sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Os intocáveis. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Votações a toque de caixa mostram força de aliança do Centrão com bolsonarismo

Após meses sem votar propostas relevantes, a Câmara teve um surto legislativo em causa própria. No intervalo de 24 horas, aprovou a PEC da Blindagem e fez avançar o projeto de anistia aos golpistas.

A emenda muda a Constituição para elevar os parlamentares à condição de intocáveis. Eles só poderão ser processados com autorização da Câmara ou do Senado. Na prática, a regra cria um salvo-conduto para a prática de crimes. O deputado ou senador que burlar as leis não precisará mais se preocupar com a Justiça. Bastará contar com o corporativismo dos colegas, que poderão salvá-lo no escurinho do voto secreto.

O projeto de anistia abre caminho à impunidade de quem conspirou contra a democracia e tentou dar golpe para impor uma nova ditadura. O texto não está fechado, mas tem potencial para livrar toda a camarilha. Do ex-presidente condenado a 27 anos de prisão aos seguidores que invadiram e depredaram os palácios em seu nome.

As duas propostas avançaram a toque de caixa, sem passar por comissões ou audiências públicas. A via expressa foi pavimentada pela aliança do Centrão com a extrema direita. A tabelinha ainda teve o reforço de deputados que se dizem de esquerda. Só o PT deu 12 votos a favor da PEC da Blindagem, a pretexto de criar condições para um acordo contra a anistia.

O petista Valter Pomar batizou o grupo de “centrãozinho do PT”. Nele desfilam o vice-presidente da sigla, Jilmar Tatto, e o ex-líder Odair Cunha, que sonha com uma cadeira no Tribunal de Contas da União. Não terá o cargo vitalício e arrisca ficar sem a reeleição em 2026.

Defensores da PEC alegam que ela restaura o texto original da Constituição de 1988. O argumento é duplamente enganoso. Na época, o país saía de uma ditadura que fechou o Congresso e cassou 181 deputados e senadores. Os constituintes queriam proteger os parlamentares do autoritarismo, não transformá-los numa casta acima da lei.

A prática mostrou que a regra criada para preservar a imunidade virou garantia de impunidade. Em 13 anos, Câmara e Senado barraram a abertura de 253 processos criminais. Só um deputado virou réu: o rondoniense Jabes Rabelo, acusado de receptação de veículo roubado. No Congresso de hoje, ele seria considerado um ladrão de galinhas.

 

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