O mais provável é que até o dia 23 de abril o quadro político brasileiro continue instável como está, à espera de uma definição sobre a situação da saúde do ex-presidente Lula. Nesse dia os médicos do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo farão os exames que definirão se será preciso continuar o tratamento do câncer na laringe de Lula ou se o tumor desapareceu por efeito da quimioterapia e da radioterapia.
O ex-presidente já é capaz de receber líderes políticos selecionados, está recuperando alguns quilos perdidos durante o tratamento e ainda fala com dificuldade devido à inflamação no local da doença.
Se tudo der certo, Lula retomará as rédeas da situação política, e a inquietação na base aliada do governo tenderá a ser controlada.
O que está acontecendo neste momento é uma mistura de estranhamento dos políticos à maneira brusca com que a presidente Dilma decidiu conduzir as negociações partidárias com uma desconfiança de que Lula não retornará à vida política com o vigor anterior, o que daria margem a vários movimentos no interior dos partidos, a começar pelo próprio PT.
Políticos são como o mercado financeiro: trabalham com rumores e precificam consequências futuras desses mesmos rumores.
Passam a vida tentando antecipar para onde o vento do poder está soprando para poder se posicionar, a favor ou contra, mas sempre com o olho na próxima eleição.
Anos eleitorais, então, são pródigos em mudanças de lado, a partir de pesquisas de opinião e do contato direto com as chamadas "bases".
Por isso, mesmo quando o Palácio do Planalto, como agora, está convencido de que tudo vai bem, os políticos andam freneticamente tentando uma sintonia fina com o que vem por aí, seja o aumento da inflação ou o aumento do crédito, questões imediatistas que se refletirão nas urnas em outubro, nunca questões estruturais, pois essas geralmente não dão votos e podem ser no máximo temas para entressafras eleitorais.
Em anos como este que vivemos, em que os partidos disputarão os espaços políticos regionais de olho nas eleições de 2014 e nas alianças que poderão ser feitas com vistas à Presidência da República, o importante é saber quem manda em quem, e a presidente Dilma ainda é uma incógnita a ser decifrada.
Dá-se como improvável que o ex-presidente Lula tenha mesmo dito ao novo líder do governo, senador Eduardo Braga, que apoiaria a presidente em sua cruzada contra o fisiologismo.
Simplesmente porque esse não é o estilo de Lula que seus "companheiros" tanto enaltecem e de que sentem tanta falta.
O máximo que é possível aceitar é que Lula compreenda que a presidente não aceite ser chantageada, mas nesse caso seria apenas questão de acertar essa sintonia fina entre o que é reivindicação justa e o que é chantagem explícita.
Lula era um craque em se antecipar às demandas de sua base aliada, não dando margem a que algum líder tentasse uma chantagem.
Dilma, ao contrário, parece estar muito satisfeita com sua capacidade de enfrentar a tentativa de chantagem, embora reconheça que a relação entre Executivo e Legislativo tende a ser de atritos pela característica quase "parlamentarista" de nosso presidencialismo de coalizão.
A derrota no Senado da recondução do presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) parece ter sido o detonador dessa ação-relâmpago do Executivo sobre o Legislativo, trocando seus líderes na Câmara e no Senado de uma vez, inclusive mexendo no seu próprio partido.
A presidente viu nesse episódio uma afronta pessoal, já que o nome indicado era de sua confiança, e uma oportunidade de demonstrar seu descontentamento.
Determinar o fim do chamado "toma lá dá cá", no entanto, não depende apenas da vontade soberana da presidente, mesmo que nosso presidencialismo seja imperial.
Mesmo porque a presidente Dilma, tendo exercido a chefia da Casa Civil durante tanto tempo no governo Lula, não pode dizer para seus interlocutores no Legislativo que desconhecia essa prática ou que não concordava com ela.
A Dilma-ministra deve ter sido a negociadora de muitos acordos desse tipo, mesmo a contragosto se for o caso, e deve ter assumido muitos compromissos com a base aliada quando era a candidata de Lula.
Além de ter herdado outros tantos acertos feitos pelo próprio ex-presidente, que culminaram, alguns, em nomeações para o seu primeiro Ministério.
Assim como Lula e seus ministros assumiram compromissos em nome de seus sucessores para a realização da Copa do Mundo, com mais razão ainda também na organização da base partidária que daria apoio a Dilma na sua sucessão, o ex-presidente Lula deve ter assumido compromissos com os líderes partidários que terão de ser cumpridos.
Por isso mesmo, até o momento, a presidente tem feito exibições de força que não resultaram em mudanças efetivas no relacionamento com os aliados.
Além do mais, há uma tradição na política brasileira de o Legislativo se curvar ao Executivo quando é de seu interesse, ou melhor, quando seus interesses mesquinhos são poupados nessa relação.
É difícil, no entanto, ver-se o Executivo impor ao Legislativo alguma decisão que não seja negociada. Pois, quando querem, os parlamentares sabem perfeitamente usar os poderes que têm para ganhar mais força nas negociações.
Nesse sentido, o Executivo terá boas dificuldades com sua própria base aliada se não puder contar com o apoio de Lula nessas negociações ou se perder a expectativa de poder que a presença ativa do ex-presidente garante.
Apenas um exemplo das dificuldades que esperam a presidente Dilma: com a nova tramitação das medidas provisórias determinada pelo Supremo Tribunal Federal, a Comissão Mista que passará a recebê-las ganhará uma força política incalculável.
Fazer parte dela valerá ouro.
E o Congresso será obrigado a exercer seu poder sobre o Executivo, o que lhe dará uma nova margem de manobra.
FONTE: O GLOBO
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