injustos se sobrasse dinheiro no Orçamento. Com o Brasil enfrentando grave crise fiscal, são um disparate.

Os beneficiados por regalias que inflam sua remuneração são uma minoria: 0,06% do funcionalismo, em especial juízes, procuradores e militares. Mas custam caro. Magistrados da ativa e aposentados receberam R$ 32,8 bilhões de reais acima do teto de 2019 a 2023, entre indenizações e direitos eventuais. Olhar para fora do país dá a dimensão da incongruência. Os gastos anuais com tribunais de Justiça representam 1,6% do PIB brasileiro, ante média de 0,5% para os países emergentes e de 0,3% para as economias avançadas. Como o custo principal da atividade jurídica está no pessoal, não é difícil descobrir a causa do desperdício.

A Constituição prevê que fiquem fora do teto os gastos classificados como “verbas indenizatórias”. Mas não define nem delimita essa categoria. É algo que já deveria ter sido feito por lei, mas até hoje não foi. Com o vácuo, abriu-se a brecha para todo tipo de decisão com o intuito implícito de burlar o espírito da Carta. Proliferam auxílios variados: paletó, moradia, alimentação, até pré-escola. Quando contestados, costumam ser chancelados pela própria Justiça, em claro exemplo de corporativismo da magistratura interessada em manter as próprias benesses.

Em 2016, foi criada no Senado a Comissão Especial do Extrateto, com o objetivo de trazer contribuições para resolver o problema. Apresentado em 2021, o Projeto de Lei 2.721, o PL dos Supersalários, se tornou uma resposta insatisfatória. Foi desidratado na Câmara a ponto de incluir 32 exceções que permitiriam a manutenção da maioria dos absurdos usados para inflar a remuneração: conversão em dinheiro de férias não gozadas de juízes e procuradores, adicionais noturnos de funcionários do Congresso, verbas de representação de diplomatas, isenções e compensações de militares.

O texto permanece à deriva no Congresso. Os parlamentares deveriam dar a devida atenção ao tema. O ideal seria uma Proposta de Emenda à Constituição que colocasse tanto verbas indenizatórias como remuneratórias sob o teto. Se não houver consenso, o texto do PL deveria ser modificado para acabar com as exceções, limitar drasticamente o total das verbas indenizatórias e instaurar controles que evitem burla.

A remuneração do funcionalismo brasileiro é repleta de distorções: salários distintos para atividades similares, falta de conexão entre o salário e a função, descolamento do desempenho e uma barafunda de carreiras que ninguém é capaz de entender. Tudo isso colabora para tornar a gestão de recursos humanos confusa e a produtividade baixa. De todas as distorções, a mais imoral são os supersalários. Em tempos de debate sobre medidas contra o desperdício nos gastos, é urgente impor o teto aos salários do setor público. O Congresso não pode se esquivar.

Conservação e recuperação dos manguezais têm papel crucial no clima

O Globo

Brasil tem planos e recursos para restaurar ecossistemas degradados. É preciso pô-los em marcha

Com quase 7,5 mil quilômetros de costa, o Brasil é o segundo país com mais manguezais no mundo, atrás apenas da Indonésia. Mas esses ecossistemas, formados por áreas alagáveis cobertas de árvores, com raízes expostas que sobrevivem ao vaivém da maré, têm se degradado nas últimas décadas, e não há restauração a contento. Um dos principais motivos para cuidar dos mangues é o papel essencial que eles podem desempenhar na absorção de gás carbônico da atmosfera, crítica para deter as mudanças climáticas. Um manguezal restaurado pode reabsorver até três quartos do carbono lançado no ar quando destruído, concluiu novo estudo do Serviço Florestal dos Estados Unidos.

No Brasil, mais de 80% dos manguezais estão em unidades de conservação. Mesmo aqueles em propriedades privadas são considerados áreas de preservação permanente. Mas isso não tem impedido que sofram com poluição, urbanização, expansão de portos e empreendimentos imobiliários. Desde junho, o país conta com o Programa Nacional para a Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais (ProManguezal). A criação do programa e a demanda por recursos para preservação e recuperação vêm em boa hora. Mas é preciso colocá-las em prática.

