O Globo
Bolsonaro pode ter pouca capacidade de
transferir votos e muita dificuldade de atravessar os longos anos de ostracismo
eleitoral
Cinco ex-governadores de São Paulo tentaram
a presidência. Todos perderam. Paulo Maluf, Mário Covas, Orestes Quércia, José
Serra e Geraldo Alckmin. A ideia de que Tarcísio Gomes de Freitas tem chance de
vencer em 2026 por ser governador de São Paulo e se receber as bençãos do
inelegível é prematura e contra os fatos. A hipótese de que Bolsonaro seja
capaz de ir de capitão a cabo eleitoral depende de inúmeros fatores, mas o mais
importante deles é o desempenho do governo do PT.
No Brasil, sempre houve extrema direita. Bolsonaro não inventou nada. Afinal este é o país em que a extrema direita deu um golpe, passou 21 anos no poder, cometeu inúmeros crimes e, ao sair, nenhum dos seus criminosos foi punido. E até hoje existem aberrações como a proposta de Tarcísio de Freitas de homenagear Erasmo Dias, para emular quem louvava o torturador Brilhante Ustra. O que Bolsonaro representou de novidade foi quebrar o princípio de que para ser eleito é preciso caminhar para o centro. O princípio permanece em vigor. A eleição de 2018 foi um ponto fora da curva, que não tem explicação simples.
O fenômeno da transferência de voto é um
dos mais imprevisíveis que existem na política. O que é possível, mas não
garantido, é o incumbente, num momento de alta popularidade, transferir votos.
Foi o que se viu com o presidente Lula em 2010 em favor da ex-presidente Dilma
Rousseff. O ex-presidente Fernando Henrique não foi capaz. Mas é fácil imaginar
que alguém que estará no limbo eleitoral, por oito anos, terá muito mais
dificuldade de transferir votos.
Lula sobreviveu à perda de poder, aos
processos e à prisão, mas teve com ele um partido organizado, uma militância
engajada e a grande aprovação ao sair. Bolsonaro fez um governo ruim,
administrou mal a crise da pandemia, manteve sua militância mobilizada com
discursos de ódio e uma máquina de fake news montada no Palácio. O
ex-presidente nunca foi um agregador, nem pessoa de partido político. Está no
nono partido. Conseguiu sair até daquele com o qual chegou ao poder. Como
político, a única lealdade que demonstrou foi em relação à sua família.
Há muita superestimação da capacidade de
Bolsonaro de permanecer determinante na política. Nada em sua trajetória indica
isso. Ele era político periférico, com ligações com o submundo do Rio de Janeiro
e que chegou à presidência em circunstâncias específicas.
É prematuro fazer qualquer análise sobre o
futuro político de Bolsonaro, tendo ele tantos processos e um longo período de
ostracismo pela frente. Os primeiros sinais não foram bons para ele. Não houve
comoção entre seus seguidores com sua inelegibilidade. Não houve sinais — e a
política é o jogo dos sinais — de apoio por parte dos principais líderes
políticos da direita.
O eleitorado de direita procurará algum
candidato oposto ao do PT. Será tanto maior a chance desse grupo, quanto pior
for o desempenho da terceira administração Lula. Até agora há bons resultados
em algumas áreas, apesar das declarações destoantes do presidente da República.
Na política externa, permanece a ambiguidade em relação aos regimes
autoritários, como o da Venezuela e o da Nicarágua. É notável o esforço de
aumentar o relacionamento com os países vizinhos, seja os do Mercosul, seja os
países amazônicos. Será inútil se não houver um projeto claro. Será
contraproducente se for para defender governos autoritários. Falta visão
estratégica à política externa.
A economia tem surpreendido positivamente.
O ministro Fernando Haddad teve conquistas importantes que podem ser medidas
diariamente. Ontem, por exemplo, o Focus mostrou que a expectativa mediana do
mercado para os juros do final do ano caiu para 12%. Nas próximas quatro
reuniões do Copom, os juros vão cair 1,75 ponto percentual. O arcabouço que ele
teria que divulgar agora está praticamente aprovado. O déficit público, que no
começo do governo estava previsto em 2,3% do PIB, será em torno de 1%.
No combate ao crime e na defesa dos
direitos humanos, a Terra Indígena Yanomami é um exemplo. A força-tarefa do
governo Lula fez o que parecia impossível na retirada dos garimpeiros ilegais e
levou o socorro aos indígenas. Impôs a força do Estado em território entregue
ao crime pelo governo anterior. Há muitos desafios pela frente em várias áreas.
O que definirá o futuro será o desempenho de Lula, e não a suposta força do
inelegível.
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