domingo, 19 de novembro de 2023

Dorrit Harazim - O possível

O Globo

Falta quase tudo para imaginar o nascimento oficial de uma nação palestina. Mas a História está cheia de viradas

‘A realidade é uma das possibilidades que não posso me dar ao luxo de ignorar’, escreveu Leonard Cohen em seu romance experimental dos anos 1960, “Beautiful losers”, considerado bizarro até mesmo para aqueles tempos. (Posteriormente a obra virou cult, em parte por frases incompreensíveis como “Beijá-la ali foi adentrar em algo privado e ossudo como o ombro de uma tartaruga”.) Poeta e trovador gigante, Cohen explorou a vida e pôde cantar suas profundidades com lirismo. Para o planetinha estressado dos tempos atuais, o luxo da ignorância acabou. É hora de encarar a realidade — no caso, a necessidade do possível. E, no Oriente Médio, essa necessidade do possível se chama Estado Palestino.

A cada nova semana de avanço das tropas israelenses sobre Gaza, visando a aniquilar a estrutura do Hamas e, quem sabe, resgatar os cerca de 240 reféns em mãos terroristas, mais clara fica a necessidade de um compromisso. Não se trata aqui de imaginar que o fluxo da humanidade vá, de repente, se dar as mãos e formar uma base capaz de dissolver a lógica da guerra. Afinal, não são os cidadãos que desencadeiam e fazem guerras, são as lideranças políticas.

O ataque-surpresa de 7 de outubro último, com requintes de crueldade no assassinato de mais de 1.200 civis israelenses pelas Brigadas Al-Qassam do Hamas, tem contexto histórico, mas nunca terá justificativa. Representa um dos momentos mais perversos de desumanização da espécie. A feroz resposta escolhida pelo governo israelense de Benjamin Netanyahu, por sua vez, tem sido de terra arrasada contra Gaza — como se a população civil do enclave fosse mero estorvo a descartar. Erro grave de um líder vulpino e astucioso como Bibi, de quem se podia esperar o pior, mas que tem se saído ainda pior que o esperado.

Contrário a qualquer sugestão de cessar-fogo, mesmo temporário visando a fornecer, água, comida e luz à massa de palestinos encurralados por bombas, Netanyahu começa a perder alianças cruciais para tempos de guerra. Palavras contam, e o ligeiro recuo semântico dos Estados Unidos em relação à estratégia de Netanyahu sugere que o histórico apoio incondicional movido a uma ajuda militar anual de US$ 4 bilhões pode ter nuances. Nesta semana, Becca Balint tornou-se a primeira congressista judia americana a somar seu nome a 32 outros deputados democratas que exigem um respiro, uma pausa humanitária. E, no futuro, quem sabe, uma conferência de paz para a criação de uma Palestina laica e não terrorista, que englobaria Cisjordânia e Gaza.

É da própria sociedade israelense, ainda atordoada e dividida, que precisará vir a pressão por uma solução de conciliação com seus vizinhos palestinos. Por ora, a exigência nacional se concentra no retorno dos reféns de mais de 40 nacionalidades aprisionados no inferno de Gaza. Destes, 31 têm mais de 70 anos, dois são crianças de 4 e 8 meses sem mãe nem pai por perto e 23 são adolescentes de menos de 18 anos. Até a sexta-feira a tropa israelense anunciou ter encontrado os restos mortais de duas reféns. Entre escombros.

Segundo o veterano jornalista investigativo Seymour Hersh, que, apesar de derrapadas recentes, tem no currículo revelações históricas como o massacre de My Lai e a tortura na prisão iraquiana de Abu Ghraib, os jihadistas responsáveis pelo 7 de outubro estão com o protagonismo em baixa. A liderança política do Hamas (que prefere nem pôr os pés em Gaza) fez saber a Israel que aceita intermediar a libertação dos reféns em troca de ser deixada em paz como grupo político. Seu líder e negociador mais astuto, Yahya Sinwar, cumpriu 22 anos de prisão em Israel por homicídio, fala hebraico fluentemente e tem pretensões de se tornar um interlocutor indispensável.

