Valor Econômico
É necessário haver um novo equilíbrio de
Poderes que vá além do Congresso Nacional
Entre 1993 e 2013, o sistema político
brasileiro foi capaz de implementar as melhores ideias da Constituição de 1988
e reformá-la para alcançar um equilíbrio inédito entre democracia, estabilidade
econômica e inclusão social. Depois dessa onda positiva, veio a avalanche de
quase dez anos de deterioração institucional, aumento da polarização destrutiva
e perda da qualidade de várias políticas públicas. O Brasil ainda não saiu por
completo dessa crise, e a reconstrução das relações entre os Poderes é um fator
essencial para gerar padrões decisórios capazes de colocar o país num novo rumo
de desenvolvimento.
O presidencialismo de coalizão construído depois do impeachment de Collor certamente não era perfeito. Muitas crises ocorreram em sua trajetória, com CPIs estridentes e reveladoras, montagem de maiorias parlamentares por vezes a partir de meios ilícitos e, ao final do período, um grande movimento nas ruas pediu maior responsividade do sistema político em relação à sociedade. Inegavelmente havia problemas, só que reformas estavam sendo feitas constantemente (mesmo que fossem incompletas para parte da população) e as políticas públicas eram aperfeiçoadas incrementalmente, com melhoria dos principais indicadores da vida dos cidadãos brasileiros, especialmente os que viviam em situação mais vulnerável.
Muitas das críticas ignoravam o fato de que o
modelo institucional brasileiro tem duas qualidades essenciais à estabilidade e
ao desenvolvimento do país. A primeira é conseguir lidar com a pluralidade de
grupos sociais e dinâmicas territoriais de uma nação federativa bastante
complexa. Pode haver algum exagero em sua característica mais consociativa,
marcada pela divisão do poder entre vários atores institucionais. Entretanto,
se o sistema político fosse mais concentrador e definido pela lógica meramente
majoritária - o “vencedor leva tudo” -, o processo decisório poderia ser apenas
um jogo de vetos e com poucos controles sobre os governantes. Numa estrutura
desse tipo, a polarização atual mais facilmente se transformaria em golpe de
Estado ou em completa inviabilização dos governos.
A segunda qualidade dizia respeito à
capacidade de produzir negociação entre posições diferentes, presente tanto em
espaços institucionais como nas características de muitas lideranças
pós-Collor. É interessante notar que mesmo sendo um sistema político com
múltiplos atores e controles, sempre houve a possibilidade de saídas
institucionais vinculadas a acordos interinstitucionais e/ou entre os atores
mais relevantes. A competição entre PSDB e PT foi intensa, mas houve uma enorme
continuidade de políticas públicas entre os governos dos dois partidos, fruto
de um diálogo entre partidos, sociedade, burocratas e entes federativos.
Essa característica de conversa e acordos
dentro do presidencialismo de coalizão foi perdendo a força desde as
mobilizações de junho de 2013. Os momentos de lucidez e diálogo se reduziram,
embora tenham sido eles que evitaram crises maiores. O país está hoje com
Poderes desequilibrados e uma grande parcela dos políticos atuando em prol do
aumento do conflito, inclusive sobre assuntos desimportantes, mas que dão ibope
para parte do eleitorado - ou likes na internet. Esse jogo centrífugo parece
beneficiar cada ator institucional no curto prazo, mas já está levando a
derrotas da coletividade - piora na alocação orçamentária, por exemplo - e
tende a levar a perda de todos no longo prazo.
A crise recente envolvendo a decisão do
ministro Flávio Dino sobre as emendas parlamentares deveria ser um ponto de
inflexão nas principais lideranças do país. A questão em si já é um ponto
central da reformulação da relação entre os Poderes e um freio de arrumação no
presidencialismo de coalizão que se tornou mais fragmentado e menos
cooperativo. Gastar bilhões de reais sem transparência, de modo quase nada
articulado com as políticas públicas e num nível de despesas que comprime os
investimentos públicos federais, não é sustentável política e socialmente.
Em pouco tempo, certamente antes das eleições
de 2026, essa montanha de poder vai parir resultados negativos para os
congressistas. Primeiro virão os escândalos com emendas Pix e afins. Já há
vários indícios de irregularidades e não tardarão para a imprensa e as redes
sociais ficarem recheadas de denúncias que só enfraquecem os congressistas
atuais. Pesquisas qualitativas já têm medido uma visão cada vez mais negativa
sobre o emendismo exacerbado.
Como corolário desse processo, uma nova leva
de candidaturas antipolítica aparecerá, somando-se aos já encastelados no
bolsonarismo-raiz. Quem está atordoado com a ascensão meteórica de Pablo Marçal
deveria temer não a figura em si, mas o que ela representa. Quanto mais a
política se parecer para o grande público com um jogo fechado para poucos (e
ela não tem sido?), mais oportunidades para outsiders irresponsáveis surgirem.
