Uma base de apoio assim, melhor não ter. É o que talvez esteja imaginando a presidente Dilma Rousseff diante da enorme dificuldade que encontra a cada dia para manter sob controle e minimamente afinada com os propósitos de seu governo a enorme, heterogênea e, tem-se visto, pouco confiável aglomeração de partidos que compõem aquilo que se convencionou chamar de maioria governista no Parlamento. O episódio da troca dos líderes do governo no Senado e na Câmara foi bem emblemático do espetáculo quase surreal que tem sido oferecido ao distinto público toda vez que Executivo e Legislativo discutem a relação, muitas vezes com o Judiciário formando a terceira ponta do triângulo. Nas últimas semanas, todas as iniciativas do Palácio do Planalto nesse assunto só têm feito piorar o quadro.
Afinal, o que está acontecendo? O governo não tem, de fato, ampla maioria no Parlamento? Tem uma maioria mais ampla do que aquela com que qualquer outro governo jamais pode contar nesses quase trinta anos depois da redemocratização do País. A atual maioria não é tão heterogênea e pouco confiável quanto aquela que deu apoio ao presidente Lula, principalmente em seu segundo mandato? Certamente, sim.
A diferença não está no Congresso. Está no Palácio do Planalto. Lula administrou tranquilamente a maioria parlamentar que ele próprio construiu graças a especialíssimas habilidades políticas respaldadas por sólido apoio popular. Mas ele tem tudo o que Dilma não tem: carisma, poder de sedução, malícia, paciência, uma concepção um tanto ligeira dos fundamentos da democracia e uma enorme capacidade de engolir sapos e fingir que não está vendo tudo o que é melhor ignorar. Lula inventou Dilma, tornou-a sua sucessora, mas seus poderes não chegam a ponto de conseguir transformá-la naquilo que ela não é.
É natural, portanto, que, ao herdar o modelo lulopetista de governar - do qual fez parte desde sempre, como ministra -, Dilma esteja sentindo grande dificuldade para dar continuidade ao pacto de poder construído por seu patrono. Mas isso não a absolve dos erros que tem cometido e que se refletem negativamente no governo. A óbvia obrigação de fazer a máquina do Estado funcionar implica também estabelecer com o Congresso uma relação produtiva em benefício dos interesses nacionais. E para se desincumbir dessa responsabilidade a chefe do governo dispõe de muitos recursos, simbolizados por sua caneta.
É claro que a ausência de uma incontrastável autoridade política como a de Lula estimula as raposas aliadas a ousadias contra Dilma que jamais cogitaram de praticar contra o ex-presidente. Insatisfeita desde a queda de Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes, a bancada do PR no Senado mandou um recado desaforado para o Planalto e declarou-se matreiramente na oposição. Cada vez mais, a matilha de apetite voraz que controla o Senado aumenta a pressão sobre Dilma. Cada vez mais, elevam-se as vozes de rebeldia na bancada governista na Câmara. Não foi por outra razão que Dilma deu bilhete azul para seus líderes no Senado, Romero Jucá, e na Câmara, Cândido Vaccarezza. E tanto pelo que as duas substituições significam em termos de alteração na correlação de forças no Parlamento quanto pela maneira desastrada como foram operadas, o resultado foi o agravamento da crise.
Por causa do clima de revolta reinante no Congresso, adiaram-se votações urgentes e relevantes, como a do Código Florestal e a da Lei Geral da Copa. É um exemplo claro de como a baixaria política que Dilma não consegue controlar pode afetar gravemente os interesses do País.
Não levará muito tempo para Dilma descobrir que, na tentativa de impor sua autoridade com a substituição das lideranças no Congresso, trocou seis por meia dúzia. Mas, mesmo que tenha de assumir o risco de ver a situação piorar muito, antes de melhorar, está mais do que na hora de a presidente da República, há quase quinze meses no poder, decidir se vai começar a governar de fato ou tornar-se definitivamente refém do fisiologismo e do atraso.
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