terça-feira, 19 de setembro de 2017

Uma questão de estilo? | Merval Pereira

-O Globo

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, além de ser a primeira mulher a ocupar o cargo, terá de enfrentar a tarefa a que, aparentemente, se dispôs: de substituir o estilo frenético, digamos assim, do procurador Rodrigo Janot por um mais sóbrio, mas que não deixe preocupada a sociedade em relação ao futuro do combate à corrupção no país.

Chamou atenção, por exemplo, o fato de Raquel Dodge não ter tocado na Operação Lava-Jato em seu discurso de posse na Procuradoria-Geral da República, embora tenha reafirmado a disposição de combater a corrupção. Isso quer dizer que ela não pretende, como fazia Janot, e também a força-tarefa de Curitiba, dar protagonismo à Operação Lava-Jato, que não comandará diretamente.

Encarregou um auxiliar de fazê-lo, como se mandasse um recado a seus subordinados: a Procuradoria-Geral da República tem vários outros objetos de trabalho, entre eles a defesa dos direitos humanos das minorias, como os indígenas. Muitos estarão, a essa altura, achando que essa é uma postura que pode levar ao arrefecimento da Lava-Jato, mas só os fatos poderão mostrar qual caminho Raquel Dodge escolheu. Nada no seu passado indica leniência com a corrupção.

Num momento em que no Congresso articula-se mais uma ação contra a Lava-Jato, desta vez mais organizada, com uma CPI supostamente sobre a JBS, mas que, na verdade, quer utilizar-se das trapalhadas da delação premiada de Joesley Batista e companhia para restringir as delações premiadas, a nova procuradorageral vai ter que ser firme na manutenção do objetivo central do combate à corrupção. É difícil que ela mude o rumo das investigações. Pode ser que não dê a prioridade máxima à operação — que já está numa fase de menos investigações e maior dependência do STF, mas isso não pode significar mudança de rumo, só de estilo.

As operações nos estados, especialmente Rio e São Paulo, e em Brasília estão ganhando mais relevância. O próprio Rodrigo Janot já tinha admitido que se podia vislumbrar o final da Lava-Jato. Ele contou, recentemente, que uma deputada italiana, com quem conversou, o aconselhou a estabelecer um fim oficial das investigações, antes que uma “mão externa” o fizesse, por ser inevitável que as reações às investigações em algum momento conseguissem barrá-las com ações políticas.

É o que já está acontecendo, com uma ação orquestrada no Legislativo para frear a Lava-Jato, e no Judiciário, com a tendência a reverter a decisão do Supremo de permitir a prisão de condenados na 2ª instância. A parte mais relevante hoje da Lava-Jato está no STF, dos envolvidos com foro privilegiado, e se espalhou em outros foros por não ter relação com a Petrobras.

Quanto mais as investigações e denúncias chegam perto de parlamentares, mais a reação aumenta. E há ações cíveis contra partidos políticos que estão pendentes, e bancos podem vir a ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot acha que a Lava-Jato não pode ser uma investigação permanente, “mesmo porque a sociedade brasileira e o Estado brasileiro não podem ficar reféns de uma investigação eterna”. A força-tarefa da Lava-Jato foi renovada por mais um ano, mas os problemas financeiros prejudicam as investigações, especialmente pela redução de quadros da Polícia Federal envolvidos.

Mas a PF alega que as investigações foram reduzidas em Curitiba e cresceram em outros estados. O mais provável é que a nova procuradora-geral não reveja as delações premiadas já aprovadas pela gestão anterior, mas os critérios serão outros com as novas delações pendentes. Questões administrativas certamente ganharão importância na nova gestão, como a aplicação da regra que ela propôs no Conselho Nacional. Entre outras inovações, a que limita em 10% o número de procuradores que uma unidade do Ministério Público Federal pode ceder para participar de investigações em outra unidade.

Isso atinge o cerne da Lava-Jato, que sempre contou com especialistas do MPF. Há também a ideia de estabelecer 4 anos como período máximo de um procurador permanecer numa missão, o que tiraria da Lava-Jato atores que atuam nela desde o primeiro momento. O grupo perderia seus líderes, e sua memória, como os Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Sousa, que demonstram desânimo em certas ocasiões.

Será preciso compreender o que a procuradora-geral entende por “harmonia entre os poderes”, que tanto defendeu em seu discurso de posse diante de uma plateia de denunciados e investigados pela Lava-Jato, inclusive o próprio presidente Michel Temer

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