- O Globo
A gestão de Raquel Dodge terá preocupação com direitos humanos, desmonte da Funai, minorias e meio ambiente. E manterá o combate à corrupção, ou a “depuração do país”, como a nova procuradora-geral disse. Assuntos que estavam fora do foco passarão a ter. “Mesmo que nossa ação não tenha destaque na imprensa, nós olharemos para estes temas”, promete o vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia.
Aposse foi marcada pelo conflito explícito entre as duas lideranças do Ministério Público, mas a transição foi tranquila, disseram fontes dos dois lados. Procuradores ligados a Janot e ligados a Raquel contam que o clima no grupo de transição, que trabalhou nos últimos dias, foi colaborativo, mas nenhuma informação sigilosa da Lava-Jato foi passada:
— Ela dizia que só seria a procuradora-geral quando fosse a procuradora-geral. E, enquanto isso, ela só poderia ter acesso a informações sigilosas por decisão judicial. Como não houve, nem ela pediu, só agora é que começaremos a tomar conhecimento dos assuntos — disse um dos seus assessores diretos.
Além do mais, havia uma preocupação entre assessores da nova procuradora: se ficassem a par de tudo antes, as confusões de uma gestão poderiam contaminar a outra. Há uma impressão entre o grupo da procuradora-geral de que haverá daqui para a frente menos eventos na Lava-Jato. Mas não é verdade, segundo dizem alguns procuradores que lidam com o tema. Ainda há muito a se revelar e muitas providências para serem tomadas. Assessores do ex-procurador-geral Rodrigo Janot negam que houve correria no fim do mandato para enviar a segunda denúcia, apenas uma decisão coerente:
— Os quatro processos — do PT, PP, PMDB do Senado e PMDB Câmara — devem ser lidos juntos, porque são, na verdade, os mesmos delitos. Por isso Janot precisava enviar a denúncia contra o PMDB da Câmara antes de sair, para fechar esse ciclo — disse um assessor do ex-procurador-geral.
Por que Janot não foi? Essa era uma pergunta frequente entre as mais de 600 pessoas presentes na posse da nova procuradora-geral. Os dois lados admitem que Janot e Raquel nunca se entenderam, que houve brigas pessoais e diferenças fortes de estilo. Mas houve também complicadores. Todo o credenciamento ficou a cargo da presidência e era um funil ao qual Janot não queria se submeter. Se ele fosse, não estaria na mesa, apenas na plateia, em algum ponto de destaque longe o suficiente do seu duplamente denunciado Michel Temer.
Raquel Dodge estava na Procuradoria-Geral dos Direitos Humanos quando houve um esforço forte no combate ao trabalho escravo. Sua atuação provocou um recuo da prática e punição aos culpados, como, por exemplo, no processo que condenou o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira. Raquel Dodge estava no comando da Operação Caixa de Pandora, primeira operação de combate à corrupção a prender um político no exercício do cargo, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.
O que ela quer é permanecer no esforço da Lava-Jato e ao mesmo tempo abrir o leque das outras questões que na visão do seu grupo foram deixadas de lado. É isso que ela quis dizer quando afirmou no discurso que o Ministério Público tem “a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a de defesa dos direitos humanos”. Fontes da Lava-Jato garantem que não há preocupação de que a gestão dela reduza o combate à corrupção. Mas só um integrante da Força-Tarefa de Curitiba esteve presente ontem na posse.
Seja como for, em qualquer das duas áreas, o MP terá que confrontar o presidente Temer. Na área criminal, ele é hoje um denunciado pelo Ministério Público. Nas outras questões, o governo Temer tem sido marcado por ameaças ao meio ambiente, como a desafetação da Floresta de Jamanxin, por nomeações polêmicas para a direção da Funai. “É a maior agência de proteção dos direitos dos indígenas no mundo”, define o vice-procurador-geral.
A nova procuradora-geral será mais discreta em tudo, falará menos com a imprensa, terá menos frases-flecha, tem uma equipe mais fechada. Mas é impossível fazer com discrição o trabalho de “depuração” de um país, por isso suas ações acabarão tendo repercussão. Portanto, não haverá paz entre Ministério Público e o governo Temer.
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