domingo, 12 de março de 2023

Dorrit Harazim - Tudo errado

O Globo

A semana termina com a suspeita de que as faiscantes joias-ostentação têm cara, cheiro e delivery de propina

A sigla em inglês, OCCRP, é troncha, difícil de ser memorizada. Seu nome por extenso — Projeto de Reportagem sobre Corrupção e Crime Organizado, em tradução literal — também poderia ser mais user friendly. Pouco importa. Em menos de duas décadas de atuação, esse respeitado consórcio global de jornalismo investigativo já ocupa o 69º lugar na lista das 500 organizações não governamentais mais eficazes do planeta. Seu raio de apuração se estende por seis continentes a uma média anual de 150 devassas mundo afora. Boa parte delas cabeludíssimas e de difícil execução. O consórcio atua em rede justamente para poder combater outra rede ainda maior, de tentáculos múltiplos: a corrupção política, militar ou econômica que ameaça corroer as instituições democráticas em um ou mais países. A plataforma publica uma atualização diária de casos em andamento, conta com 6 milhões de visitantes por mês e ensina a farejar o ilícito oficial.

Tem mais. Desde 2012, a organização também designa a sua Personalidade do Ano — leia-se, o agente (humano ou empresa) que ao longo dos 12 meses anteriores teve papel mais destacado na promoção de malfeitos. O turco Recep Tayyip Erdogan e Donald Trump são os finalistas mais frequentes elencados pelo júri de nove acadêmicos, jornalistas investigativos e ativistas internacionais. Mas nunca chegaram ao topo. Em compensação, Vladimir Putin (já em 2014), Nicolás Maduro (2016), o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte (2017), a financeira dinamarquesa Danske Bank (2018, por lavagem de R$ 1,3 bilhão) e o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko(2021), estão lá, no alto, como “indivíduo ou instituição que mais contribuiu para o crescimento da corrupção e da atividade criminosa organizada no mundo”.

Em 2020, o duvidoso laurel coube ao então ainda presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que pode se gabar de ter derrotado por pouco dois concorrentes de peso, Trump e Erdogan. Os três tinham em comum ter se cercado de figuras corruptas, minar o sistema judiciário e várias outras instituições democráticas, desconsiderar acordos multilaterais e dirigir seus países para uma governança autocrática.

— Foi difícil escolher o pior — disse o cofundador da OCCRP Paul Radu.

O fator de desempate parece ter sido a escancarada ofensiva do governo Bolsonaro contra a preservação da Amazônia e a porteira aberta durante seu governo para o desmatamento e a exploração ilegal em terras indígenas. Mas o esquema das “rachadinhas” envolvendo a penca de familiares do clã presidencial, mais a esbórnia generalizada no entorno do poder, também contribuiu.

À época da escolha da Personalidade de 2020, os desvios, os desmandos e a irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro na mortandade nacional por Covid-19 ainda não haviam sido mapeados por inteiro. Nem a OCCRP poderia imaginar que o presidente eleito por 57,8 milhões de brasileiros em 2018 (55,13% dos votos) e derrotado quatro anos depois por pequena margem sairia do país à sorrelfa com uma muamba saudita contrabandeada. De qualquer ângulo que se olhe para o mimo de R$ 16,5 milhões endereçado à madame e o regalo da mesma Maison Chopard para monsieur, vê-se um condensado do que foi o governo Bolsonaro. Está tudo errado, à margem da legalidade, com personagens escusos em todas as pontas. De presente oficial da Casa de Saud, segundo a versão inicial, a semana termina com a suspeita de que as faiscantes joias-ostentação têm cara, cheiro e delivery de propina. Com um sem-fim de agentes intermediários militares, na ponta brasileira, e interesses ainda anônimos na outra ponta. Seria interessante apurar se a Chopard também fabrica tornozeleiras cravejadas de diamantes.

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Em tempo: no ano passado, a escolha da Personalidade de 2022 recaiu sobre o oligarca russo e líder mercenário Yevgeny Prigojin, “por seus incansáveis esforços para a ampliação da teia de corrupção em benefício de Vladimir Putin”. Hoje, como sabemos, o mesmo Prigojin e seu grupo paramilitar formado por presidiários que trocaram o cárcere pelo alistamento militar praticam as matanças mais brutais e extremas na Ucrânia. Vale registrar que o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ficou entre os finalistas por sua extensa folha corrida de crimes contra a democracia — os mesmos que o presidente Lula e parte do PT saudosista teimam em não reconhecer.

5 comentários:

Anônimo disse...

"...vê-se um condensado do que foi o governo Bolsonaro. Está tudo errado, à margem da legalidade, com personagens escusos em todas as pontas."

Pilantra se junta com bolsona..., digo, pilantra.

Anônimo disse...

Olhe lá: o 'Muambolsonaro' pode ser novamente ganhador do OCCRP Award 2023, com o irreprochável case de contrabando das jóias de Madame e Monsieur Voleurs B

Anônimo disse...

O prêmio "CRIMINOSO DO ANO" realmente foi muito justamente atribuído ao miliciano ex-presidente! O mito que se acovardou...

Anônimo disse...

O "Meu vilão favorito" de 49% dos eleitores brasileiros!

ADEMAR AMANCIO disse...

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