segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Bruno Carazza* - Bolsonarismo: forte no zap e nas ruas, fraco no Congresso

Valor Econômico

Sem mandato e inelegível, proposta de anistia de Bolsonaro é inviável

O bolsonarismo é um fenômeno que começou nas redes sociais e tomou as ruas. Líder de forte apelo popular, mais uma vez Jair Bolsonaro demonstrou força ao atrair milhares de pessoas vestidas de verde e amarelo no ato de ontem na Avenida Paulista.

Convocados logo após as ações da Polícia Federal no âmbito da Operação Tempus Veritatis, que investiga a participação do ex-presidente, integrantes de seu governo e membros das Forças Armadas no planejamento de um golpe e na organização dos atos democráticos de 8 de janeiro de 2023, seus apoiadores marcaram presença em peso.

O evento contou ainda com a participação de políticos bolsonaristas, além dos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Jorginho Melo (PL).

O filósofo Marcos Nobre tem uma imagem feliz para explicar o bolsonarismo. Para o presidente do Cebrap, a força do ex-presidente está nas redes, numa espécie de “partido digital” que arregimenta milhões de seguidores fiéis, mobilizados diariamente por todo tipo de postagens, de fake news a incitações de ódio contra seus adversários.

Quando chegavam as eleições, porém, Bolsonaro sempre precisou se apresentar como um candidato normal, com partido, número de urna e presença no horário eleitoral. Para Nobre, Bolsonaro agia como hacker do sistema político, tomando para si a estrutura de partidos pré-existentes, aos quais se filiava por oportunismo e em função das exigências da legislação eleitoral. Foi assim com o PSL em 2018 e com o PL em 2022.

É bem verdade que havia uma simbiose nessa inoculação do bolsonarismo na estrutura dessas legendas. Tanto o PSL (hoje União Brasil) de Luciano Bivar quanto o PL de Valdemar da Costa Neto turbinaram em centenas de milhões os recursos a que têm direito nos fundos partidário e eleitoral graças aos votos recebidos pelos candidatos associados a Jair Bolsonaro.

Nas eleições de 2018, o PSL de Bolsonaro elegeu 52 deputados federais, três senadores, três governadores e dois vice-governadores. Quatro anos depois, menos da metade (apenas 27) acompanhou o presidente na sua mudança para o PL. Uma parte significativa (16) permaneceu no União Brasil, após a fusão do PSL com o DEM, e o restante dispersou-se em diversas outras agremiações: PP (5), Republicanos (3), PSC, PSDB e PTB (dois cada) e mais Patriota, Pros e PSD (um candidato cada).

Alguns argumentam que essa dificuldade de Bolsonaro fazer com que seus apoiadores originais de 2018 o acompanhassem na migração para o PL não é sinal de fraqueza, mas antes uma estratégia de consolidar o bolsonarismo como um movimento multipartidário de direita, que seria assim mais poderoso do que restrito a um simples partido único, como é o PT de Lula ou foi o PSDB de Fernando Henrique Cardoso.

Em 2022, porém, Bolsonaro deu provas de que ainda tem capacidade de atrair políticos de todo o espectro do centro à extrema direita. Apesar da tentativa fracassada de se reeleger como presidente, seu novo partido, o PL, fez uma bancada de 99 deputados federais (a maior da Câmara), dois governadores (RJ e SC) e oito novos senadores.

Entre os eleitos pelo PL em 2022, Bolsonaro trouxe consigo 25 antigos correligionários do PSL, enquanto 26 políticos eleitos já estavam na legenda de Valdemar no pleito anterior. Numa evidência da força de atração política de Bolsonaro, o restante dos novos detentores de mandato eletivo (54) chegou ao PL proveniente de vinte outras siglas, do Novo ao PDT e ao PSB.

Não há clareza se essa dispersão do bolsonarismo em várias legendas se deve a uma tática previamente pensada de se constituir como uma força política suprapartidária ou por uma debilidade em se organizar institucionalmente como um partido, já que a tentativa de criar o seu Aliança pelo Brasil fracassou.

Em qualquer das hipóteses, a resistência do bolsonarismo em se estruturar institucionalmente no Congresso diz muito sobre a derrota eleitoral de 2022 e a tentativa felizmente fracassada de se manter no poder por meio de um golpe. E terá implicações sobre o seu futuro político.

No ato de ontem na Paulista, além de procurar demonstrar que ainda detém força política mesmo derrotado nas urnas e sendo alvo de ações no STF, Bolsonaro fez um apelo aos deputados e senadores presentes em busca de anistia para os envolvidos nos atos antidemocráticos - o que acabaria beneficiando a si próprio.

Se a intenção é essa, hoje não há condição política para a aprovação de um projeto dessa natureza no Congresso. O bolsonarismo hoje não conta com muito mais do que cem cadeiras na Câmara dos Deputados. Além disso, sem mandato e declarado inelegível até 2030, Bolsonaro não detém nem sequer perspectiva de distribuir cargos e orçamento para os políticos do Centrão em troca de uma adesão à proposta de anistia.

Muito pelo contrário: a contar pela presença de Tarcísio, Zema e Caiado no palanque de Bolsonaro ontem, não faltam interessados em arrebatar para si a massa de eleitores que lotou ontem a Avenida Paulista.

Ironicamente, hoje é o bolsonarismo que corre o risco de ser hackeado por outros políticos de direita.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” 

 

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