• As derrotas desta semana passada ensinam que a presidente está sem poder exatamente onde não poderia: no Congresso, para onde convergem as ameaças a seu mandato
Talita Fernandes e Ricardo Della Coletta - Época
Pim! A mensagem via WhatsApp espoucou no celular do líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, na quinta-feira, pouco antes das 11 horas da manhã. “É o Eduardo”, disse. Picciani estava abatido, dormira pouco. Na noite anterior reunira apenas um punhado de partidários em uma mesa sob um ombrelone na área externa de um restaurante para fumar um charuto e bebericar doses de licor. Embora revestida de cordialidade, a mensagem do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, informava a Picciani que ele fora desidratado pelo próprio partido e era também uma sinalização ao Palácio do Planalto de que o centro de irradiação da crise no Congresso não fora neutralizado. Cunha avisava ao correligionário que em minutos negaria publicamente qualquer envolvimento com a ação de partidos que debandaram da liderança do PMDB no dia anterior, implodindo o maior bloco parlamentar da Casa.
Por volta das 11 horas, de fato, Cunha usou sua conta no Twitter: “Bom dia a todos. Quero desmentir que tenha participado da dissolvição do bloco do PMDB. O bloco foi feito para a eleição da mesa e não tinha qualquer compromisso de se manter por toda a legislatura. DEM, PRB e SDD (Solidariedade) já haviam saído”, disse, em três posts sucessivos. A política algumas vezes é uma novilíngua: quando se nega, se está afirmando. Cunha fora o articulador da dissolução do bloco, que resultou no esvaziamento de Picciani, expôs a fracassada iniciativa da presidente Dilma Rousseff de formar uma nova maioria na Câmara e resultou em mais uma dura derrota para o governo na semana passada. O PMDB é uma arena para mestres, não para amadores – e Picciani havia se revelado um amador.
Nesta semana, Dilma conheceu novo fracasso na tentativa de operar nessa seara de profissionais. Sua nova base de apoio, construída ao custo de uma reforma ministerial que substituiu seus homens de confiança pelos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que deu sete ministérios ao PMDB – inclusive o da Saúde, uma das arcas de Orçamento mais cobiçadas da Esplanada –, falhou. Sua nova coalizão não conseguiu nem levar um número suficiente de parlamentares ao plenário para garantir a votação que manteria os vetos presidenciais à “pauta-bomba”, o conjunto de medidas que pode explodir o caixa da União. Foi a pior de suas derrotas – e elas foram muitas.
Dilma perdeu também no Tribunal de Contas da União (TCU), que desaprovou suas contas do ano passado, adulteradas pelas pedaladas e por trapaças na contabilidade. Não foi apenas uma derrota histórica – a última vez em que o TCU rejeitara contas fora em 1937, com Getúlio Vargas. Foi uma derrota feia, pelo fato de o governo ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal para afastar o relator do caso e brecar o julgamento – sem sucesso. Perdera também um dia antes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que considerou, diante das evidências, necessário investigar se em sua campanha houve abuso de poder econômico e político. Mas é do Congresso que Dilma vai precisar para escapar da análise de suas contas e dos pedidos de impeachment que a circulam. O Congresso, um terreno com o qual Dilma nunca se importou muito, está dominado por seus adversários e armadilhas que seus aliados já demonstraram ter pouca habilidade para contornar. O Congresso decidirá o futuro de Dilma.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, está ameaçado na presidência da Câmara pela Operação Lava Jato. Na semana passada, investigadores revelaram que ele possui pelo menos US$ 2,4 milhões guardados em contas secretas na Suíça. Em condições normais, seria um adversário menos perigoso. Na gestão Dilma, no entanto, é um problema. Dentro de sua estratégia de atacar o governo para ofuscar sua difícil situação jurídica, Cunha agiu diretamente para implodir a nova e frágil base do governo. Nem precisou de muito esforço. Dilma contava que Picciani garantiria a presença do PMDB no plenário para preservar os vetos. O cálculo se mostrou um desastre. Picciani caíra em desgraça com parte do PMDB, que o acusa de usar a posição de líder para obter ministérios apenas para sua turma. Assim, ele não conseguiu entregar ao Planalto mais do que uma bancada rachada: apenas 37 dos 66 deputados do PMDB marcaram presença na sessão da quarta-feira.
Picciani ficou mal também com os partidos aliados, pois estes não ganharam ministérios. Siglas como PP, PTB, PSD e PR passaram a bombardear o Planalto por considerar que a reforma não levou em conta seus interesses. Eduardo Cunha vinha pessoalmente articulando o desmembramento do bloco que antes tinha Picciani como líder. Na semana passada, terminou o trabalho. A implosão fez com que o PMDB passasse a ser a segunda força política da Casa; antes à frente de um bloco de quase 150 deputados, Picciani amanheceu a quinta-feira como líder de 68 parlamentares – e longe de conseguir coesão mesmo dentro desse grupo. Instigada por Eduardo Cunha, em conjunto a turma fez corpo mole para mostrar sua força. Embora o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), tenha convocado sessões para terça e quarta-feira, as votações não ocorreram pela falta de comparecimento de deputados da base. Cinicamente, dezenas deles circularam pelo plenário, mas não registraram presença para forçar o fim da sessão. Maior manifestação de má vontade não há.
O Palácio do Planalto reconhece as falhas da reforma ministerial, que foi arquitetada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e era considerada por alguns a última cartada da qual dispunha Dilma para conseguir alguma estabilidade política para seu mandato. O governo novamente tentou isolar Cunha, desta vez ao negociar diretamente com Picciani, mas se viu obrigado a recuar. “É impensável fazer qualquer movimento na Câmara sem o Eduardo Cunha”, diz o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). Eduardo Cunha construiu em volta de si um arco de alianças com setores rebelados da base e com a oposição, muitos dos quais defendem o impeachment de Dilma. Parte dessa turma sabe que precisa dele para emplacar o impeachment; parte quer retaliar.
Na terça-feira à noite, quando o governo já havia sofrido o primeiro revés no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner (PT), se reuniu com Eduardo Cunha na residência oficial da presidência da Câmara, em Brasília. Wagner ouviu de Cunha que quem tem de garantir apoio ao governo são os líderes. “Eu cumpri meu papel institucional”, disse. De pouco adiantou a conversa, como se viu no dia seguinte. Na quinta-feira de manhã, após a segunda derrota, foi o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Edinho Silva, quem levou a Cunha apelos por uma trégua, num ritual de submissão simbólico que incluiu se deslocar às 8 horas da manhã até a residência da presidência da Câmara. De novo em vão. “O governo tem o que para oferecer ao Eduardo?”, afirma um aliado de Cunha. E, mesmo que Cunha se enfraqueça mais, Dilma tem poucas chances de recuperar o controle do Congresso. Não adianta: nada se faz na Câmara sem o apoio de Cunha e de seus aliados, espalhados por todos os partidos.
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