A semana passada foi marcada por novo atraso no andamento da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. A esperada leitura do voto complementar do relator Samuel Moreira (PSDB-SP) poderá ficar para a próxima semana, diante da piora no ambiente político e da falta de um entendimento firme entre as lideranças do Parlamento, os governadores e o Palácio do Planalto.
Como os sinais em torno das chances de aprovação de um texto que gere uma economia da ordem de R$ 800 bilhões ainda são favoráveis, aparentemente o mercado não ficou inquieto com mais esse tropeço. Mas é bom que investidores e a sociedade em geral fiquem atentos porque as incertezas políticas não são desprezíveis.
O novo atraso no processo, que já coloca no radar uma chance relevante de a reforma ser votada no plenário da Câmara dos Deputados apenas em agosto, decorre de uma combinação de fatores negativos. Entre eles estão a mudança na articulação política (que sob o ministro Onyx Lorenzoni já não funcionava bem, mas cria a incerteza sobre a validade de compromissos previamente assumidos); a comunicação no mínimo confusa do ministro da Economia, Paulo Guedes, com os parlamentares; e a posição ainda dúbia de alguns governadores que resistem a apoiar a inclusão dos Estados e municípios no escopo da reforma, além das pressões naturais dos diferentes setores da sociedade que serão afetados.
O Palácio do Planalto não conseguiu estabelecer um novo padrão de negociação com o Congresso, que, por sua vez, insiste em cobrar cargos e emendas e não se sente atendido. A articulação do governo não tem obtido sucesso nem mesmo para controlar o PSL, o partido do presidente da República, que apresentou uma série de emendas de viés corporativista na proposta da reforma.
Tudo isso se traduziu não só no atraso da absolutamente necessária emenda constitucional, como ajuda a entender porque o governo Bolsonaro teve mais uma queda em seus índices de aprovação na pesquisa Ibope, divulgada na última quinta-feira. Trata-se de um processo de deterioração intensa na avaliação sobre a figura presidencial e sua gestão, que mostra a percepção da população de que o governo tropeça em suas próprias pernas.
É muito preocupante o apreço que Bolsonaro demonstra por temas que, a despeito de terem feito parte do núcleo de sua campanha eleitoral, têm relevância diminuta para a necessidade maior do país, que é encaminhar a agenda econômica e enfrentar o drama de mais de 13 milhões de desempregados. Para ilustrar, basta lembrar que no primeiro semestre o presidente, com sua caneta, editou seis decretos sobre armas, boa parte deles porque teve que rever decisões sobre o tema tomadas de forma intempestiva e sem respaldo legal.
Ainda que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) tenha arregimentado o Congresso para assumir a tarefa de fazer a reforma da Previdência, o governo, em especial seu líder máximo, não pode ficar a reboque desse processo. Em um regime presidencialista, não é suficiente que Bolsonaro se contente com esporádicos apoios em redes sociais ou em breves entrevistas à reforma em tramitação.
Solucionar o problema do rombo previdenciário do país é urgente para colocar ordem nas contas públicas. Bolsonaro precisa se empenhar com mais afinco para o bem do seu próprio governo.
A aprovação da proposta de emenda constitucional que cria a nova previdência permitirá não só quedas adicionais de taxas de juros, como indica o Banco Central, mas dará mais tranquilidade ao ambiente político para que governo e Congresso consigam discutir outros temas necessários ao desenvolvimento sustentável do país. É o caso da reforma tributária, de medidas para ampliar o crédito e a competição bancária e em outros setores da economia e a agenda de desestatização para reduzir a dívida pública e melhorar a produtividade, entre outras iniciativas de mais curto prazo, como a liberação do PIS/Pasep e do FGTS.
Por outro lado, os governadores precisam também deixar de lado a ambiguidade e assumir de vez a defesa do projeto, mobilizando suas bancadas e enfrentando o desgaste político necessário. Ao Congresso, cabe tomar a decisão final e entender que cada dia de atraso, seja por motivo justo ou por frequentes picuinhas e interesses menores, custa empregos e renda.
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