Marco Mondaini. Do stalinismo à democracia. Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Astrojildo Pereira e Editora Contraponto, 2011.
O Partido Comunista Italiano (PCI) configurou-se em boa parte da sua história como uma experiência singular no interior da Internacional Comunista (IC), apesar da sua adesão por muitos anos à liderança exercida pela URSS. Desde sua fundação, em 1921, ao lado de Antonio Gramsci (1891-1937), Palmiro Togliatti foi seu maior líder político. Depois de viver na URSS, fugindo do fascismo, e de ter se transformado num grande dirigente da IC e num dos políticos que mais simbolizaram a estratégida da ampla frente popular antifascista, retornou à Itália no final da Segunda Guerra, quando defendeu e participou intensamente dos trabalhos de elaboração da Constituição da República Italiana de 1948.
A partir de então, tornou-se a principal referência daquele que viria a ser o maior partido comunista do Ocidente. Um comunismo diferente, que tinha de se haver com estruturas políticas complexas e modernas, num país cujas forças moderadas também tinham forte apelo popular e se condensavam num partido não por acaso chamado “democrata cristão”. Um país, em suma, onde sequer se podia pensar na estratégia de assalto direto ao poder, sob pena de incorrer numa guerra civil de efeitos calamitosos, como se encarregava de mostrar o caso dos comunistas gregos naquele mesmo segundo pós-guerra.
Togliatti foi o primeiro editor dos famosos Cadernos do cárcere escritos por Gramsci e, desde a segunda metade da década de 1950, formulou a estratégia de um original “caminho italiano ao socialismo” por meio do que ele chamou de “democracia progressiva”. No pós-guerra, Togliatti apostou na superação da normativa do “partido de quadros”, defendida por Lenin, ao consolidar o PCI como um “partido de massas”, um partido comunista de novo tipo, como vocalizava o potente slogan identitário do PCI. A fórmula togliattiana do partido como um intelectual coletivo dialogava e expressava quase que literalmente a linguagem da filosofia da práxis defendida por Gramsci e, ao mesmo tempo, representava uma distinção precisa entre partido e Estado, numa critica incisiva ao socialismo de matriz soviética.
Assim, não é possível desconsiderar que renovação em meio à continuidade tenha marcado efetivamente o protagonismo histórico de Palmiro Togliatti. Como líder de um comunismo que buscou construir a democracia na Itália por meio de instituições políticas legitimadas e uma mobilização popular permanente, Togliatti manifestava uma dupla lealdade irredutível ao comunismo e à democracia. Togliatti por vezes caminhava sobre o fio da navalha, como quando, em 1956, alinhou-se com a URSS por ocasião da invasão da Hungria e, ao mesmo tempo, não abriu mão de criticar asperamente a “degeneração burocrática” que afetava as sociedades pós-revolucionárias do Leste europeu.
Essa cultura política singular se expressou e se alimentou também da abertura ao diálogo com diversas correntes políticas e filosóficas do rico mundo intelectual italiano, sem que isso significasse abdicação da sua orientação política maior. O PCI togliattiano soube colocar em prática algumas orientações gramscianas básicas, num contexto radicalmente mudado em relação àquele conhecido pelo próprio Gramsci. Vislumbrou assim possibilidades novas numa estratégia de reformas que ainda hoje pode ser fonte de inspiração para os adeptos da esquerda democrática, que estão chamados a avaliar criticamente aquele legado, sem se deixarem apanhar por nostalgia de qualquer tipo nem esquecer que vivemos um tempo que requer reinvenção radical da política.
Este livro narra e nos coloca diante das tensões e dilemas que marcaram esta história e particularmente as definições inovadoras que emergiram no âmbito da esquerda histórica italiana do século XX. Ele nos faz saber dos limites do já vivido e daquilo que foi ultrapassado de maneira produtiva. E isso nos auxilia a refletir com mais densidade sobre os enigmas que hoje nos desafiam.
Alberto Aggio é professor titular de História da Unesp.
Fonte: Gramsci e o Brasil.
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