quarta-feira, 24 de abril de 2024

Zeina Latif - Reputação se perde mais facilmente do que se ganha

O Globo

O banco central norte-americano apontou menor confiança no cenário de corte da taxa básica de juros. De quebra, a eleição presidencial em novembro poderá alimentar o conservadorismo do Fed, de modo a afastar acusações de viés político em favor da candidatura de Joe Biden. Isso significa não relaxar a política monetária até que surjam sinais claros de convergência da inflação (em torno de 3,5%) para a meta (2%).

O Fed piscou e os mercados tremeram. A reação foi na direção esperada: valorização da moeda americana, elevação dos juros de mercado e queda das bolsas. Fatores internos diferenciam as repercussões em cada país. No Brasil, o impacto foi sensivelmente mais forte, e o suspeito usual é o elevado risco fiscal, agora com agravantes.

A queda da bolsa no Brasil (-3,9% entre 11 e 19 de abril, de acordo com o MSCI, que captura o desempenho de grandes e médias empresas, em dólar) não destoou do observado no resto do mundo (-4,1%). No entanto, a explicação está na base mais baixa de comparação, já que a fraqueza da bolsa aqui não é de agora.

Desde janeiro nota-se um descolamento, para pior, em relação até a demais países emergentes. Considerando a queda dos juros aqui e as surpresas positivas com o crescimento, o resultado desaponta. Pesa o maior risco de intervenção governamental na Petrobras, Eletrobras e Vale. Trocando em miúdos: o que não estava bom ficou pior.

No câmbio, há mais elementos para análise. Discuti em dezembro neste espaço que a volatilidade da taxa de câmbio estava menor em relação ao passado, já levando em conta o quadro externo, ou seja, a própria volatilidade das moedas no mundo. Para além das surpresas positivas com a balança comercial, a expectativa de força política do Ministro Fernando Haddad dava o tom.

Essa relativa tranquilidade foi abalada. A resposta do real à piora do quadro internacional foi mais intensa em relação ao padrão recente. A título de comparação, em outubro do ano passado, em meio a temores em relação à política econômica nos EUA, os juros de mercado de lá subiram e o dólar se fortaleceu no mundo, até mais do que o observado agora. No entanto, a correção da taxa de câmbio foi relativamente modesta (bateu R$ 5,17 ante R$5,28 na semana passada).

Retrocedendo a análise ainda mais, para momentos benignos na agenda econômica em 2016, no governo Temer, foram observados momentos de maior fortalecimento do dólar no mundo, mas não no Brasil, onde o real se descolava, oscilando abaixo de R$3,5.

Já os juros de mercado (“yield curve”) subiram mais no Brasil do que na média dos emergentes. Além disso, a resposta aos juros de mercado mais elevados no EUA também surpreendeu na comparação com o passado recente – o salto na inclinação da curva foi maior agora.

O comportamento dos preços de ativos é alerta para o aumento das preocupações internas com a política econômica. Os sinais são incipientes, mas não convém desprezá-los – esse foi um grande erro da presidente Dilma.

Não sem razão piorou avaliação de risco vindo do lado fiscal. Apesar de o anúncio das metas fiscais no ano passado não ter sido crível, não melhorando as projeções fiscais dos economistas e gerando a expectativa de ajustes adiante, como o ocorrido, a sequência de más notícias na agenda fiscal enfraqueceu a reputação do time econômico.

Em entrevista recente ao Valor Econômico, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, ao ser questionado sobre o governo ter errado ao fixar as metas fiscais, respondeu: “Não. Cumpriu um papel super importante nesse processo de ancoragem das expectativas e aprovação de medidas”.

A resposta sugere que se conhecia a dificuldade de cumprir a meta, mas se buscou ganhar a confiança dos operadores do mercado financeiro. Seria uma estratégia míope que agora cobra seu preço. No mercado financeiro vale a máxima de que “não se pode enganar a todos o tempo todo”. As expectativas se ajustam aos fatos e os preços de ativos são corrigidos rapidamente.

Ora, se no passado tentou-se vender otimismo, será que agora não estariam fazendo o mesmo? Será mesmo que as novas metas são para valer? Qual o plano de voo?

O esforço do governo para recuperar a confiança dos agentes econômicos precisará ser maior agora. Caberá ao time econômico apontar os problemas e as soluções, e ao presidente fazer suas escolhas.

 

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