segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Bruno Carazza* - A favor da cota para as mulheres nos três Poderes

Valor Econômico

Não há como imaginar que reserva de lugares para mulheres piorará o país

Faleceu na quinta-feira (21) Tereza Grossi, diretora de Fiscalização do Banco Central entre 2000 e 2003. Servidora de carreira, ela galgou todos os postos de chefia no órgão, sendo a principal responsável pelo processo de modernização dos métodos de supervisão bancária num momento crucial da economia brasileira, quando a estabilização inflacionária expôs as vulnerabilidades das instituições financeiras logo após o Plano Real. Muito elogiada pelos seus contemporâneos em função de sua competência técnica, Tereza Grossi é também lembrada por ter sido a primeira mulher a ser nomeada para a diretoria do Bacen e a integrar o Comitê de Política Monetária (Copom), o colegiado que define a meta da Selic, a taxa básica de juros.

Criado em 1965, o Banco Central só veio a ter uma mulher na sua instância mais elevada 35 anos mais tarde, depois de outros 89 homens terem sido escolhidos para dirigir alguma área da instituição. A conquista de Tereza Grossi é notável por romper um longo passado de predominância masculina, mas quando olhamos para a história desde então, pouca coisa mudou. Desde que Armínio Fraga indicou Tereza Grossi para a diretoria, em março de 2000, outras quatro mulheres foram nomeadas para a diretoria do Bacen, contra 43 homens. Sim, os presidentes da República no Brasil escolhem dez vezes mais homens do que mulheres para conduzir a política monetária no país.

Não se trata de falta de opções: algumas das principais instituições financeiras têm mulheres como economistas-chefe ou integrando seus núcleos estratégicos, assim como o próprio Banco Central e outros órgãos da área econômica do governo possuem servidoras de carreira qualificadas em posições de responsabilidade. Quando surge uma vaga na diretoria do Bacen, porém, na imensa maioria dos casos a opção recai sobre um homem.

O que acontece no Banco Central está longe de ser uma exceção. Números do Conselho Nacional de Justiça indicam que desde 2000 candidatas mulheres preenchem entre 35% e 46% das vagas ofertadas nos concursos públicos para a magistratura a cada ano. Graças a esses bons resultados, o contingente de juízas vem subindo nas últimas décadas, estando hoje em dia na casa de 38% de todos os magistrados (as) no Poder Judiciário.

Apesar da crescente entrada de mulheres para a carreira judicial, sua ascensão aos postos mais altos da magistratura ainda enfrenta resistências. As magistradas ocupam somente 21% dos postos de desembargadores dos Tribunais de Justiça estaduais e nos Tribunais Regionais Eleitorais, 19% nos Tribunais Regionais Federais e ridículos 5% na Justiça Militar. A situação só é um pouco melhor nos Tribunais Regionais do Trabalho; único órgão em que as juízas são maioria (51%), mesmo assim sua segunda instância ainda é dominada em 60% por homens.

Foi apenas em 1999 que o Superior Tribunal de Justiça empossou a primeira mulher, Eliana Calmon. Atualmente são seis ministras, numa Corte com 33 integrantes (18,2%). No Supremo Tribunal Federal, a primeira mulher foi nomeada em 2000, com a ministra Ellen Gracie. As outras duas representantes femininas na história do Supremo estão na Corte atual: Cármen Lúcia e Rosa Weber. Com a atual presidente do STF prestes a se aposentar, Lula sinaliza que indicará um homem para o seu lugar, reduzindo ainda mais a representatividade feminina na cúpula do Judiciário.

Desde a semana passada magistradas de todo o país estão mobilizadas pela aprovação de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que propõe a alternância entre homens e mulheres no preenchimento de vagas abertas na segunda instância, segundo os critérios de antiguidade e merecimento.

A causa é justa. São inúmeros os benefícios de uma maior presença feminina nos postos mais altos do Judiciário. A atuação séria e serena das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, tão diferente de seus colegas de toga, homens seduzidos pelos holofotes da mídia e dos contatos políticos e empresariais, ilustra bem o potencial de ter mais mulheres desembargadoras e ministras nas Cortes brasileiras.

O mesmo acontece no Legislativo. Dos 39 deputados e senadores investigado pela CPMI dos Anões do Orçamento, em 1993, havia apenas uma mulher. Em 2006, o Congresso investigou o envolvimento de 90 parlamentares num esquema de superfaturamento na compra e distribuição de ambulâncias e equipamentos médicos. Na lista da CPMI dos Sanguessugas estavam presentes apenas sete deputadas e uma senadora.

Entre os arrolados no processo do mensalão no STF, não havia nenhuma parlamentar. E entre dezenas de congressistas envolvidos na Operação Lava-Jato, as investigações contra deputadas ou senadoras foram raríssimas.

Diante de um Congresso historicamente dominado por homens, não dá para vislumbrar que a instituição de uma cota de 50% para as mulheres nas cadeiras da Câmara gerará resultado pior do que essas evidências apontam.

A exigência de 30% de mulheres nas listas de candidatos e nem mesmo a determinação de que o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral fosse distribuído de modo proporcional às candidatas não foram suficientes para fazer a participação feminina na Câmara passar de 20% das cadeiras.

Com partidos dominados por homens, as iniciativas de estimular a representação de mulheres na política é sempre sabotada por laranjas, fraudes e anistias.

A única forma de termos um Congresso com mais mulheres é instituindo uma cota de 50% das vagas para mulheres. Já.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

2 comentários:

marcos disse...

Piorará sim, pois piorará a democracia.
MAM

ADEMAR AMANCIO disse...

Mulheres já!