quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro e os 'irmãos' do golpe

Folha de S. Paulo

Política parlamentar e judicial deve pesar mais no futuro do capitão

Jair Bolsonaro convocou manifestação para a avenida Paulista a fim de conseguir uma foto. É o que diz literalmente no vídeo de Carnaval em que chamou o povo para o que seria um "ato pacífico em defesa do nosso Estado democrático de direito", no qual pretende se defender das acusações dos "últimos meses".

Bolsonaro quer reunir forças para um contra-ataque. Mas, a não ser em caso de fiasco ou multidão muito excepcionais, o destino do capitão das trevas depende mais da política, parlamentar e judicial, e dos achados da polícia.

"Mais do que discurso, uma fotografia de todos vocês, porque vocês são as pessoas mais importantes desse evento, para mostrar, para o Brasil e para o mundo, a nossa união, as nossas preocupações e o que nós queremos: Deus, pátria, família e liberdade", disse.

Vestido com a camisa amarela da seleção, pediu aos manifestantes que apareçam de verde e amarelo.

Especula-se que Bolsonaro tenha convocado o comício "antes que seja tarde demais". Isto é, que consiga juntar um tanto de gente antes que seus seguidores se desanimem ou comecem a desaparecer; antes que esteja com o pé na cadeia.

Em tese, a hipótese de que possa arrastar multidões talvez intimidasse quem o processa ou investiga e políticos. Levar governadores e prefeitos ajudaria, também.

Bolsonaro teve quase metade dos votos válidos em 2022. Apenas 7% de seus eleitores se arrependem do que fizeram, segundo Datafolha de dezembro do ano passado. Na aritmética, ainda teria uns 44% dos votos, pois.

Não se sabe o que esse eleitorado passou a pensar depois da divulgação mais recente de imundícies da cúpula do bolsonarismo. Mas, mesmo depois de conhecidas todas as perpetrações do capitão das trevas, ele teve tamanha votação, não importa que muito eleitor apenas tivesse e tenha aversão maior a Lula.

O risco de revelação de novas infâmias até dia 25 de fevereiro pode não pesar muito, se estiver restrito à política do golpe.

Assim, não é improvável que Bolsonaro junte multidão bastante para encher bem mais do que uma foto, ainda mais na avenida Paulista, lugar propício para inflações visuais ilusórias.

A medida dos números de um fiasco será controversa. Mas o comício fascista ("Deus, pátria, família e liberdade", pelo líder) teria efeito maior apenas se a multidão enchesse a avenida de fato.

Por ora, o destino de Bolsonaro depende mais de política e polícia. Ou seja, depende de quão longe o Supremo está disposto a ir para condenar o capitão, mas não apenas.

Depende de investigação incontestável do golpe tramado. Depende da reação da direita parlamentar contra o Supremo. Esse conflito vai além do processo Bolsonaro. Toca fundo no medo de qualquer parlamentar e político de ser preso, vide a reação contra a Lava Jato.

Toca fundo também naqueles inelutavelmente vinculados ao projeto bolsonarista ou extremista, tal como parte das bancadas evangélica e do agro. Depende ainda da avaliação de risco do dano que a proximidade com o capitão possa causar na eleição deste ano.

Na convocação do ato, Bolsonaro pediu que não levem "faixas ou cartazes contra quem quer que seja". Isto é, procura se isentar de manifestações golpistas do seu povo na rua. No fundo, ou no raso atrás do palco da farsa, sempre estimulou os comícios da plebe golpista.

Em outubro de 2023, em ato contra o direito ao aborto, em Belo Horizonte, disse que o 8 de Janeiro eram "brasileiros patriotas que foram se manifestar, entraram em uma arapuca, numa armadilha patrocinada pela esquerda. E hoje muitos irmãos nossos estão sendo condenados por esses atos", embora dissesse reprovar o quebra-quebra.

Bolsonaro ainda vai fazer muito para juntar os "irmãos" do golpe.

 

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