domingo, 5 de outubro de 2008

Vaiado e aplaudido, Ulysses comandou votações



Luiza Damé
DEU EM O GLOBO


Deputados dizem que o "Senhor Diretas" foi o ponto de equilíbrio da Constituinte

BRASÍLIA. O deputado José Genoino (PT-SP) é taxativo: a Assembléia Nacional Constituinte só concluiu seus trabalhos graças à habilidade política do deputado Ulysses Guimarães - morto cinco anos depois da promulgação da Constituição, num acidente aéreo. A opinião é confirmada por vários outros constituintes: Ulysses foi o ponto de equilíbrio dos debates. O tripresidente - além da Constituinte, ele também comandava a Câmara e o PMDB - esteve à frente de todas as votações importantes no plenário, repetindo dezenas de vezes ao dia "vamos votar, vamos votar", o que acabou virando um bordão. E, claro, participou das negociações das matérias mais polêmicas.

- Ele tinha autoridade moral. Nada acontecia sem ele na Constituinte. Participou de todas as negociações sabendo exatamente onde queria chegar: a uma Constituição democrática - lembra o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA).

Principal líder da oposição durante a ditadura militar, Ulysses conseguia arrancar aplausos num dia e, no seguinte, ser sonoramente vaiado pelo mesmo grupo. Durante a Constituinte, provocou a ira da esquerda ao aceitar a proposta do chamado Centrão, que reunia parlamentares de centro-direita, para mudar o regimento e quebrar a hegemonia das propostas progressistas.

Neste dia, deixou o plenário vaiado pela esquerda. Até hoje alguns constituintes lembram do comunista baiano Haroldo Lima, atual presidente da Agência Nacional de Petróleo, irado, subindo em uma cadeira, vaiando e jogando bolinhas de papel em Ulysses por causa dessa votação. A um grupo de deputados inconformados com a mudança, ele explicou: não poderia levar os trabalhos até o final alijando parlamentares como Ricardo Fiúza, José Lourenço e Roberto Cardoso Alves, os principais líderes do Centrão. Os mesmos que vaiaram Ulysses o receberam no plenário sob aplausos, quando ele chamou a junta militar que fez a Constituição de 1967 de "três patetas", reagindo a críticas aos trabalhos da Constituinte. O mesmo Haroldo Lima subiu na cadeira para aplaudir Ulysses. Ao mesmo tempo que tentava segurar a esquerda em alguns momentos, em outros incentiva-a a defender teses progressistas.

- Ulysses foi o grande fiador e o ponto de equilíbrio da Constituição. Sem ele, a Constituinte não teria terminado - disse Genoino, um dos mais atuantes constituintes.

Ulysses foi eleito deputado estadual em 1947 e não abandonou mais a política. Foi eleito consecutivamente para 11 mandatos de deputado federal, cumprindo uma das mais longas carreiras do Congresso brasileiro, interrompida no dia 12 de outubro de 1992, num acidente de helicóptero em Angra dos Reis.

A promulgação da Constituição foi o ponto alto da vida pública de Ulysses, um torcedor fanático do Santos. Mas a carreira do "Senhor Diretas" - que durante a ditadura militar enfrentou a polícia e seus cachorros para levar adiante a anticandidatura à Presidência da República, num período em que não havia eleição para presidente - também foi marcada por equívocos políticos.

Empolgado com a notoriedade conquistada no comando da Constituinte, Ulysses insistiu numa candidatura a presidente da República, em 1989, contra a vontade da maioria do PMDB, que o abandonou na campanha. Ele amargou um sétimo lugar nas eleições, vencidas por Fernando Collor. Em 1992, quando começaram as denúncias contra Collor, Ulysses se opôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o governo.

Depois, convencido do envolvimento do então presidente em atos de corrupção, apoiou as investigações e passou a trabalhar pelo impeachment. Irritado com a movimentação de Ulysses, Collor o chamou de velho gagá em uma reunião com aliados. Ulysses respondeu: "Sou velho, mas não sou velhaco".

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