É verdade que a ocupação de mangues pela urbanização estancou nas últimas décadas. A Baía de Guanabara é um exemplo positivo: perdeu metade dos manguezais que tinha, mas a criação de zonas de proteção nos anos 1980 conteve a destruição. Desde então, houve pequena recuperação. Nem todo manguezal pode, porém, ser recuperado. Entre áreas possíveis de restaurar estão, diz o oceanógrafo Mario Luiz Soares, chefe do Núcleo de Estudos da Uerj, as transformadas em tanques para criar camarão ou produzir sal.

Ainda há muito poucas áreas de mangue em restauração no Brasil, diz Richard Mackenzie, cientista do Serviço Florestal dos Estados Unidos responsável pelo estudo que avaliou 600 iniciativas no mundo todo para recuperá-los. “O replantio de 6.665 km² de manguezais altamente recuperáveis tem o potencial de armazenar cerca de 46 milhões de toneladas de carbono sozinho em 20 anos”, diz ele. É o equivalente às emissões de combustíveis fósseis de quase todos os veículos motorizados do Reino Unido durante um ano. Além de capturar o carbono, diz Mackenzie, os manguezais servem para amortecer as ondas nas ressacas, responsáveis por erosões que ameaçam comunidades no litoral.

Antes mesmo do lançamento do ProManguezal, o BNDES liberou no ano passado R$ 47 milhões para oito projetos de restauração, abrangendo 1.750 hectares de mangues e restingas em diversos pontos da costa. O Programa de Gestão Integrada de Manguezais da Fundação Florestal de São Paulo conduz o inventário de carbono de manguezais no litoral paulista, para fazer um diagnóstico de suas fragilidades e melhorar sua conservação. São conhecidas as áreas a preservar e restaurar, e há dinheiro à disposição. A questão agora se resume a pôr os projetos em marcha. Não há tempo a perder.

Remendos serão insuficientes para dar solidez ao regime fiscal

Valor Econômico

Governo criou despesas que são impossíveis de cobrir com aumento de arrecadação

O governo está seguro de que atingirá o piso da meta fiscal de R$ 28,8 bilhões, ao bloquear na sexta-feira mais R$ 6 bilhões do orçamento, elevando a contenção de gastos a R$ 19,3 bilhões. Mas, ainda que consiga, ele criou mecanismos para elevação de despesas que são impossíveis de ser pagas ao longo do tempo com aumentos de arrecadação. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, a conta subirá em dez anos a algo entre R$ 2,3 trilhões e R$ 3 trilhões. O pacote fiscal, que vem sendo postergado semana após semana, traz a promessa de um ajuste estrutural para tornar o regime fiscal sustentável. O presidente Lula realizou uma assembleia quase permanente de ministros para discutir os ajustes e o adiamento sucessivo das medidas indica que elas não terão grau de urgência e profundidade que a situação fiscal requer.

O novo regime fiscal reindexou à evolução da receita os pisos dos gastos com saúde e educação, o que, se persistir, terá um impacto médio de R$ 459 bilhões em dez anos nas contas públicas. É sabido que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pretende mudar essa vinculação e indexá-la à regra de aumento das despesas, com variação real de 0,6% a 2,5% ao ano. A mudança não significaria corte de gastos, mas redução em sua velocidade de crescimento, pois a receita primária da União cresceu 7,6% acima da inflação e vem batendo recordes. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, um crítico conhecido da medida, disse que não haverá cortes nesses gastos, o que pode indicar que os pisos continuarão como estão, como defende.

