O Globo
MP que propõe bolsa para alunos de baixa
renda concluírem estudos enfrenta resistência no governo
Discute-se a destinação de recursos para um
fundo e o senador Meira de Vasconcelos intervém:
“Agora não é possível fazer mais, no estado
em que se acha o orçamento.”
Volta-se a discutir a criação de um fundo,
desta vez para incentivar a permanência de estudantes pobres no ensino médio,
pois é lá que mora a maior taxa de evasão escolar. Os jovens teriam acesso a um
pé de meia ao fim de cada ano, depois de terem sido aprovados.
A Medida Provisória que cria esse programa
saiu na semana passada e já está debaixo de chumbo. Ectoplasmas da
ekipekonômica reclamam da metodologia aplicada à despesa, e papeleiros chegam a
falar em “contabilidade criativa”.
Tudo bem, mas a fala do senador Meira de Vasconcelos nada tem a ver com a MP patrocinada pelo MEC. Ela aconteceu em 1883, quando o visconde de Paranaguá tratava da necessidade de um reforço para o Fundo Emancipador dos Escravos. (Burlado, esse fundo pouco funcionou. Cinco anos depois a abolição libertou os escravizados, sem qualquer indenização.)
Meira de Vasconcelos havia governado Minas
Gerais e batalhado pelo progresso da agricultura. Não integrava a tropa de
choque escravagista. Sabia fazer contas e por isso protegia o orçamento. Só não
percebia que estava na maior nação escravista do mundo, com os dias contados.
No tiroteio contra a MP ninguém tratou do
alcance social da medida. Em 2010 ninguém falou contra a anabolização do Fundo
de Financiamento Estudantil, o Fies. Ele se destinava a custear as anuidades de
estudantes das universidades privadas, sem fiador real e a juros baixos.
Em tese, foram dois fundos. Na vida real, o
programa do MEC põe dinheiro no bolso de quem precisa e foi aprovado ao fim do
ano letivo. Já o Fies punha dinheiro no bolso das faculdades privadas, que
transferiram para a Viúva suas carteiras de inadimplentes.
O Fies fez a alegria dos papeleiros e deixou
um calote de R$ 54 bilhões. O programa do MEC instituído pela MP do governo
deve custar até R$ 20 bilhões e já se articula o seu encolhimento, como
encolheu-se o Fundo de Emancipação dos Escravos. Afinal, Meira tinha alguma
razão, pelo estado em que se encontrava o orçamento.
Numa crueldade dos deuses, o ministro da
Educação ao tempo em que foi bombado o Fies era o atual ministro da Fazenda,
Fernando Haddad.
O debate em torno da criação do fundo de
bolsas para alunos pobres do ensino médio começou da pior maneira possível.
A janela aberta pelo ministro da Educação,
Camilo Santana, permite que a iniciativa privada entre na dança. Ela pode
participar desse programa de bolsas patrocinando cinco, cinquenta ou quinhentos
jovens nos municípios ou nos estados, com direito à divulgação publicitária de
cada iniciativa.
A ‘anarcodiplomacia’ de Lula
Presidente eleito da Argentina, Javier Milei
é classificado como um “anarcocapitalista”. Em Dubai, Lula lançou a sua
“anarcodiplomacia” ao propor uma “governança global” para as questões
ambientais. Algo como um superpoder mundial. Nas suas palavras:
“Nós precisamos ter uma governança global
para ajudar a cuidar do planeta. Porque, se você toma uma decisão qualquer em
benefício do mundo e ela tiver que ser votada internamente pelo seu Congresso
Nacional, significa que ninguém vai cumprir.”
Se a Liga das Nações naufragou no século XX e
a ONU não consegue impor suas decisões no XXI, Lula quer resolver o problema
com uma nova governança. Ele, que condena de maneira geral a aplicação de
sanções internacionais a países que desrespeitam direitos humanos, quer uma
nova governança para a defesa de vegetais e contenção de gases.
O sol vai congelar antes que cidadãos
americanos, russos ou chineses aceitem que uma instituição supranacional se
meta nas suas vidas. Lula, por exemplo, não é um aliado do Tribunal Penal
Internacional.
O “anarcodiplomata” defende soluções
fantásticas, sabendo que são inviáveis.
Para um presidente que já defendeu votos
secretos para ministros do Supremo Tribunal Federal, a proposta
“anarcodiplomática” de Lula é ruim por inviável. Infelizmente, como as falas de
Milei com seus cachorros, tem algo de ridículo.
Cadê a perícia do bate-boca de Roma?
Aquilo que em julho passado foi um episódio
de maus modos da família Mantovani com o ministro do STF Alexandre de Moraes no
aeroporto de Roma, transformou-se numa amostra dos labirintos jurídicos e
processuais de Pindorama.
O caso é simples: Moraes sustenta que foi
insultado pelos Mantovani e que Roberto, o chefe da família, deu um tapa no seu
filho. A cena foi gravada pelo circuito interno do aeroporto e as imagens (sem
som) foram mandadas ao Supremo Tribunal Federal.
Admitindo-se que os insultos verbais
aconteceram, a questão iria ao tapa. O relatório italiano diz que um movimento
de Mantovani tocou “levemente” os óculos do filho de Moraes. Um documento da
Polícia Federal brasileira afirma que “aparentemente” houve o toque.
Havendo um vídeo, basta vê-lo para opinar.
Como as coisas simples complicam-se no Judiciário de Pindorama, o ministro José
Antonio Dias Toffoli, relator do processo no STF, colocou o vídeo sob sigilo. A
defesa dos Mantovani e a Procuradoria-Geral da República (PGR) só podem vê-lo
na sede do STF. Não podem copiá-lo.
Admitindo-se que um leigo pode tirar
conclusões erradas ao ver o vídeo, a Polícia Federal dispõe de peritos capazes
de dizer o que houve, o que não houve e o que não se pode dizer se houve. Até
hoje esse serviço de peritagem não foi acionado.
No dia 30 de outubro, Toffoli determinou que
fosse designado um perito “para acompanhar o acesso das partes” às imagens. O
que significa “acompanhar o acesso”? Chamar o elevador?
A questão pode ser simplificada: basta
solicitar um laudo pericial da PF. Trata-se de um serviço oficialmente
reconhecido, com carreira definida nos quadros da instituição. Colocar um de
seus servidores na condição de acompanhante de acesso é igualá-lo a um São
Jorge de salão de sinuca.
Qualquer ministro do Supremo se consideraria
insultado se um grosseirão o acusasse, num saguão de rodoviária, de deixar os
peritos da PF longe de um vídeo que pede peritagem.
Henry Kissinger (1923-2023)
Henry Kissinger morreu aos 100 anos. Ele foi
o primeiro em muitas coisas. Foi o primeiro professor de Harvard a se tornar um
conselheiro de 12 presidentes americanos. Foi o primeiro alemão a se tornar
secretário de Estado e foi o primeiro diplomata elevado à condição de
celebridade pop.
Foi também o primeiro de sua espécie a
conviver com a revelação dos segredos de sua diplomacia. Nisso, faltou-lhe
sorte.
Num exemplo de jornalismo de alta qualidade, o repórter David Sanger dedicou-lhe um extenso obituário no “New York Times”, colocou cada pedra no seu lugar e encolheu-lhe o pedestal. Seu texto clama por alguém que o traduza para o português.
Um comentário:
Simples e complexo assim.
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