A sutileza não é mesmo o forte da presidente Dilma Rousseff. Se essa inaptidão se manifestasse apenas no seu, digamos, estilo, o problema se restringiria ao trato pessoal, como sabem todos quantos arcam com a servidão de serem seus subordinados. A questão muda de figura quando a sua predileção pela borduna, em lugar do florete, transborda para a esfera institucional. É o que cabe dizer, antes de mais nada, do decreto curto e grosso assinado por ela na última sexta-feira e publicado em edição extraordinária do Diário Oficial. O documento trata da ampliação dos gastos públicos previstos pelo Ministério do Planejamento. Já no primeiro de seus cinco artigos, autoriza o desbloqueio de R$ 10,032 bilhões previstos no Orçamento de 2014. A maior parte desse montante irá para educação e saúde.
Em princípio, o valor inclui ainda R$ 444,7 milhões para a cobertura de emendas parlamentares individuais. A cifra resulta do aumento de R$ 10,9 milhões para R$ 11,6 milhões da fatia que cabe a cada um dos 531 deputados e 81 senadores, destinada a obras em seus redutos eleitorais. "Em princípio", porque a liberação desse adicional depende do comportamento dos mandatários na votação do projeto palaciano que na prática desobriga o governo de cumprir a meta mínima de superávit primário (poupança para o pagamento de juros da dívida pública) de R$ 49 bilhões fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014. A proposta indecente, apresentada em novembro, viola a Lei de Responsabilidade Fiscal ao remediar a farra que abriu um rombo bilionário nas contas federais.
Na semana passada, depois de uma sequência de percalços na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, o projeto enfim acolhido deixou de ser votado em plenário por falta de quórum. Deputados e senadores, notadamente do PMDB, se ausentaram para ver, primeiro, se e como o novo Ministério atendeu aos seus desejos. Com isso, a presidente entrou em pânico. Afinal, se não vingar o golpe contábil que exclui do cálculo do superávit os dispêndios com o PAC e o valor das desonerações tributárias autorizadas pelo Planalto, ela terá incorrido em crime de responsabilidade. Eis a origem do despudorado decreto da sexta-feira. Em vez de buscar uma negociação com os seus aliados no Legislativo, Dilma optou pela chantagem nua e crua.
No artigo 4.º, o texto condiciona explicitamente a liberação das verbas acrescidas para as emendas parlamentares à aprovação do monstrengo que acaba com qualquer resquício de integridade no manejo dos recursos do Executivo para cumprir a lei orçamentária. A admissão de derrota se soma à truculência no único parágrafo em que o artigo se desdobra. Estipula que, se o projeto em causa não passar, a área econômica preparará "novo relatório de receitas e despesas" e encaminhará "nova proposta de decreto" (sic). Para ficar na seara da presidente, é impossível imaginar o seu patrono Luiz Inácio Lula da Silva fazendo uma enormidade do gênero. Ele decerto não deixaria que as coisas degringolassem na undécima hora do ano.
Em vez de emitir o seu diktat, Dilma poderia ter se limitado ao apelo enfático aos líderes da base aliada nas duas Casas do Congresso, com os quais se reuniu, pela primeira vez desde a reeleição, na segunda-feira à noite. Não que ela tivesse assumido as devidas culpas pelo desarranjo fiscal impossível de varrer para debaixo do tapete mesmo com a famigerada contabilidade criativa em que o seu pessoal se empenhou, manuseando as contas oficiais maltratadas pelo "novo marco macroeconômico" - a herança maldita que ela deixa para o sucessor do lamentável Guido Mantega. A anfitriã tratou de compartilhar com os políticos a responsabilidade pela ampliação do número de setores beneficiados pela renúncia fiscal que, de janeiro a outubro, já somava cerca de R$ 85 bilhões. (No período, o déficit acumulado pelo governo era de R$ 11,6 bilhões.)
Não ficou nisso. Segundo relatos de participantes do encontro, ela recorreu até ao terrorismo. Se o projeto de manobra fiscal fracassar, afirmou, haverá desemprego, perda de renda familiar, recessão e contingenciamento dos repasses da União a Estados e municípios. É a sutileza padrão Dilma.
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