O maior crescimento dos gastos está vindo também da indexação do salário mínimo à inflação mais o avanço do PIB de dois anos antes. Estimativas da IFI mostram que isso acarretará aumento médio de R$ 1,2 trilhão nas despesas. Durante meses, a posição do presidente Lula e do PT foi a de que esse sistema de reajuste é inegociável. A equipe econômica pretende pelo menos limitar essa evolução, também pela regra do teto de despesas, com um máximo de 2,5% acima da inflação. Se nada mudar, o salário mínimo terá crescimento real já contratado de 3% em 2025 e 2026, de forma que a redução do ritmo de reajuste não seria muito drástica, tornando palatável uma decisão política difícil para o presidente. Esta questão, como a dos pisos de saúde e educação, só será respondida quando o pacote de ajuste vier à tona.

Mas há elevação de gastos que se tornaram difíceis de reverter. A PEC de Transição elevou o déficit primário de 0,6% para 2,4% do PIB no primeiro ano do governo Lula e nada foi indicado como contrapartida a essa majoração de gastos, como deveria ter sido feito.

Uma parte dos recursos da PEC foram para elevar o pagamento mensal do Bolsa Família para R$ 600 quando, com o fim da pandemia, ele deveria retornar aos R$ 400. Hoje, com outros itens acrescidos, o pagamento médio está em torno de R$ 670. O ajuste para R$ 600 trouxe alta real de gastos de R$ 598 bilhões em uma década.

Outra grande despesa contratada é decorrência dos compromissos que o governo assumiu para poder aprovar a reforma tributária, com provisões ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais - ressarcindo benefícios concedidos irresponsavelmente pelos Estados durante a guerra fiscal. Os enormes benefícios da reforma trarão ganhos maiores, mas o fato é que o impacto entre 2029 e 2034 do aporte aos fundos será de R$ 339,6 bilhões, sem que se saiba de onde virão os recursos para isso.

Com malabarismos, o primeiro ano de vigência do regime fiscal deve terminar com o piso da meta cumprido - um rebaixamento planejado de expectativas, para não ter de passar por um arrocho de despesas em pleno ano eleitoral de 2026. O comportamento das receitas tem sido excepcional, com recorde de arrecadação em todos os meses do ano - houve alta real em outubro de 9,77% em relação ao mesmo mês de 2023. De janeiro a outubro, as receitas atingiram R$ 2,182 trilhão, 9,69% reais.

O empoçamento dos gastos - despesas autorizadas e não realizadas - seguirá a média recente, em torno de R$ 21 bilhões por ano. Recursos para a reconstrução do Rio Grande do Sul após enchentes e combate a incêndios, de R$ 44 bilhões ficarão fora do teto e não pesarão no resultado. O IFI chama a atenção para a suspensão do pagamento das emendas determinado pelo Supremo Tribunal Federal, que pode ajudar o governo a fechar as contas neste ano, mas piorar a do próximo. Dos R$ 45,3 bilhões previstos foram pagos até outubro R$ 28,4 bilhões, restando ainda R$ 16,9 bilhões. Se o STF julgar que o projeto que o Congresso aprovou não cumpre as regras do acordo feito, elas não serão repassadas este ano. Como R$ 13,2 bilhões são emendas impositivas (individuais e de bancada), possívelmente serão incluídas nos restos a pagar e quitadas em 2025.

Ao expurgar tanto receitas como despesas que não se repetirão, o IFI chegou a um déficit recorrente de R$ 99,2 bilhões entre janeiro e outubro, mais próximo da realidade das contas públicas. É possível revertê-lo se o ajuste, pelo menos, se concentrar nos itens que estão desequilibrando o regime fiscal. É o mínimo que se espera.

Fiasco da COP29 coloca pressão sobre o Brasil

Folha de S. Paulo

Acordo de US$ 300 bi anuais, muito aquém do US$ 1,3 tri almejado, força país a reabrir negociação na COP30 de Belém, em 2025

O fim dos trabalhos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de Baku, a COP29, demonstra que alcançar um acordo final não exime seus participantes de serem cobrados por um malogro considerável.