Falta muito, falta quase tudo, e de qualquer ângulo que se olhe, para imaginar o nascimento oficial de uma nação palestina. Mas a História está coalhada de viradas. No auge da matança da Guerra do Vietnã, alguém imaginaria que um dia um presidente dos Estados Unidos (Barack Obama) almoçaria num botequim de Hanói a convite do saudoso Anthony Bourdain?

Por enquanto, uma das preocupações mais imediatas é com o insidioso movimento de supremacistas brancos mundo afora, que pretendem defender a causa palestina apenas para reforçar seu antissemitismo. A eles se juntarão, no extremo oposto, os colonos (cada vez mais armados) assentados em terras palestinas pelo governo de Israel. São dois grupos humanos movidos pelo medo. E o medo, como sabemos, não nos impede de morrer — apenas impede de viver.

 

4 comentários:

Daniel disse...

Muito bom! A colunista nos informa sobre 2 bebês e 23 crianças entre os reféns levados pelo Hamas. Mas não escreve sobre as mais de 4.800 crianças palestinas mortas pelos ataques israelenses. Fazer o quê? Cada colunista escolhe os detalhes que quer mostrar pra seus leitores... Mas sua visão geral é muito acima da média (pobre) do que vemos no colunismo brasileiro.

EdsonLuiz disse...

■Dorrit Harazin é jornalista, não é militante apoiadora de fundamentalismos!

■Uma jornalista extremamente responsável como Dorrit Harazin não pode incorrer no erro de repercutir o que falam os terroristas ou o que falam seus apoiadores.

Mesmo uma declaração de um funcionário local da ONU ou alguém que atue em uma agência da ONU com mandato indicado por sabe-se lá quem não pode ser repercutido por um/a jornalista.

Morrem crianças no combate de Israel aos terroristas!
■Os terroristas usam as crianças palestinas como escudo e por isto morrem crianças.
▪O PT e Lula fazem quarenta curvas em suas falas para não chamarem o Hamas pelo que o Hamas é:: TERRORISTAS.
▪E Lula e o PT se negam a falar que crianças palestinas estão morrendo porque os terroristas usam crianças como escudo.

Lula e o PT dão apoio ao terrorismo do Hamas há anos e não seria agora que Lula e o PT iriam evitar de colocar obstáculos a que Israel consiga neutralizar o Hamas. O que o Hamas acabou de fazer mais uma vez não tem a menor importância para Lula e para o PT.

■Lula e o PT (e Putin, e Xi Jiping, e Kim Jong-un, e os Aiatolás do Irã, e...) querem o Hamas preservado e vão fazer tudo para atrapalhar o combate aos terroristas.

■Há crianças palestinas que morrem por os terroristas usarem crianças como escudo.▪Por maior cautela que um soldado que combate terroristas tenha, criança vão morrer por causa dos terroristas se elas forem usadas.

Mas Lula e o PT, covardemente, fazem questão de inverter tudo, fazem questão de confundir tudo e tentar impor a narrativa de uma realidade paralela que só existe na cabeça do coitado do militante doutrinado, porque o dirigente petista este sabe que ele e seus aliados terroristas e ditadores inventaram, distorceram ou esconderam a realidade.

■■■Israel comete erros, e comete erros graves, e tem que ser cobrado pelos erros que comete e não ser cobrado pelos erros dos terroristas e dos seus cúmplices!
■Mas os erros de Israel são de natureza bem diferente dos erros dos terroristas, inclusive do erro de ser gente que usa crianças como escudo, como fazem os terroristas e é por isto que crianças morrem.

Os erros de Israel não podem ser usados para favorecer os terroristas. Os erros de Israel não podem servir de desculpas para impedirem que o Hamas seja neutralizado. O MUNDO livre precisa da neutralização do Hamas!

Dorrit Arazim, assim como Demétrio Magnóli, Marcus Pestana, Wilson Gomes, Carlos Sardemberg, Mirian Leitão, Vera Magalhães, Merval Pereira e tantos outros, muitos deles publicados neste nosso blogue, são JORNALISTAS, não são militantes.

