Folha de S. Paulo
Modelo já fazia água na era da TV e agora não
faz mais nenhum sentido
Na última visita que fiz a Portugal,
ao ouvir a minha declaração de que estava chegando a convite da Universidade da
Beira Interior para fazer umas palestras sobre comunicação e política, o
funcionário do serviço de imigração do aeroporto de Lisboa brincou:
"Ah, professor, bem que o senhor poderia me ajudar aqui. Tenho tantos
problemas de comunicação neste posto! E política, então, nem se fala".
Quem não os tem?
A crer-se no que vem sendo noticiado nas últimas semanas, o governo Lula também reconheceu que tem problemas nessa área. A convocação de Sidônio Pereira, o coordenador de comunicação da campanha eleitoral de Lula, para discutir as estratégias da Secom e do Ministério da Saúde é só o ato mais recente do diagnóstico de falha na comunicação governamental.
A questão, no entanto, não é apenas ter
problemas de comunicação, mas sim o entendimento do que isso significa. É
bastante sintomático que, ao pensar em comunicação governamental, a primeira
ideia que vem à mente de Lula seja "chamar o
marqueteiro". O diagnóstico de Lula, Rui Costa e vários outros
petistas é que o governo está se saindo bem e a situação do país melhorou, mas,
como o apoio a Lula e a aprovação ao governo diminuíram, eles presumem que isso
se deve à dificuldade em comunicar o que está sendo feito. Portanto,
profissionais de marketing, publicidade ou assessores de imprensa são a
primeira solução que vem à mente quando se trata de "mostrar ao
público" o que o governo anda fazendo de bom.
Se esse modelo já fazia água na era da
televisão, em plena era digital é que não faz sentido mesmo. O cidadão médio
não está mais sentado no sofá da sala, onde mensagens publicitárias
transmitidas nos intervalos comerciais da programação de TV eram absorvidas
inadvertidamente. Vinte e cinco anos de intensa transformação digital na forma
como consumimos informação e interagimos socialmente em ambientes digitais
mudaram quase tudo.
Quando a propaganda governamental chega ao
cidadão, se é que chega, ele já leu, ouviu ou viu centenas de outras mensagens
políticas que usará como filtro, inclusive para ignorar o que o governo, sobre
o qual já tem uma opinião formada, quer lhe dizer. A ideia de "mostrar ao
público" o que governo fez por meio de vídeos de propaganda é tão
antiquada quanto ingênua. Especialmente em meio à polarização infernal em que
nos encontramos, em que todo mundo já tomou posição e não parece disposto a sair
dela.
Especialistas tendem a ter uma ideia de
comunicação governamental bem diferente dessa. Trata-se de uma atividade
estratégica que produz e entrega mensagens consistentes, sim, mas conforme
metas bem planejadas, para públicos bem caracterizados, supondo um ambiente
politicamente competitivo, plural e hostil.
Uma análise de públicos precede tudo. Fazer
um vídeo com a mesma mensagem para todos os públicos e achar que a coisa está
resolvida é tão tolo quanto imaginar que lulistas, evangélicos conservadores, o
agro, antipetistas, pessoas que taparam o nariz, mas votaram em Lula, moradores
de territórios dominados por milícias e habitantes do interior de Santa
Catarina podem ser convencidos pelos mesmos argumentos. É preciso dizer coisas
distintas para públicos diferentes, mas naturalmente depois de entender o que eles
são, a que mensagens seriam sensíveis e por quais meios poderiam ser
alcançados.
Além disso, a comunicação governamental é
parte da comunicação política horizontal que se espalha em ambientes sociais
baseados em plataformas e aplicativos. Precisa ser, portanto, também uma ação
estratégica articulada e consistente para disputar na esfera pública a
interpretação dos fatos do dia, a agenda pública, a imagem do governo, as
narrativas predominantes.
Mas isso supõe uma infraestrutura de redes de
comunicação interpessoal em mídias digitais que leva tempo para ser construída.
Assim como supõe permanente análise de redes e análise de sentimentos para
identificar os temas da conversa pública, os detratores e apoiadores, as
controvérsias principais, as inquietações de cada público.
A comunicação governamental hoje supostamente
deveria ser baseada em dados (big data) e evidências, ágil para identificar os
movimentos da opinião pública e reagir a eles, com um planejamento coerente,
entrega segmentada e foco preciso. Mas isso realmente está no radar da
comunicação governamental? Duvido muito.
Na mente do governo, a Secom deveria ser
essencialmente uma assessoria de imprensa combinada com um setor de marketing e
propaganda. Como nos bons tempos dos faraós.
Um comentário:
O colunista tem toda a razão!
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