Do encontro no Azerbaijão esperava-se primordialmente a definição de um valor coerente para o financiamento climático dos países em desenvolvimento pelas nações mais ricas. É preocupante, pois, o fato de ter havido consenso sobre cifra tão diminuta.

montante anual de US$ 300 bilhões, a ser desembolsado até 2035, foi cravado no texto na madrugada deste domingo (24), em Baku, passado mais de um dia do fim da conferência. Distante do US$ 1,3 trilhão ao ano almejado, seria um valor risível não fossem os recorrentes desastres advindos da mudança climática.

Antecipado por inúmeras cassandras, o acordo pífio refletiu a tensão primária de cada negociação desde a longínqua Rio-92, quando a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi adotada —ou seja, a conta a ser paga pela transição energética e as medidas de adaptação e de mitigação dos efeitos do aquecimento global.

O compromisso das democracias industrializadas —que se desenvolveram à custa de fabulosas emissões de gases do efeito estufa ao longo de dois séculos— de cobrir as despesas de países mais pobres e vulneráveis acabou diluído. O meio ambiente e a corrida contra o tempo passaram ao largo no Azerbaijão.

A condução azeri, que mergulhou os negociadores em questões secundárias, em muito pesou no resultado. Por se tratar de um petroestado autoritário, não foi exatamente uma surpresa, mas a COP29 desnudou outros entraves que certamente desafiarão o Brasil como líder da COP30 de Belém, em novembro de 2025.

A onipresença de Donald Trump, que estará de volta à Casa Branca em janeiro, foi perceptível. Os europeus, ressabiados com a possível nova saída de Washington do Acordo de Paris, recuaram na cifra a ser aportada pelas economias mais ricas, enquanto os americanos desapareciam das discussões.

A desatualizada classificação dos países por seu grau de desenvolvimento econômico imprimiu inconsistência ao xadrez de Baku. A China, maior emissora de gases e segunda potência econômica global, saiu-se ilesa de integrar o grupo doador obrigatório de recursos —com o vexatório apoio do chamado Sul Global.

Tais entraves estarão vivos na COP30, quando espera-se fechar um compromisso mais ambicioso dos quase 200 países sobre a redução das emissões; um objetivo absolutamente crucial para o futuro sustentável do planeta.

Ao aceitar um trato ruim em Baku, por considerá-lo melhor que um desacordo indefinido no tempo, o Brasil ruminará o desafio adicional de reabrir as discussões sobre financiamento climático. Mas, na COP30, um desenlace precário terá peso ainda maior.

Mais déficit público e menos comércio ameaçam o mundo

Folha de S. Paulo

Diretora-geral do FMI aponta à Folha riscos para a economia global, que tendem a ser agravados com Trump nos EUA

Em entrevista à Folha, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, aponta alguns dos principais riscos da economia mundial.

Como resultado da pandemia, que levou a maiores gastos públicos e da redução do ritmo de crescimento, aumentaram os pesos das dívidas governamentais, que oneram e aprisionam sobretudo países de renda mais baixa.

FMI estima que o endividamento público global deve ultrapassar US$ 100 trilhões neste ano e continuar crescendo até 2030, quando deve atingir 100% do Produto Interno Bruto planetário.

O quadro fica agravado ainda por outro legado problemático deixado pela crise sanitária —a maior competição por recursos naturais e a busca por maior internalização de cadeias produtivas com políticas defensivas focadas na segurança nacional.

A eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, embora não citada pela diretora, deve levar ao aumento do protecionismo e possível fragmentação do comércio, que já desacelera há alguns anos.

Ficou para trás a época em que exportações e importações cresciam além do PIB. Isso é um problema porque a ferramenta das trocas é especialmente importante para o desenvolvimento dos países de menor renda.

Nos últimos anos a economia mundial mostrou força, mas o Fundo espera que a taxa de crescimento passe dos 3,8% anuais observados até a pandemia para 3% nos próximos cinco anos.

