Marina Silva e Micarla de Souza protagoniza- ram as votações majoritárias mais expressivas da história do PV. Enquanto a ex-candidata à Presidência da República está para deixar o partido menos de um ano depois de votação consagradora, a prefeita de Natal foi abandonada por seus eleitores antes de completar seu primeiro mandato.
São razões opostas que as separam de sua história eleitoral, como o foram aquelas que as levaram ao PV. Marina foi derrotada pela oligarquia de seu partido. Micarla foi encurralada pela incapacidade de gestão. Ambas, porém, fracassaram em institucionalizar, na política, o apoio popular que receberam.
Micarla não poderia ter uma trajetória mais diferente da filha de seringueiros, analfabeta até a adolescência, que capinou 25 anos na política até se tornar a mais bem sucedida terceira via dos palanques nacionais.
Filha de senador, herdeira de um grupo de comunicação e apresentadora de televisão, Micarla teve uma ascensão meteórica na política até ser eleita em 2008 como a única prefeita de capital do PV numa disputa em que o eleitor reagiu à ofensiva pela federalização da peleja local.
Diferentes em tudo, iguais no fracasso em galvanizar a rua
Em cinco anos de política partidária, vitaminados por um programa de televisão em que denunciava com alarde as mazelas da cidade, derrotou o presidente da República, a governadora do seu Estado (Vilma Faria), o prefeito de Natal (Carlos Eduardo Alves) e o presidente do Senado (Garibaldi Alves). Natal foi a única capital do Nordeste que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou naquele primeiro turno com um caminhão de ministros. Em comício raivoso, ironizou a candidatura Micarla, apoiada por um de seus mais renitentes adversários, o senador Agripino Maia (DEM-RN).
Eleita prefeita, foi incapaz de manter uma equipe estável de governo. Reportagem de Murillo Camarotto, no Valor (27/06/2010), mostrou que em dois anos e meio de administração 50 secretários já se revezaram em sua administração.
Em decorrência da rotatividade, as políticas públicas escorreram pelo ralo. Aos postos de saúde sucateados, buracos e lixo nas ruas somou-se um aumento na passagem de ônibus que mobilizou os estudantes e colocou o Rio Grande do Norte no topo dos temas tratados pela rede virtual Twitter.
Foi nesse clima que se instalou uma comissão de investigação de denúncias de que os alugueis da prefeitura estariam superfaturados. À tentativa de coibir os trabalhos da comissão seguiu-se a ocupação da Câmara de Vereadores pelos manifestantes. A ocupação se desfez depois de dez dias, mas a investigação prossegue com o intuito de cassá-la e a prefeita continua a ser hostilizada quando põe os pés na rua.
Micarla não é a única administradora pública no país a enfrentar protestos populares. O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), eleito por acachapantes 82% dos votos, já enfrenta manifestantes raivosos e o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro (PP), está sob a ameaça de perder seus direitos políticos numa prefeitura paralisada.
Em comum, eles governam camadas médias emergentes que demandam mais dos serviços públicos. É sobre as administrações locais que recai a pressão por melhor qualificação ou pela locomoção mais fluida em ruas entupidas por novas frotas de carros.
Ainda que também sejam alimentadas pela internet, as manifestações tupiniquins não têm o mesmo combustível das congêneres europeias, movidas a desemprego galopante e perdas de direitos sociais. No Brasil o protesto é filho do crescimento e, como tal, fomento de mudança e desenvolvimento.
A campanha de Marina foi pavimentada pela ideia de que de que a polarização da política brasileira custa a oferecer respostas à aceleração dessas demandas. É possível que muitos desses manifestantes tenham sido seus eleitores, mas a atuação de Marina desde o final do primeiro turno de 2010 não permite aferir a capacidade de a ex-candidata continuar a galvanizar as ruas.
Ao forçar o segundo turno, Marina cumpriu seu papel de furar a armadilha da disputa plebiscitária. Ao optar pela neutralidade, no entanto, abdicou de continuar a pautar seu eleitor na decisão mais importante da República. Rumar para um dos lados não significava negociar cargos, mas princípios a serem melhor observados pelo vencedor. Ainda que votos brancos e nulos sejam facultados ao eleitor pela democracia, neutralidade é omissão quando é de uma liderança política que se trata.
Cinco meses depois, sua escassa capacidade de mobilizar o debate público brasileiro durante o desastre nuclear de Fukushima guarda tanta relação com a inviabilidade de sua proposta de plebiscito sobre o tema quanto com sua postura no segundo turno de 2010.
A omissão de Marina também cobrou seu preço durante a tramitação do Código Florestal. Sua incapacidade de influenciar a votação do projeto, no entanto, revela os mesmos limites de seu eleitorado. Modernizante e internacionalista, a defesa do meio ambiente angaria audiência mais facilmente nos meios urbanos, do que entre eleitores do meio rural, dependentes que são da exploração direta dos recursos naturais para sua sobrevivência. O maior símbolo disso continua sendo o acúmulo de multas do Ibama que sufocam o sindicato dos seringueiros de Xapuri, berço político da velha companheira de lutas de Chico Mendes.
Maior que o PV, Marina não será abatida pela saída da legenda, ainda que um rumo partidário formalizado, dado o calendário eleitoral, venha a ser adiado para 2013. O que sua trajetória recente não tem permitido antever é como pretende cultivar um patrimônio eleitoral de quase 20 milhões de votos sem disputar o debate público.
A candidata surgiu na cena eleitoral brasileira como um sinal de alerta contra os riscos embutidos na ideologia da grandeza nacional. Principal instrumento nacional para financiar o acesso a novas tecnologias de desenvolvimento, o BNDES, depois de fomentar uma gigante brasileira no mercado mundial de frigoríficos, agora ruma para viabilizar uma multinacional tupiniquim de quitandas. O que diria Marina se estivesse na política?
Maria Cristina Fernandes é editora de Política.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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