terça-feira, 12 de março de 2024

Míriam Leitão - Interferência na Petrobras

O Globo

Se a empresa voltar a ter prejuízo ou tiver redução do lucro quem mais perde é o próprio governo, seu maior acionista

Valor de mercado de uma empresa se recupera. Não foi a primeira vez que a Petrobras teve uma queda brusca. O problema é a percepção de interferência do Planalto nas decisões corporativas. Na última sexta-feira, as ações da estatal caíram 10,27%, fazendo evaporar R$ 55 bilhões de valor da companhia, pela decisão de não distribuir dividendos extraordinários. A atual oposição provocou um desastre parecido. Há três anos, na quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021, o então presidente Jair Bolsonaro anunciou que havia demitido o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, isso depois de muita tentativa de intervir no dia a dia da empresa. As ações, na época, caíram 6,6% numa sexta, e 21,5% na segunda, dia 22. Naqueles dois pregões a empresa perdeu R$ 102,5 bilhões de valor de mercado.

Dentro do Conselho de Administração da empresa o que se diz é que, em outras crises, sempre houve coordenação entre o presidente do Conselho e o presidente da empresa. Isso dava uma blindagem à Petrobras, mesmo quando havia tentativa de interferência. O que é esquisito agora é que há dois grupos do próprio governo. De um lado o presidente Jean Paul Prates, de outro o ministro de Minas e Energia.

Há semelhanças entre o que houve na queda das ações em 2021 e o que está acontecendo agora: tentativa de governar a empresa diretamente do Palácio do Planalto. Naquela época, Bolsonaro dizia que a Petrobras iria quebrar o Brasil e que o lucro da Petrobras era "um crime”. Ontem Lula disse, na entrevista ao SBT, que “o mercado é um dinossauro voraz que quer tudo para ele e nada para o povo”. E que a empresa não tem que pensar “só nos acionistas”. Essa fala do Lula não faz sentido porque o governo é o maior acionista.

— O governo tem 40% do capital. O mercado tem os outros 60% e tem porque botou dinheiro. Para fazer os investimentos, para investir no pré-sal o governo procurou dinheiro no mercado. Quando há uma volatilidade absurda como essa, o estrangeiro não coloca dinheiro porque acha que se cai 10% num dia, no outro sobe, volta a cair forte, virou cassino — avaliou um conselheiro.

Numa empresa de capital aberto com acionistas no Brasil e no mundo existem regras de governança que precisam ser observadas, compromissos de transparência, e obrigação de prestar contas aos investidores. A maior parte dos dividendos vai para o próprio Tesouro. Essa é a forma como uma empresa de capital aberto ajuda: sendo rentável. Com os dividendos, recolhidos ao Tesouro, o governo faz políticas públicas.

Toda vez que há a percepção de que o governo está diretamente decidindo investimento, preços e gestão da estatal, a desconfiança em relação à empresa se traduz em queda do valor das ações. Em 12 de abril de 2019, quando Bolsonaro revogou um aumento de preço decidido pela diretoria, houve também queda de 8% das ações e perda de R$ 32 bilhões de valor de mercado.

A Petrobras ao fim da última gestão petista, em 2016, era uma empresa endividada, a maior dívida do mundo numa empresa de petróleo, e dava prejuízo. No governo Temer, com a gestão Pedro Parente a companhia iniciou mudanças que a levaram de volta ao lucro. Foram criadas barreiras de governança contra a intervenção indevida no Planalto. Essas barreiras irritaram profundamente o ex-presidente Bolsonaro, e incomodam também o atual governo.

Os sinais agora são cada vez maiores de volta ao passado. Já foi anunciada a retomada da construção da refinaria Abreu e Lima, que consumiu US$ 20 bilhões, e deve custar mais R$ 8 bilhões para ser concluída. Em vez de admitir os erros cometidos na obra que, pela previsão inicial custaria US$ 2 bi, o presidente Lula culpou uma suposta “mancomunação entre juízes, procuradores e o governo dos Estados Unidos”. Assim não há qualquer garantia de que os erros não se repetirão.

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, também já indicou que quer voltar a reestatizar o que foi privatizado da empresa. Quer de volta a Refinaria de Mataripe, e planeja retornar ao setor de distribuição de combustíveis, do qual saiu quando foi privatizada a BR Distribuidora, hoje Vibra. Nos dois negócios, a propósito, a Petrobras tem ações. Mas quer mais.

A interferência política produz queda nas ações e pode levar a empresa de volta ao prejuízo ou à redução do lucro, o que prejudica todos os acionistas, mas principalmente prejudica o governo, que é o maior dos acionistas.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A colunista sabe das coisas.