Menor dinamismo, por causa do insuficiente avanço da produtividade e fatores demográficos, torna mais difícil lidar com o peso do endividamento e pode comprometer políticas públicas de proteção aos mais pobres.

A resposta, segundo a diretora do FMI, é acelerar reformas internas para controlar dívidas e ampliar investimentos, além de maior cooperação internacional. O FMI e os bancos de desenvolvimento multilaterais, caso do Banco Mundial, devem disponibilizar mais recursos com prioridade para investimentos, segurança das cadeias de suprimentos e proteção a eventos climáticos.

Para tanto, a sugestão é a ampliação do uso de mecanismos de financiamento, com mobilização dos direitos especiais de saque (SDR, na sigla em inglês), uma espécie de alocação de reservas proporcional ao capital detido pelos países membros do FMI.

Para o Brasil, há relativo otimismo com o crescimento, projetado em 2,5% ao ano a médio prazo. Mas o FMI considera que a dívida pública é elevada e o país já cobra muitos impostos.

O juiz que marca e cobra o pênalti

O Estado de S. Paulo

Moraes não pode seguir atuando como vítima, delegado, promotor e juiz e deveria declarar-se impedido de relatar o inquérito que apura o plano golpista para manter Bolsonaro no poder

Para o bem do Brasil, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deveria declarar-se impedido de relatar o inquérito que apura a elaboração de um plano golpista após as eleições de 2022. Poderia ir além e tornar-se apenas o primeiro de outros movimentos igualmente benéficos para o bom funcionamento do STF e a legitimidade de suas decisões, como declarar-se impedido também de julgar o caso quando este chegar ao plenário da Corte. No inquérito, a Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente, e outras 35 pessoas.

Embora seja improvável que Moraes ignore tal clamor, seria um gesto de grandeza, com abdicação republicana de sua reconhecida afeição pelo protagonismo político, policial e judicial. Ao fazê-lo, o ministro evitaria deixar brechas desnecessárias que venham, no futuro, permitir a anulação de processos, como ocorreu na malfadada Operação Lava Jato, ou mesmo que se volte a falar na delirante ideia de anistia que sistematicamente ronda o Congresso.

O Inquérito 4.874 adquiriu contornos ainda mais graves depois que a Operação Contragolpe, da PF, revelou um audacioso plano para matar o presidente Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio ministro Moraes. As tramas destrinchadas pela PF, caso sejam comprovadas, indicam que pode ter havido uma tentativa de golpe de Estado urdida por civis e militares inconformados com a democracia. A extensão do furor delitivo, o número de envolvidos, o grau de participação de Bolsonaro e que tipo de punição merece tamanha afronta à democracia e à vontade popular serão objeto de análise dos ministros do STF, sob a liderança do relator. Não há o que questionar até aí. O duvidoso é o quanto a relatoria de Moraes pode tisnar o que precisa ser inquestionável.

Já tem longa vida o incômodo com a mixórdia de poderes adquiridos por Moraes, hoje um onipotente e onisciente condutor de inquéritos sigilosos e onipresentes. Tudo começou em 2019, com o inquérito das fake news, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli, então presidente do STF. No ano seguinte, por sorteio, chegou ao gabinete de Moraes o inquérito dos atos antidemocráticos, que se desdobrou, em 2021, para a investigação sobre milícias digitais. Em 2022, as investigações passaram a abarcar também atos como o bloqueio de rodovias e os pedidos de intervenção militar em acampamentos golpistas. No ano passado, Moraes e sua equipe ganharam nova responsabilidade: as investigações e ações penais dos atos do 8 de Janeiro.

