sábado, 22 de outubro de 2022

Ascânio Seleme - Mentir pode?

O Globo

O pleno do TSE ganhou uma responsabilidade que transcende esta eleição e marcará todos os pleitos de agora em diante

O Tribunal Superior Eleitoral terá de responder em decisão colegiada se candidatos podem mentir em campanhas eleitorais. A decisão será balizadora do futuro, de resto bastante ameaçado em razão da própria mentira que se transformou no principal capital eleitoral de Jair Bolsonaro. Ao remeter para o plenário a decisão sobre o pedido de direito de resposta feito pelo PT, a ministra Maria Cláudia Bucchianeri não apenas transferiu ao colegiado uma decisão que podia ser sua (e que foi até ela voltar atrás), mas deu ao pleno do TSE uma responsabilidade que transcende esta eleição e marcará todos os pleitos de agora em diante.

O caso submetido a Maria Cláudia Bucchianeri é restrito a afirmações formais feitas em inserções da campanha de Bolsonaro e que o PT julga mentirosas. Mas a decisão que o tribunal tomar ao se reunir para decidir a questão será mais ampla do que isso. Se o plenário não der o direito de resposta a ilações claramente falsas estará autorizando a mentira. A ministra voltou atrás da decisão inicial por não suportar a pressão política feita pela campanha e pelos partidos que apoiam o presidente. A obrigação do colegiado é ser mais forte e refratário a pressões do que um ministro individualmente.

A decisão a ser tomada é tão importante que o tribunal antecipou o julgamento, marcado previamente para terça-feira, para ter início, virtualmente, à 0h de hoje. Pode ser que no momento em que você estiver lendo esta coluna o assunto já esteja resolvido. De todo modo, pode-se dizer que a reparação no caso do pedido do PT é excessivo, já que tiraria da campanha do adversário 164 inserções de 30 segundos. Mas, foi excessiva também a campanha mentirosa da candidatura de Bolsonaro. Ao GLOBO, o advogado eleitoral Eduardo Damian disse que quanto mais ofensiva for a campanha de um candidato, maior o risco de ela ser obrigada a conceder direito de resposta. É do jogo, é da lei.

Sobre a questão da Jovem Pan, que alega estar sob censura, o TSE agiu de acordo com a previsão legal. Mesmo que a emissora cumpra um papel político partidário nesta eleição, com viés absolutamente bolsonarista em sua programação, a emissora é um veículo de imprensa e deve ser tratada dessa forma. Sim, mas durante o período eleitoral o tribunal tem o direito e o dever de determinar que conteúdos sejam retirados do ar de uma emissora se julgar que eles são tendenciosos, mentirosos ou que desinformem o seu público em favor de uma candidatura. Pode também exigir que publique direito de resposta. É o que estabelece o Código Eleitoral.

Segundo o Código Eleitoral, divulgar durante período de campanha “fatos que se sabe inverídicos” a respeito de candidatos pode resultar em detenção de dois meses a um ano e multa. A pena é agravada em um terço até a metade do limite se for cometido por meio de imprensa, rádio, TV ou internet. Mas, por outro lado, não cabe ao tribunal determinar a uma emissora que certo conteúdo não seja veiculado sob pena de multa, como fez o TSE ao recomendar que a emissora se abstenha de afirmar que Lula mente quando diz ter sido inocentado. Ele pode estabelecer a punição prevista, mas depois da veiculação do material.

A imprensa tem obrigação de ser ou tentar ser sempre correta, ouvir todos os lados de uma questão, não mentir, não induzir seu consumidor ao erro, pautar a verdade e somente a verdade. No caso da Jovem Pan, há programas da emissora que até tentam ser plurais, com a presença de um jornalista que não compra o bolsonarismo explícito dos demais. Mas há também programas em que todos os titulares são apoiadores entusiasmados do presidente e de seu governo, o que pode levar o telespectador ao erro.

Mas, e daí? Daí, nada. Ela pode seguir sendo assim durante todos os meses de todos os anos, menos naqueles em que oficialmente estão no ar as campanhas. Nesse caso, corre o risco de ter que se confrontar com a lei eleitoral.