Jornalistas como estes não são Kennedys Alencar, Milly Lacombe e militantes assim, que renunciaram ao jornalismo e preferem ser incensados como militantes fundamentalistas, quem sabe um dia ganharem uma medalha do Hamas.

■Mas jornalistas como Dorrit Arazim e Merval Pereira eu já vi, por exemplo, abordarem como necessária a realização de investigação para verificar se Israel incorreu ou está incorrendo em crime de guerra ou Abuso de Estado. Cortar o fornecimento de água em setores de Gaza, por exemplo, pode estar sendo um abuso e até crime.

Bem claro::
■Israel pode estar incorrendo em Crime de Guerra, não em Terrorismo de Estado, que Terrorismo de Estado NÃO EXISTE !
▪Se Israel está incorrendo em crimes de guerra, isto tem que ser apurado com seriedade!.

EdsonLuiz disse...

■■■Jornalistas profissionais e sérios não "escolhem" as notícias que repercutem e não criam a realidade paralela que alguns querem.
=》Bolsonaristas só faltam degolar jornalistas sérios, como Merval, Mirian Leitão, Vera Magalhães, Patrícia de Mello e tant@s outr@s para darem as notícias que eles querem e como eles querem. Se a vontade deles é atendida eles imediatamente elogiam como "perfeita" a notícia.
▪Ora! Perfeita por quê?
A notícia é perfeita e o jornalista é correto, isento, imparcial quando dão a notícia que Bolsonaro e os bolsonaristas querem?

Mas o bolsonarismo não resiste e elogia quando o jornalista se submete ou buscam desacreditar o jornalista quando se sentem contrariados pela notícia.

■Ocorre que o bolsonarismo, assim que recentemente surgiu, copiou inteiramente do PT esta prática selvagem, obscurantista, truculenta, antiprogressista de perseguir jornalistas ou perseguir qualquer um que os contrarie.

O que jornalistas já sofreram e sofrem de agressões de petistas e do PT, mesmo o bolsonarismo com toda a truculência que tem vai demorar a igualar!
■A profissionalíssima Vera Magalhães que o diga:: os petistas chegam a se referir à Vera Magalhães, e fazem estas agressões há anos e anos, como "Vera C&g#lhões".
■Miriam Leitão e seu diligente trabalho jornalístico? Os petistas já chegaram a acusar Miriam Leitão em um voo de Brasília para o Rio de Janeiro.

■Temos alguns dos melhores jornais do mundo e jornalistas do mundo!
■■Mas não para petistas e bolsonaristas.
=》À Globo? O petismo chama de Rede Golpe, porque os petistas preferiam que a Globo se calasse sobre a corrupção grossa de Lula e do PT desmascarada pela Operação Lava Jato.
=》À Globo? O bolsonarismo chama de "Rede Lixo" por raiva exatamente de aquela empresa de notícias ter revelado a todo dia os montes de podridão de Bolsonaro.

=》O que petistas e bolsonaristas fazem com os jornais "Folha de São Paulo" e "Estado de São Paulo?
■Deixa para lá!

■O que essa gente do PT, do PL, do lulismo, do bolsonarismo tem que quer impor como verdade a bons jornalistas as suas realidades paralelas?
=》Os dois, o lulismo e o bolsonarismo são grupos fundamentalistas articulados os dois com fundamentalismos do mundo inteiro.

■Mas fala para um bolsonarista que o bolsonarismo é um movimento fundamentista!
▪Eles dizem que não estão no apoio dos Aiatolás do Irã, não estão no apoio dos ditadores da Venezuela, não estão no apoio do Hamas e do Hisboláh, não estão... e por isto não se sentem fundamentalistas. Fundamentalistas para eles é só o PT.

E os bolsonaristas se esquecem que estão no apoio a Donald Tramp, no apoio de Victor Órbán, no apoio de Dutert...

E se esquecem mais ainda das articulações de Bolsonaro a favor de Putin, do mesmo modo que Lula faz agora. Quer dizer:: os bolsonaristas fingem que esquecem o apoio de Bolsonaro a Putin, assim como os petistas fingem que não veem este apoio

ADEMAR AMANCIO disse...

Carácoles.