Desde então, inquéritos que deveriam prever prazo para acabar, ser transparentes e ter objeto determinado foram prorrogados livremente, assim como também se avançou em cautelares distorcidas, combate à ganância das Big Techs, investigação da falsificação do cartão de vacinas de Bolsonaro e outros tentáculos. Sob a chancela dos seus pares, Moraes se autoatribuiu o papel de livrar a democracia do extremismo e do discurso de ódio, motivando-se a censuras, bloqueios de contas, multas exorbitantes e prisões preventivas cuja legalidade não pôde ser verificada, porque correm sob sigilo. Em muitos casos, nem um “Auto de Fé”, o ritual de penitência dos tempos sombrios da Inquisição, pôde ser ofertado a hereges alvos de suas penalidades. Naturalizou-se ainda sua multiplicidade de papéis, entre as funções de delegado, promotor e juiz – além de vítima. É essa condição que se deseja evitar com um eventual impedimento de Moraes como relator do inquérito. Não deveria ser o único gesto, mas será um bom começo.

Que não reste dúvida sobre o entendimento deste jornal: o Brasil, ao que parece, quase foi alvo de uma intentona golpista, cujo extremo pode ter sido a montagem de um plano destinado a matar autoridades, Bolsonaro foi, no mínimo, o estimulador-geral do espírito golpista daquele tempo, e seus artífices e executores precisam ser julgados por seus crimes. Nada disso, porém, reduz o dano dos excessos produzidos pelo ministro Moraes nem oblitera a sua condição de alvo, vítima ou objeto da mesma causa que estará relatando, acusando e julgando. Não há virtuose de tal ordem na defesa recente da democracia que justifique tantos poderes.

A prudente aproximação com a China

O Estado de S. Paulo

Brasil evita envolvimento mais profundo com os chineses para manter abertas as portas com o Ocidente. Mas Lula não resiste e louva uma China ‘pacífica’ que só existe na sua cabeça

A rivalidade entre EUA e China desperta apreensões em todo o mundo, de Bruxelas a Nova Délhi, de Riad a Camberra. Em Brasília não é diferente, mas o Brasil está comparativamente bem posicionado. O País tem uma longa tradição diplomática de não alinhamento, um grande mercado interno, um parque industrial razoavelmente diversificado, uma imensa e intensa produção agropecuária, recursos naturais críticos, uma matriz energética limpa e grande potencial para a transição energética.

Além de expandir exportações de commodities para ambos os lados, o Brasil pode seguir importando manufaturados e pactuando projetos de infraestrutura com a China sem ferir suas relações com o bloco ocidental, e pode continuar recebendo capital, importando tecnologias inovadoras e afirmando valores comuns ao Ocidente sem atritos com o regime de Pequim. Em termos de políticas de Estado, os quadros diplomáticos do Itamaraty têm feito a sua parte para manter equidistância e aproveitar oportunidades. Já o desempenho da diplomacia presidencial, seja a do incumbente Lula da Silva, seja a do seu antecessor, Jair Bolsonaro, é mais ambivalente.

Na América do Sul, o cenário é de expansão da China e estagnação dos EUA. As cúpulas da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico e do G-20 foram sintomáticas. No Peru, enquanto o presidente americano, Joe Biden, doava um punhado de helicópteros para combater o narcotráfico, o presidente chinês, Xi Jinping, inaugurava um megaporto. No Brasil, enquanto Biden prometeu em Manaus irrisórios US$ 50 milhões para a Amazônia, Xi, com pompa e circunstância em Brasília, assinou um pacote de 37 acordos nas áreas de agricultura, indústria, investimentos e infraestrutura.

Se conduzidos com apuro técnico e estrita observância aos interesses nacionais, acordos como esses podem trazer grandes benefícios ao Brasil, a começar pela possibilidade, ainda remota, mas promissora, de abrir eixos de infraestrutura ligando a exportação e importação nacional ao Pacífico. Isso não implica um jogo de soma zero. EUA e Europa ainda são de longe os maiores responsáveis por Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil, ante os quais o montante da China não faz nem sombra.

O retorno de Donald Trump à Casa Branca deve conferir a Pequim oportunidades ainda maiores na região. Se suas promessas protecionistas forem cumpridas, terão impactos em todo o mundo. Mas, a rigor, as relações institucionais com o Brasil não precisam ser particularmente afetadas, nem áreas de cooperação no comércio, investimentos ou tecnologia.

