Folha de S. Paulo
O governo nem começou e já tem gente
cravando seu fracasso
Entendo e até simpatizo com a expressão
"votei nele, mas serei oposição desde o primeiro dia de governo".
Numa eleição
polarizada como foi a nossa, muita gente acabou votando no Lula sem gostar
dele, e sabe que, uma vez começado o novo governo, divergências profundas a
levarão naturalmente para a oposição. Foi graças a esse compromisso que se
formou uma frente ampla para eleger Lula por uma
vantagem ínfima; e a separação futura é do jogo.
Só que o governo nem começou, não temos a menor ideia de quem serão os
ministros e já tem gente cravando seu fracasso. Para alguns, 2022 nem terminou
e já somos uma Venezuela e a culpa é do Lula.
Isso era esperado de quem votou em Bolsonaro com
convicção. Muitos desses torcem abertamente para que o governo fracasse e o
Brasil afunde. Poderão, assim, dizer que estavam certos, e essa vingança
imaginária contra "a esquerda" é o principal motor de sua
participação política. Mas mesmo outros, mais moderados, e até alguns eleitores
da "frente ampla", que querem realmente que o Brasil dê certo, estão
nessa toada, já desesperados pelo fracasso por antecipação.
Só agora a equipe
de transição começa a ser escolhida; e ela está bem diversa. Na educação,
temos Priscila Cruz, Neca Setubal, Alexandre Schneider; quadros bem longe do
petismo.
A equipe econômica da transição, por mais que possa ser criticada, é bastante
razoável se considerarmos o que poderia ter vindo. Um mix de
desenvolvimentistas e liberais é bem o que se espera depois de Lula ter, ainda
na campanha, prometido que seu governo não seria um governo "apenas do
PT".
Mas é claro que ele será "também do PT". Se alguém imaginou que a
equipe econômica do novo governo seria a mesma do Plano Real, é óbvio que
estava sonhando. Mas um equilíbrio, talvez com a Fazenda mais para o lado
ortodoxo, e o Desenvolvimento para o heterodoxo, com Lula arbitrando cada
conflito que inevitavelmente surgirá, já estaria de bom tamanho.
Além dessa equipe, vieram algumas falas
desastradas de Lula, criando uma oposição entre regras fiscais e
justiça social, que é ilusória: sem o fiscal minimamente em ordem, a crise
social é uma certeza. Mas extrair dessa fala o rumo real do governo é mais
torcida do que avaliação equilibrada.
É claro que, se o Congresso aprovar uma PEC de transição com 175 bilhões de
gastos fora do teto para os próximos quatro anos, será muito difícil fugir do
rumo da irresponsabilidade. Mas se ela for apenas para cumprir as promessas do
ano que vem, ainda haverá muito espaço de manobra e indefinição.
Idealmente, todo mundo —mesmo quem votou contra o vencedor— deveria estar agora
disposto a colaborar pelo bem do Brasil. A crítica virulenta e sem base, que
promove a demonização do futuro governo por todo e qualquer deslize, além de ser
ruim enquanto análise, também contribui para tornar ainda mais tóxico o debate
público.
Tudo de que não precisamos agora é que
vozes minimamente racionais reproduzam a polarização burra dos últimos quatro
anos sem sequer dar uma chance à moderação e ao diálogo.
Será que o governo real, que começa dia 1º de janeiro, tentará realmente esse
equilíbrio entre o PT histórico e sociedade civil? Ou será que, uma vez começado,
ele apostará de vez na radicalização? Isso ainda não sabemos. Mas tratar uma ou
outra fala fora de lugar como se fosse o Diário Oficial da União e cravar o
fracasso de um governo que nem começou, além de não contribuir em nada, pode
atrapalhar. É pedir o divórcio antes mesmo da lua de mel.
4 comentários:
Temos que acreditar que alguém vira para tirar o nosso país do sufoco, não interessa quem, chega desse atraso. Ter esperanças e positividades é o único que nos restam e acreditar no Brasil.
Como diz alguém nesse blog, Jesus no comando.
Acho correta e sensata a avaliação do colunista! Mas, o que teremos, é Lula no comando... Com histórico de muitos acertos na política econômica e social, mas muitos erros e problemas de corrupção e política partidária.
Eu só vi e li elogios até agora,e quem sempre coloca Jesus no leme sou eu,rs.
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