- O Globo
• Na farra fiscal de 2014, a presidente apostou na leniência do Tribunal de Contas da União
Afirmar que a presidente vem passando por longo período de inferno astral seria atribuir aos astros culpa que não lhes cabe. Dilma está apenas colhendo o que plantou. E, nessa colheita farta, vem mostrando espantosa capacidade de tornar cada revés bem mais desgastante do que poderia ser.
Sem ir mais longe, basta ter em conta seu destempero diante de novas delações que deixaram o Planalto especialmente irritado. A presidente se permitiu comparar os delatores da Lava-Jato a Joaquim Silvério dos Reis, suposto alcaguete da Inconfidência Mineira, figura que, no imaginário brasileiro, representa o arquétipo do traidor desprezível. Não lhe ocorreu que tal comparação ensejaria imediata indagação sobre a razão pela qual o Planalto viu traição tão grave na delação de Ricardo Pessoa.
Em meio às suas muitas atribulações, a presidente terá de encaminhar ao Tribunal de Contas da União (TCU), até meados de julho, explicações que possam evitar que suas contas de 2014 sejam rejeitadas. Os apuros do governo no TCU vêm sendo bem cobertos pela mídia. Mas a questão tende a ser percebida como matéria árida, de digestão difícil para leigos. A aridez dos detalhes, contudo, em nada impede percepção clara da essência dos problemas que o governo vem enfrentando no Tribunal.
É preciso não perder de vista o quadro mais amplo que acabou dando lugar a tais problemas. É mais do que sabido que, no ano passado, a condução da política econômica foi inteiramente pautada pelas prioridades da campanha de reeleição da presidente Dilma. No caso da política fiscal, o atrelamento às urgências da campanha eleitoral foi particularmente inconsequente. E exigiu precária conciliação, ainda que por poucos meses, de dois movimentos patentemente conflitantes.
De um lado, o governo se permitiu uma farra fiscal sem limites, quando já não cabia mais dúvida sobre a extensão da devastação que vinha ocorrendo nas contas públicas, na esperança de que isso pudesse mascarar a rápida desaceleração do crescimento da economia. De outro, fez o possível para maquiar as contas públicas e impedir que o eleitorado tomasse conhecimento em tempo hábil das reais proporções dessa devastação.
Apesar de todos os sinais de que a política econômica era insustentável e das pressões, inclusive de parte do próprio PT, para que a equipe econômica fosse mudada, a presidente insistiu em manter a mesma tripulação até o último momento. No sufoco de uma campanha que se desdobrou em dificílimo segundo turno, a candidata entendeu que não poderia prescindir de uma equipe fazendária que não titubeasse diante da necessidade de levar adiante, a qualquer custo, a gestão fiscal que a campanha eleitoral parecia requerer.
Por irresponsável que tenha sido, a aposta de Dilma foi coroada de sucesso. A presidente acabou reeleita. E, como estelionato eleitoral não é crime, conquistou mais quatro anos de mandato. Mas o diabo mora nos detalhes. Na história dos grandes golpes supostamente perfeitos não faltam casos de quem acabou apanhado por se ter esquecido de um pequeno detalhe.
Na pressa e na euforia da campanha eleitoral, Dilma esqueceu-se da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ou talvez tenha simplesmente confiado na leniência passada do TCU com infrações anteriores, sem dar a devida atenção ao fato de que, desde que a LRF foi aprovada, em 2000, nunca houve nada parecido com o descalabro fiscal que se viu em 2014.
Entre os muitos problemas agora detectados, o TCU acusa o governo de, no afã de maquiar as contas de 2014, ter deliberadamente permitido que o Tesouro recorresse a vultosos financiamentos de instituições financeiras federais, em séria violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A se julgar pelas explicações esfarrapadas que vêm sendo alinhavadas pelo governo, é bem possível que a presidente acabe tendo suas contas rejeitadas pelo TCU. O que a deixaria perigosamente exposta à confirmação da rejeição das contas pelo Congresso.
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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