Já o presidente Lula, se cumpriu o riscado diplomático ao parabenizar prontamente Trump pela vitória, cometeu a indelicadeza, dias antes, de manifestar apoio a Kamala Harris e insinuou que o retorno de Trump seria “o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra cara”. Nas vésperas do G-20, a primeira-dama Janja da Silva disparou seus infames vitupérios contra Elon Musk, que estará no futuro governo Trump. Guerra cultural numa hora dessas?

Em relação à China, Lula foi pragmático ao não aderir à Nova Rota da Seda. O fatiamento dos projetos pode garantir os bônus em infraestrutura sem o ônus geopolítico. Lula poderia ter parado por aí. Mas sua incontinência ideológica falou mais alto. “Em um mundo assolado por conflitos e tensões geopolíticas”, disse, “China e Brasil colocam a paz, a diplomacia e o diálogo em primeiro lugar.” Não bastasse a opressão doméstica de seu regime totalitário, Pequim tem uma diplomacia truculenta, é esteio de ditaduras disruptivas, como Rússia, Irã ou Venezuela, confronta vizinhos como a Índia, faz manobras belicosas no Mar do Sul e tem o projeto declarado de invadir Taiwan. Equiparar o protagonismo dos dois países na conformação da nova ordem global – além de irreal, dada a assimetria entre uma superpotência global e uma potência média regional – é um desserviço à tradição diplomática nacional, e alinhá-los, ainda que retoricamente, é uma provocação desnecessária aos parceiros ocidentais.

A articulação do equilíbrio entre China e EUA é complexa, mas o princípio é simples: mais pragmatismo, menos ideologia.

Um Brasil que não lê

O Estado de S. Paulo

Pela primeira vez, brasileiros que não costumam ler livros são maioria, segundo pesquisa

Brasileiros que não costumam ler um livro tornaram-se maioria no Brasil, informa a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que traz dados inquietantes sobre o perfil dos leitores no País. A pesquisa ouviu 5.504 pessoas em 208 municípios, entre abril e julho deste ano, e constatou que 53% das pessoas entrevistadas afirmam não ter lido um livro, mesmo incompleto, nos três meses anteriores à pergunta – prazo que, segundo os pesquisadores, permitiria classificá-las de leitoras. É a primeira vez, em seis edições da pesquisa, que o número de não leitores superou o de leitores. Nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu 6,7 milhões de leitores, queda registrada em todas as classes sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade.

Não é novidade o baixo índice de leitura no Brasil, em geral aplacado de maneira circunstancial pelo habitual sucesso de eventos como a Bienal do Livro de São Paulo – a deste ano reuniu 722 mil pessoas no Distrito Anhembi, teve quatro dos dez dias com ingressos esgotados e um balanço geral de vendas acima das expectativas. Mas o retrato da pesquisa demonstra que a histórica pouca valorização do livro e da leitura, seja no ambiente escolar ou no familiar, chega a níveis perturbadores, agravados pelos hábitos relacionados à internet, às redes sociais e às restrições econômicas e sociais. Quase metade dos entrevistados declarou que não leu mais por falta de tempo – a atenção ao livro é uma dramática disputa contra a internet, o WhatsApp ou Telegram, as redes sociais e a televisão.

E um contexto igualmente grave: uma escola pública que, em muitos casos, tem dificuldade de criar ambiente propício à leitura. Basta ver a redução do número de pessoas que apontam a sala de aula como lugar de leitura. Em 2007, 25% citavam o espaço escolar, índice que caiu para 19% neste ano, efeito direto de uma realidade em que mais da metade das escolas de ensino básico no Brasil não tem uma biblioteca. Não existe mágica: a escola é decididamente o principal espaço para desenvolver o gosto pela leitura, como mostram algumas correlações diretas entre qualidade da rede de ensino e o ranking de leitores. Incluem-se aí Estados como Santa Catarina, Paraná, Goiás, Espírito Santo e Ceará, citados por recentes pesquisas pelos avanços no aprendizado. Mas convém cautela na análise mesmo nas regiões com indicadores positivos, como os leitores do Sul, pois os altos índices sulistas concentram pessoas mais velhas que, em sua maioria, são leitoras da Bíblia e outros livros religiosos.

