Folha de S. Paulo
Diplomacia presidencial parece começar a
dar rumo ao protagonismo além-fronteiras
Em Paris, na semana passada, o presidente
Lula discursou duas vezes. Para a multidão que participava do festival Power
Our Planet, ao ar livre, no Champ de Mars, escalou nos decibéis ao cobrar dos
países ricos uma paga pela devastação
ambiental que promoveram para se tornar o que são.
À parte um momento de miopia autoprovocada —faz tempo, afinal, que também as nações menos desenvolvidas ajudam a fomentar o desastre planetário—, não disse coisa nova: ecoou o princípio das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas", consagrado já em 1992 na Unfcc (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) e desde então integrado à diplomacia brasileira. O texto obriga os países membros da convenção a defender o clima "com base na equidade e em conformidade com suas respectivas capacidades".
Na segunda fala, dirigiu-se aos chefes de
Estado e representantes de organizações internacionais reunidos na Cúpula
por um Novo Pacto Financeiro Mundial. Convocada pelo presidente francês,
Emmanuel Macron, a reunião levou à cena a reforma das instituições
multilaterais para adaptá-las aos desafios financeiros e econômicos nascidos da
crise climática —em especial, como apoiar a transição energética dos países do
chamado Sul Global.
Para esse distinto público, o brasileiro
foi duro ao tratar da obsolescência das instituições de Bretton Woods em face
do aumento exponencial das desigualdades e do imperativo de tratar pobreza,
iniquidades e ameaça climática como dados da mesma equação.
Eis por que na capital francesa a
diplomacia presidencial parece ter começado a dar rumo promissor ao
protagonismo além-fronteiras, dessa vez, sim, nos temas em que a contribuição brasileira
pode ser positiva e importante —o avesso da fantasia extravagante de influir no
conflito produzido pela invasão russa da Ucrânia.
Somados os dois discursos e descontada a
retórica por vezes áspera e rombuda, equivalem ao estabelecimento de relações
estreitas do Brasil com a ideia de justiça climática. Esta, como se sabe, leva,
de um lado, à constatação de que as consequências do aquecimento global serão
bem piores para as populações mais pobres e vulneráveis; de outro, à
necessidade de tratar conjuntamente riscos ambientais e carências sociais.
O papel internacional do Brasil nessa
matéria se alicerça na importância para o mundo de seu patrimônio ambiental e
da experiência de redução da pobreza e das desigualdades. Mas será tanto maior
quanto for a aptidão do governo em ter a justiça climática como guia para
entrelaçar as políticas sociais e ambientais em curso.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Um comentário:
Muito bom o artigo.
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