Na verdade, após a crise de legitimidade
causada pela combinação de manifestações de rua, Lava-Jato, impeachment
presidencial e crescimento da extrema direita antipolítica, o núcleo principal
da classe política, hoje hegemonizado pelo Centrão, fortaleceu as
características mais oligárquicas do sistema. Isto é, criou regras que aumentam
os recursos em prol da reeleição deles mesmos - a soma de orçamento emendista
com Fundos Partidário e eleitoral não encontra paralelo com outras democracias.
Como se dizia nos bailes de antigamente, quem está dentro não sai, quem está
fora não entra. Esse modelo pode favorecer a reprodução dessa parcela
majoritária de parlamentares, que justiça seja feita é mais democrática e
responsável que tipos como Nikolas Ferreira e Pablo Marçal. Mas o sucesso dessa
engenharia política pode se desgastar muito até 2026.
Nas próximas eleições gerais, a classe
política fortalecida por esse modelo mais oligárquico vai enfrentar dois
competidores importantes. Um deles é o grupo daqueles que se alinharem
organicamente com as políticas públicas do governo federal e/ou dos governos
estaduais. A era Bolsonaro caracterizava-se por um governo sem políticas
públicas e baseado na guerra cultural. O lulismo sempre esteve acoplado à
escolha de programas governamentais que sustentam sua legitimidade, e
obviamente uma parte dos congressistas vai tentar se casar com esses veículos
de voto. É interessante notar que a mudança no plano nacional gerou impactos
nos estados, e se vê um número maior de governadores, de vários espectros,
tentando criar modelos setoriais mais estruturados, com possibilidade de gerar
benefícios eleitorais por meio dessas políticas específicas.
Políticos do Centrão poderão se beneficiar de
modelos baseados em políticas públicas, mas por ora estão preferindo o padrão
fragmentado do emendismo, o que é arriscado. O pior é que ainda concorrerão com
candidatos que pouco se vinculam ao uso dos recursos do poder estatal. Esses
são compostos não só pelos antipolíticos típicos, mas também por gente
vinculada a igrejas, grupos econômicos influentes e agentes da segurança
pública. É bem provável que o jogo eleitoral de 2026 seja mais difícil para a
classe política hoje hegemônica no Congresso Nacional do que foi em 2022, com
possibilidade de redução do seu índice de reeleição, caso não mudem parte de
sua estratégia.
A reconstrução institucional passa por um
novo equilíbrio de Poderes que vai além do Congresso Nacional. No plano da
Federação, as relações melhoraram muito desde a posse de Lula e dos novos
governadores. Também tem havido um diálogo maior entre os órgãos de controle e
os gestores de políticas públicas, mesmo que ainda permaneçam exageros
fiscalizatórios. O problema é que o pacto para revigorar o presidencialismo de
coalizão deve passar igualmente pela mudança de parte da rota do STF e do
Executivo federal.
No caso do Supremo Tribunal Federal, é
preciso fortalecer as decisões colegiadas e reduzir a concentração de poderes
nas mãos do ministro Alexandre de Moraes. Ele foi o ator mais importante na
garantia da democracia contra a tentativa de golpe bolsonarista, e os áudios
recém-publicados sobre sua atuação estão bem longe do comportamento ilegal e
antirrepublicano captado pela Vaza Jato. Todavia, Moraes e o próprio STF
ganhariam muito em legitimidade se os processos concentrados em suas mãos
pudessem ter alguma divisão com os outros ministros. Isso seria um sinal
positivo para a normalização da situação e para um julgamento mais blindado dos
processos envolvendo Bolsonaro.
Quanto ao Executivo, duas coisas são
centrais. A primeira é que a reformulação do emendismo vai exigir maior divisão
do poder decisório junto ao Centrão. Não se trata necessariamente de
fisiologismo, muito menos de corrupção. Não obstante, os parlamentares fora da
coligação eleitoral vencedora precisam participar da decisão e dos créditos das
políticas públicas lulistas, para revigorar a ideia de coalizão que sustenta a
governabilidade. Mas, tão ou mais importante do que isso, a reconstrução
institucional vai exigir muito da liderança do presidente Lula, como
interlocutor e agregador da ação conjunta dos Poderes. Entre outras razões, por
isso que o sistema se chama presidencialismo: porque o líder presidencial deve
ser o construtor de caminhos melhores para o país em conjunto com o
Legislativo, o Sistema de Justiça e a Federação.
2 comentários:
Quanta benevolência do jornalista com o ditador do STF Alexandre de Moraes Como se fosse simples somente distribuir os processos para os demais ministros, tem sim e que acabar com esse processo do fim do mundo da Fake News concluir como qualquer inquérito , pois está há cinco anos aberto perseguindo as oposições Sem que o Senado queira intervir a favor da população e da Constituição brasileira mas o Congresso e a Câmara de deputados estão de joelhos , com poucas exceções que gritam por liberdade
Estamos à mercê , só temos ao nosso lado Deus, até as forças armadas também traíram o povo
Anônimo GOLPISTA e mentiroso! Bolsonaro é que traiu os brasileiros, prometeu a Nova Política e respeito à Democracia, e tentou golpe militar depois de ter PERDIDO as eleições, com apoio de militares golpistas de alta patente.
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