O fato é que o Brasil ainda deve mais atenção aos projetos de formação de leitores, de bibliotecas comunitárias e, claro, de reforço da infraestrutura nas escolas públicas. Muitos desses projetos padecem de descontinuidade, carência de recursos e atratividade para jovens leitores. Mas é possível, sim, construir projetos e ferramentas que mostrem ao País que livros podem ser ótimos brinquedos para crianças e imprescindíveis ferramentas para o crescimento profissional e humano de jovens e adultos. Não custa lembrar, como escreveu o poeta Mário Quintana, que os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não leem.

COP30 e a liderança do Brasil

Correio Braziliense

Em novembro de 2025, a COP30 concentrará, em Belém, no Pará, as discussões sobre as questões envolvendo os desafios que as mudanças climáticas colocam para os governos

Detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil sediará, pela primeira vez, uma edição da Conferência do Clima das Nações Unidas. Em novembro de 2025, a COP30 concentrará, em Belém, no Pará, as discussões sobre as questões envolvendo os desafios que as mudanças climáticas colocam para os governos, além de outros temas, como a transição energética. Depois da frustração com a COP29, encerrada sábado no Azerbaijão, a responsabilidade das autoridades brasileiras na condução do próximo encontro ganha mais peso.

Em Baku, as conversas não conseguiram atingir o esperado consenso sobre o financiamento para as necessárias medidas de prevenção e de socorro diante de eventos extremos. A meta anual na casa do trilhão de dólares, valor pedido pelos países em desenvolvimento aos mais ricos para possibilitar as ações globais, ficou muito distante. O acordo, firmado em US$ 300 bilhões por ano, foi considerado irrisório por especialistas. Com isso, a presidência do Brasil precisará apresentar uma atuação diplomática bastante eficiente para tentar reajustar o fracasso do documento assinado no fim de semana.

Ciente da importância da futura plenária, a ministra Marina Silva recebeu o bastão e destacou: "É com grande senso de responsabilidade e cientes do enorme desafio coletivo que nos está sendo entregue, que o Brasil recebe do Azerbaijão a presidência designada da Conferência das Partes. Sabemos como chegamos até aqui e sabemos dos desafios que estão postos aqui para cada um de nós".

A busca por solução das urgentes demandas, que tendem a aumentar em consequência do resultado ruim da COP29, exige um esforço imediato — e constante — de negociações para que os trabalhos em Belém entreguem o que se espera. Como anfitrião, o Brasil precisa dar a largada nesse processo e desde já assumir o protagonismo nos debates. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem a ambição de que a edição no Norte do país seja um marco para o meio ambiente global, mas, para tanto, deve começar a alinhar a colaboração entre as lideranças.

A jornada de 2025, além da missão de ampliar significativamente os recursos destinados para subsidiar o enfrentamento das mudanças climáticas, terá ainda de tratar do mercado internacional de carbono, da elevação das temperaturas e outros assuntos que seguem com lacunas. A pressão para encontrar um equilíbrio no regramento e nas fontes de financiamento para mitigar os efeitos dos desastres é enorme, porém não se pode deixar de lado a formação de alianças fortes para barrar o avanço da destruição do planeta.

O Brasil tem de encarar desde já a tarefa de mobilizar governos, setores privados e sociedade civil se quiser assegurar o sucesso da COP30. A solidariedade que faltou nas mesas de Baku precisa agora sobrar nos gabinetes, e alinhavar esses pontos cabe aos donos da casa do encontro de 2025.

 

 

 

 

 

 

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