Tradição no tratamento de autoridades em eventos esportivos, hostilidade contra Dilma ganhou força pelo ambiente de protestos nas ruas e arenas da Copa das Confederações.
Insatisfação refletida em protestos e vaias
Nos últimos cinco dias, o país foi tomado por manifestações nas ruas e em frente a estádios de futebol. A vaia à presidente Dilma Rousseff no jogo entre Brasil e Japão, no sábado, trouxe um ingrediente novo a esse cenário de descontentamento.
Os gritos de gol, na largada da Copa das Confederações, vieram acompanhados por ruídos de natureza nada festiva: palavras de ordem, estouros de bomba e vaias à presidente Dilma Rousseff na abertura do evento.
A ruidosa sonoplastia política tem origem em manifestações com públicos e propósitos diferentes, mas, segundo especialistas, refletem um sentimento de insatisfação nacional e tendem a reforçar umas às outras.
Estádios de futebol costumam ser ambientes cruéis para pernas-de-pau, mas também para líderes políticos. Assim foi na inauguração do Maracanã, na década de 1950, ou quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareceu ao mesmo local para a abertura dos Jogos Pan-Americanos, em 2007. Os apupos foram tão intensos que o petista desistiu de anunciar ao microfone o início das competições. As vaias enfrentadas por Dilma na tarde de sábado, porém, somam-se a uma série de protestos que vêm sacudindo o país.
Antes dos gritos contra a presidente, a música emitida pelos alto-falantes no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, já havia sido intensificada em alguns decibéis para abafar os estouros das bombas utilizadas pela polícia para controlar quem protestava do lado de fora contra os bilhões de reais aplicados para o país receber as competições da Fifa. Ontem, no entorno do Maracanã, novo confronto envolveu manifestantes contrários aos gastos e em defesa da redução nas tarifas de ônibus. Nas semanas anteriores, grupos se reuniram nas ruas das principais capitais do país para exigir passagens mais baratas e, mais recentemente, condenar a repressão policial em manifestações públicas.
Por que, então, protestava quem estava do lado de dentro do Mané Garrincha, e qual a relação com a recente onda de inconformidade que tomou as ruas de várias cidades? Para a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maria Izabel Noll é preciso lembrar que o público no interior do estádio pagou centenas de reais pelos ingressos e representa um estrato social mais abastado, com prioridades específicas.
– Essa classe média consolidada não teve ganhos tão significativos com a estabilidade econômica. Já tinha casa própria, carro. A vaia deixa claro que há uma insatisfação no ar – avalia Maria Izabel.
Inconformidade inclui várias bandeiras
Essa insatisfação inclui o desconforto com a corrupção, a ameaça da inflação, carências em saúde, educação e segurança pública, além da elevada carga tributária brasileira – tema bastante caro para as classes média e alta. Embora os protestos de dentro e de fora do estádio tenham diferenças, para Maria Izabel todos traduzem inconformidade popular e tendem a se reforçar mutuamente em um ambiente geral de contestação.
– Como há um descontentamento genérico em relação aos governos, não só ao governo Dilma, há um processo de retroalimentação entre esses protestos todos – analisa.
Para o cientista político e diretor do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais (InPro), Benedito Tadeu César, os apupos a Dilma não devem ser superdimensionados.
– Lula também foi vaiado, e a aprovação da presidente ainda é superior à de Lula e à de FH nos mesmos períodos de governo. Há sempre uma parcela de descontentes – pondera o cientista político.
Para César, a insatisfação popular explica os fenômenos verificados dentro e fora dos estádios, mas o grau de descontentamento nas ruas é maior do que o vislumbrado no Mané Garrincha na tarde de sábado.
– As pessoas estão lá no estádio para um evento esportivo, não para ficar homenageando político. Em relação aos protestos nas capitais, são deflagrados por um somatório de coisas, como a inflação e o comportamento das polícias militares – avalia.
Os próximos dias deverão mostrar o que seguirá soando mais alto no país: os gritos de gol, as bombas ou as palavras de ordem.
Fonte: Zero Hora (RS)
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