Pacotaço

Bolsonaro age como se fosse vencer a eleição. Como se fosse ele quem tem seis milhões de votos de vantagem sobre o adversário, e não o contrário. O candidato e sua turma anunciam planos de modo categórico. Não dizem mais “se ganharmos a eleição …”. As últimas afirmações peremptórias são de que vão aprovar sua pauta conservadora e que vão cassar o ministro Alexandre de Moraes ainda no primeiro trimestre do ano que vem. O excesso de confiança, mesmo que falso, gera demônios também. Primeiro foi a ideia de ampliar e impor limites ao STF, que pegou mal. O segundo, que soa agora como traição ao eleitor, foi a do pacotaço de Paulo Guedes, que sairia no dia seguinte ao da eleição, com medidas econômicas para enfrentar a festança de gastos eleitorais, como manter o mínimo e a aposentadoria sem correção.

O papelão de Michelle

Cumprindo seu papel de mulher fiel, evangélica e dona da moral e dos bons costumes, Michelle Bolsonaro tem seguidamente se jogado ao chão aos prantos, se ajoelhado diante de fiéis clamando a Deus que eleja seu marido. Em suas aparições em templos evangélicos ela se comporta como se estivesse tomada por uma força mística, cósmica, divina. E é isso o que ela quer passar aos espectadores das cenas que protagoniza como aprendiz de atriz. Há quem compre.

Festival de mentiras

Fala de Lula em entrevista ao Flow, em que repete o que disse o adversário sobre mentir em campanha eleitoral, foi editada e publicada por Silas Malafaia como se fosse originalmente do petista. Não há nada mais sórdido do que isso, porque mistura fake news com desonestidade intelectual. E se Malafaia disser que não sabia, estará mentindo outra vez. Outro pastor que também gosta muito de dinheiro, André Valadão, postou um vídeo maroto em que diz que o tribunal o proibiu de dizer que Lula é isso ou aquilo, desfiando o rosário de fake news que se conhece. Era mentira, o TSE não o intimou a nada. Tem muitos que confiam e até glorificam gente assim.

Negando pesquisa

É fajuto o argumento de que bolsonaristas estariam sendo estimulados a mentir nas pesquisas para que os institutos errem no cômputo final. Duas razões simples destroem o argumento. Primeiro, não é possível se alcançar um volume de pessoas para cumprir a missão de forma a fazer sentido estatístico. Segundo, o perigo que resultaria se a coisa funcionasse é enorme. Os números inflariam a candidatura de Lula e esvaziariam a de Bolsonaro, causando um fluxo de votos decisivos em favor do favorito, como pode ocorrer. E, depois, se pesquisas não importassem, Arthur Lira não estaria atentando contra elas.

Notícias da corrupção

O primeiro argumento usado pelos antipetistas para votar em Bolsonaro é a corrupção nos governos Lula e Dilma. Correto, não se deve transigir com a corrupção. Mas, é verdade também, que é preciso conhecer a história toda antes de fazer qualquer juízo político. No Petrolão, por exemplo, que existiu, todo mundo sabe, os partidos que mais roubaram foram o PP, de Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil de Bolsonaro, e o PL, partido do notório Valdemar Costa Neto e que abriga também o presidente que concorre à reeleição. Os mesmos partidos que agora nadam de braçada no orçamento secreto bilionário. O PT não é santo, mas tem outros diabos por aí, é só olhar com atenção para achar.

A comunista

Neca Setubal, bisneta e tataraneta de viscondes, marqueses e barões, herdeira e acionista do Banco Itaú, uma das mulheres mais ricas do Brasil, está sendo chamada nas redes bolsonaristas de comunista. Por quê? Porque declarou apoio a Lula. Pior é que, não sabem, ela já era comunista, desde a eleição de 2014, quando apoiou Marina Silva.

Dois livros

1-) “O outro lado do poder” é um trabalho de pesquisa que conta a história da política nacional dos últimos 70 anos desde o ponto de vista da prostituição. Trata-se do segundo livro do autor, o jornalista e escritor Silvio Barsetti, que investigou e visitou bordéis e cabarés frequentados por lobistas, parlamentares e até presidentes da República, para mostrar como funciona a membrana que envolve o poder e o sexo desde a era Vargas. 2-) “Sem luta não se vive” é um romance envolvente que mistura diversos ingredientes do nosso dia a dia no Rio, como a milícia, a violência urbana, e os eternos dramas sociais. Este é o quarto livro do autor, médico e escritor Almir Ghiaroni.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente coluna! Parabéns ao jornalista e ao blog que divulga o seu trabalho e as suas opiniões tão bem colocadas! É papel da imprensa divulgar análises e opiniões coerentes, ainda mais num período tão conturbado quanto o atual!

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom e informativo a coluna do jornalista.