quinta-feira, 9 de junho de 2022

Merval Pereira: Farol baixo

O Globo

'A lanterna na popa’ é o título do excelente livro de memórias escrito pelo ex-ministro e embaixador Roberto Campos, editado pela Topbooks em 1994. Tem a ver justamente com a visão do passado aos olhos do presente. A metáfora, desse modo, é virtuosa. A proposta de programa divulgada nestes dias pelo PT está baseada na versão perniciosa da lanterna na popa. Tenta voltar a um passado de glórias e se esquece do futuro.

Certa vez, em 1983, com o país ansiando por eleições diretas, uma entrevista coletiva do então governador de São Paulo, Franco Montoro, foi interrompida por alguém que gritou do fundo da sala, incomodado com a obviedade das propostas: “Farol alto, Montoro, farol alto”. Era o jornalista e escritor Otto Lara Resende, que faria 100 anos neste ano e será celebrado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), de que fez parte. E ele provocou: “Por que você não lidera uma campanha pelas eleições diretas? ”. O resto é História.

Pois o farol do PT, em vez de alto, ilumina o passado. Quando é um passado virtuoso, como a política de meio ambiente, muito bem. Mas o ex-presidente Lula deixa de ser uma contraposição ao atual presidente Bolsonaro quando não resiste a medidas populistas. Como faz agora, ao falar da crise do preço dos combustíveis. Desafiou ontem, numa entrevista, Bolsonaro a ter coragem de dizer “basta” à Petrobras, determinando, “com uma canetada”, que a estatal deixe de repassar a alta internacional dos preços do petróleo aos consumidores:

— Vocês vão ver que toda essa briga da redução do ICMS não vai resultar na bomba nem no botijão de gás nem no diesel, aquilo que ele [Bolsonaro] está criando de expectativa.

Lula deu sua receita:

— O que poderia fazer era o subsídio em cima desse lucro enorme da Petrobras.

Ora, tudo de que Bolsonaro gostaria seria resolver essa questão “com uma canetada” e subsidiar o preço dos combustíveis com os dividendos da Petrobras, que, segundo Lula, teve “lucros enormes”. Já mudou o presidente da Petrobras três vezes, mas esbarra sempre na legislação e nas normas internas, criadas com rigor justamente para evitar que o governo, acionista majoritário, abusasse de seu poder como aconteceu nos governos petistas.

Nada mais parecido que o raciocínio dos dois para resolver um problema complexo: uma solução simplista e errada. Bolsonaro quer torrar a privatização da Eletrobras, mais os dividendos da Petrobras, para subsidiar um combustível do passado. A declaração, que parecia improvisada, de Lula dizendo que vai “abrasileirar” o preço dos combustíveis está reproduzida no programa de governo, em linguagem mais elaborada:

— No caso dos preços dos combustíveis e tarifas de energia elétrica, é necessário implementar políticas que envolvam a consideração dos custos de produção no Brasil, os efeitos sobre os orçamentos dos consumidores e a expansão da capacidade produtiva setorial.

A mágica de regulação dos preços já foi tentada no governo Dilma e resultou numa crise econômica que enfrentamos até hoje. No programa do PT há apenas citações passageiras sobre os combustíveis do futuro: “mudar o padrão de consumo de energia no país, participando do esforço mundial para combater a crise climática”; “avanço da transição ecológica e energética para garantir o futuro do planeta, apoiando o surgimento de uma economia baseada na biodiversidade de todos os biomas brasileiros”.

Quanto ao papel da Petrobras nessa transição, poucas linhas, a não ser a indicação de que a estatal “será colocada de novo a serviço do povo brasileiro, e não dos grandes acionistas estrangeiros”. Como “de novo?”. Os fatos demonstram que a estatal foi colocada a serviço dos petistas e de seus aliados políticos, além de ajudar na política externa dos países esquerdistas vizinhos, como no caso da refinaria Abreu e Lima, feita para agradar a Chávez, o protoditador venezuelano que nos deu um calote bilionário.

O PT se gaba, em seu projeto de governo, de ter instituído “uma política de Estado de prevenção e combate à corrupção e de promoção da transparência e da integridade pública”. Mas “se esquece” de mencionar o mensalão e o petrolão, esquemas corruptos financiados com dinheiro desviado. O PT volta a apostar no pré-sal, antes chamado de “bilhete premiado”, agora de “passaporte para o futuro”, que “ajudará o desenvolvimento brasileiro e a transição energética, tanto no desenvolvimento tecnológico como nos próprios projetos de expansão de fontes renováveis de energia”.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Merval Pereira e sua antipatia-lulista.