Valor Econômico
Gros alertou há 20 anos risco de
intervenção nos preços da Petrobras
Em setembro de 2002, o então presidente da
Petrobras, Francisco Gros, fez ousada advertência, durante conferência em
Washington, a investidores americanos que tivessem dinheiro investido em ações
ou recibos de ações da estatal. Naquele momento, o Brasil estava à deriva
devido ao temor do mercado com a perspectiva de vitória, na eleição
presidencial daquele ano, do petista Luiz Inácio Lula da Silva, líder das
pesquisas de intenções de voto durante toda a campanha.
O dólar escalou a R$ 3,99 uma semana depois do 1º turno da eleição - em 10 de abril, estava em R$ 2,26 -, situação insustentável para o pagamento da dívida externa, tanto do ponto de vista do governo federal quanto das empresas estatais e privadas. De 1890 a 1990, o Brasil teria dado o calote 11 vezes, segundo levantamento de dois renomados economistas americanos - Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart -, publicado em “This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly” (Princeton University Press, em 2009). Para evitar novo vexame, o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, negociou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pacote preventivo de ajuda financeira, um reforço das reservas cambiais para desencorajar ataques especulativos à moeda nacional. Antes de viajar à capital americana, onde fica a sede do FMI, certificou-se de ter o apoio dos quatro principais candidatos à Presidência. A negociação seria inútil se não tivesse o endosso dos postulantes ao governo.
Em junho daquele ano, Lula tomara a
importante decisão de enunciar uma série de compromissos com a disciplina
fiscal, algo inexistente, até então, com o receituário econômico do PT.
Batizada de “Carta aos Brasileiros”, o documento não sossegou o mercado. Ora,
promessas inscritas numa folha de papel durante calorosa disputa eleitoral
costumam ter a mesma credibilidade das propagandas feitas por candidatos
durante o enfadonho horário eleitoral gratuito - nenhuma. Lula, porém,
endereçou aquela “Carta” aos petistas, algo como “pessoal, treino é treino,
jogo é jogo”.
Sem o documento, o petista cometeria
estelionato eleitoral com sua base eleitoral, afinal, os companheiros não
fundaram o PT havia mais de 20 anos, sob sua liderança, para ele aumentar a
taxa básica de juros (Selic) para 26,5% ao ano no primeiro mês de governo e
promover o maior arrocho fiscal até então, ao elevar a meta de superávit
primário (conceito que não inclui o pagamento de juros da dívida). Por mais
certo que tenham sido essas decisões, que, combinadas com inédita agenda
reformista na largada do mandato, derrubaram a inflação e deram solvência às
finanças públicas. É bom lembrar: intelectuais do PT ignoraram a “Carta” e
romperam com o governo petista nos primeiros meses.
Na conferência em Washington, antes da fala
de Francisco Gros, o então presidente do banco Itaú, Roberto Setúbal, causou
surpresa na plateia, repleta de investidores americanos, ao iniciar seu
discurso da seguinte maneira: “Boa tarde! Luiz Inácio Lula da Silva vai vencer
a eleição deste ano e isso não será um problema para o Brasil”. A
desconcertante confiança de Setúbal não teve acolhida nem dos investidores nem
do próximo palestrante.
Nascido François Robert André Gros, filho
de francês com brasileira, o então presidente da Petrobras foi um dos mais
destacados executivos que o mercado financeiro brasileiro já conheceu e,
também, um dos mais ilustres homens públicos do país. Gros presidiu o Banco
Central duas vezes, foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e
presidente do BNDES e da Petrobras. Por onde passou, fez contribuições que
ajudaram a aperfeiçoar as instituições públicas.
Sem meias-palavras. Gros avisou que, se
chegasse ao poder, o PT usaria a estatal para colocar em prática política de
preços irrealista e, portanto, nociva à companhia e também aos cofres públicos.
O alerta foi corajoso porque, como CEO, Gros em tese não deveria desestimular
seus acionistas a acreditarem na empresa. Por outro lado, é missão do dirigente
de uma sociedade de capital aberto prevenir investidores dos riscos que correm,
não esconder informações (naquele caso, desconfianças) quanto aos possíveis
rumos do negócio. Na verdade, o que Gros fez foi dar um grito contra o
populismo que grassa na política brasileira, à esquerda e à direita, desde
sempre.
Presentes ao evento, diplomatas e
funcionários do governo comandado pelo tucano Fernando Henrique Cardoso ficaram
constrangidos com as declarações de Gros. Falecido em 2010, Francisco Gros era
um economista liberal, formado em Princeton, uma das mais renomadas
universidades americanas.
O populismo sempre nos acompanhou, mas,
talvez, tenha se tornado mais impregnado na prática política nacional com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930. É verdade que Vargas foi o
responsável por modernizar minimamente o Estado brasileiro, mas foi também quem
inaugurou a prática da demonização das concessionárias privadas de serviço
público (energia, telefonia, trens etc), que desde o início do século XX eram
controladas por empresas estrangeiras. A ideia do inimigo transnacional teve
forte apelo na década de 1930, mesmo diante do elevado grau de satisfação da
população com as concessionárias estrangeiras. Desde então, os brasileiros
passaram a ver companhias estrangeiras e privadas com enorme desconfiança.
Durante a ditadura militar (1964-1985), o populismo perdeu força nos primeiros anos, de ajuste da economia, mas reacendeu durante a crise de hegemonia dos generais. Há algo mais populista que o antigo FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais), mecanismo que jogava para o Tesouro Nacional a diferença entre os juros pactuados em empréstimos habitacionais e a taxa real, isto é, o juro praticado durante o período do financiamento, ignorando-se, inclusive, a correção monetária (a inflação)? A conta foi bilionária, está sendo paga até hoje e decorreu do interesses dos militares em agradar - acalmar, na verdade - a classe média durante os anos de chumbo.
Um comentário:
Anos de chumbo vivemos agora,quer dizer,o chumbo continua.
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