quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Assis Moreira* - Carro blindado, snipers e licitações para o G20

Valor Econômico

Na presidência do grupo o Brasil tem a responsabilidade de fixar a ordem do dia e dar os resultados dos debates entre as maiores economias do mundo em meio a crises

A reunião de ministros de Relações Exteriores do G20 nos dias 21 e 22 de fevereiro no Rio de Janeiro ocorrerá sob segurança máxima, como era de se esperar. Os EUA e a Rússia vão trazer seus próprios carros blindados para transportar na cidade seus representantes, o secretário de Estado Antony Blinken e o ministro Sergey Lavrov, como fazem normalmente. As forças de segurança brasileira terão um esquema de “proteção cabível”, o que significa admitir que alguns trazem mais riscos que outros. Snipers, os chamados atiradores de elite, acompanharão certos ministros por todo lado.

Outro peso pesado da diplomacia internacional, o ministro chinês Wang Yi, não irá ao Rio. Ele passou recentemente pelo Brasil, conversou com o presidente Lula e será substituído por uma autoridade provavelmente de peso no Partido Comunista e que, pela praxe chinesa, será designada em cima da hora.

Esquema similar de segurança máxima ocorrerá em seguida na reunião dos principais ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do mundo, entre 26 e 29, no Pavilhão da Bienal no Ibirapuera, em São Paulo. Outro foco dos brasileiros será a proteção digital. Na cúpula do G20 na Índia, no ano passado, ocorreram 20 mil ataques cibernéticos diários contra sites da organização, por exemplo.

Em meio a toda essa movimentação, grandes consensos não vão emergir da agenda do G20 nos próximos meses. Não há sinais de entendimentos sobre como tratar as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio nem sobre reforma de instituições financeiras internacionais.

O Brasil poderia, porém, tentar por exemplo colocar na mesa a busca de acordo básico sobre como construir a governança na área da Inteligência Artificial (IA), tema que está na ordem do dia. E aproveitar para destacar pontos em que vai bem, como no agroalimentar e no potencial da economia verde.

Na presidência do G20, essencial na governança global, o Brasil tem assim a responsabilidade de fixar a ordem do dia e dar os resultados dos debates entre as maiores economias do mundo, em meio a crises. E a coreografia precisa estar pronta, para evitar fiasco, como escrevemos mais de uma vez nesta coluna. No entanto, a logística continua em preparação, em meio a esforço colossal das equipes responsáveis.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seu terceiro mandato em janeiro do ano passado sabendo que teria em 2024 o maior palco na cena geoeconômica internacional: a presidência do G20, o grupo das maiores economias do mundo.

Em junho, seis meses depois de assumir, o governo criou o decreto com detalhes para organização do evento. Em meados de setembro, Lula recebeu simbolicamente a presidência do grupo das mãos do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. No começo de dezembro, o país assumiu na prática a presidência.

Mas só agora, no começo de fevereiro, é que duas licitações, estimadas em R$ 345 milhões, serão acionadas para a logística do maior evento internacional que o Brasil organiza nos últimos tempos. Nesta quinta-feira, dia 1º, o Ministério de Gestão e Inovação deve receber as ofertas da licitação para serviços de automóveis para os participantes ao longo do ano; no dia 6, será a vez da licitação de organização de eventos, o que inclui salas de reunião, informática etc. A fatura pode na verdade ficar acima de R$ 400 milhões, com aditamentos dos eventuais contratos. Isso dependerá de qual for o tamanho do contrato que cada ministério assinará.

Na Esplanada dos Ministérios, um argumento citado para o atraso é de que o governo só começou realmente na metade do ano em decorrência de estragos deixados pelo governo anterior. Ou seja, no primeiro semestre foi arrumação de casa. É citado também o impacto de escândalos do Mensalão e Lava-Jato. A presença de representantes da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU) é constante. O peso da burocracia é forte e a complicação é grande mesmo para se conseguir fazer coisas básicas para esse tipo de evento.

Nesse cenário, as licitações para a contratação de empresas para trabalhar na preparação do G20 encontraram evidentes dificuldades, também porque antes não havia o próprio Ministério da Gestão e Inovação. Ainda assim, essas licitações ocorrem em tempo recorde para os padrões de Brasília, graças ao esforço conjunto dos órgãos do governo envolvidos no evento, dizem fontes.

A ausência de contratos explica em parte porque cerca de 30 reuniões do G20 já realizadas foram todas por videoconferência, e não presencial. Agora em fevereiro, passado o Carnaval, o governo contará com parcerias, sobretudo de estatais, para duas grandes reuniões ministeriais que vão ocorrer no país: o encontro dos ministros de Relações Exteriores na Marina da Glória, no Rio, e a reunião de ministros de Finanças e presidentes de BC em seguida em São Paulo. Petrobras e Serpro, além de Apex e outros, serão convidadas a ajudar a cobrir custos.

Depois, entre março e maio, ou cerca de dois meses e meio, a presidência brasileira do G20 deverá organizar nada menos de 24 reuniões técnicas, todas elas em Brasília, no prédio do Serpro, sempre com parcerias. Foi uma decisão para reduzir custos e treinar as equipes, segundo explicações na Esplanada dos Ministérios, mas que não esconde o fato de não ter licitação pronta. “Tudo vai dar certo”, segundo uma mensagem repetida em círculos do governo Lula, apoiando-se inclusive nos responsáveis pelo setor, que são considerados excelentes profissionais.

*Assis Moreira é correspondente em Genebra

 

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