The New York Times / Folha de S. Paula
Já que nada mais parece estar funcionando,
por que não chamá-la de comunista?
Donald Trump tem
usado uma palavra feia para descrever a vice-presidente Kamala Harris.
Não, não estou falando de chamá-la de "vadia" em particular, embora
ele supostamente faça isso. Estou falando de "comunista", um insulto
ecoado por alguns de seus aliados. Por exemplo, Elon Musk,
em uma postagem no X, declarou "Kamala é literalmente uma comunista",
demonstrando, entre outras coisas, que ele literalmente não sabe o significado
de "literalmente".
Agora, Harris obviamente não é comunista. Então, por que Trump diz que ela é? Bem, a tática de acusar alguém de ser comunista, assim como a de usar questões raciais —que Trump também faz em relação a Harris— faz parte da tradição política americana. Por exemplo, no início de sua carreira política, Ronald Reagan participou da Operação Coffee Cup, um esforço para convencer os eleitores de que o seguro de saúde governamental, na forma do Medicare, destruiria a liberdade americana.
Também é verdade que o discurso político
americano carece de um termo amplamente aceito para pessoas que não acreditam
que o governo deva controlar os meios de produção, mas que acreditam que
devemos ter políticas para limitar a desigualdade econômica e prevenir
dificuldades evitáveis.
Para encontrar tal termo, é necessário ir a
países europeus onde era importante distinguir entre partidos que apoiavam uma
forte rede de segurança social e partidos comunistas, que não eram a mesma
coisa. Nesses países, políticos como Harris, que apoiam uma economia de mercado
livre com uma robusta rede de segurança social, são conhecidos como
social-democratas.
A questão é que a social-democracia não é uma
posição radical. Pelo contrário, tem sido a norma por gerações em todas as
nações ricas, incluindo a nossa.
É verdade que a rede de segurança social
dos Estados
Unidos é menos abrangente do que as da Europa Ocidental. Mesmo
assim, temos um sistema universal de aposentadoria, a Seguridade Social, e
assistência médica universal para idosos, o Medicare. O Medicaid, que fornece
assistência médica para americanos de baixa renda, cobre cerca de 75 milhões de
pessoas. Cerca de 7 milhões são cobertos pelo CHIP, o Programa de Seguro de
Saúde Infantil. A Lei de Cuidados Acessíveis subsidia a assistência médica para
milhões mais. E assim por diante.
Além disso, esses programas têm um apoio
público esmagador. Pelo menos três quartos dos eleitores registrados têm uma
visão favorável da Seguridade Social, do Medicare e do Medicaid. A ACA era
impopular quando foi promulgada, mas agora tem 60% de aprovação.
Se você acredita que o governo não deveria
apoiar os idosos e pagar pela assistência médica de muitos americanos, essa é
uma posição filosoficamente defensável. E certamente há ativistas na direita
política que consideram praticamente toda a expansão do papel do governo desde
o New Deal ilegítima. Mas eles têm muito pouco apoio fora de sua bolha
ideológica.
Até Friedrich Hayek, que os libertários
adotaram como seu patrono intelectual, reconheceu que não há razão "por
que o estado não deveria ajudar a organizar um sistema abrangente de seguro
social para prover contra aqueles perigos comuns da vida contra os quais poucos
podem fazer provisão adequada."
O que nos traz de volta a Harris. Ela é uma
social-democrata que favorece programas governamentais que mitigam a dureza de
uma economia de mercado —mas quase todos os democratas, a maioria dos
americanos e, quer percebam ou não, muitos republicanos também são assim.
Ela quer expandir a rede de segurança social,
especialmente para famílias com crianças, mas o conjunto de políticas que ela
apoia não representaria uma mudança fundamental no papel do governo. Ela já
defendeu um sistema de saúde de pagador único, mas desde então recuou dessa
posição, e se você acha que um sistema de pagador único é uma ideia radical e
antiamericana, o que você acha que é o Medicare?
Então, de onde vem essa história de
Kamala-comunista? Pode ser que os republicanos acreditem que podem convencer os
eleitores de que uma democrata moderadamente de centro-esquerda que é uma
ex-promotora é comunista porque ela é uma mulher negra —uma reviravolta,
talvez, no estereótipo da "rainha do bem-estar" de outra era.
Mas pode ser menos calculado do que isso. Ao
que tudo indica, a campanha de Trump foi pega de surpresa, primeiro pela retirada do
presidente Joe Biden da corrida, depois pelo surto de entusiasmo
democrata e pela eficácia inesperada de Harris como candidata.
Até mesmo as percepções públicas negativas da
economia, que têm sido a carta na manga de Trump, parecem estar evaporando como
uma força política. Uma pesquisa do New York Times/Siena College divulgada em
maio deu a Trump uma vantagem de 20 pontos sobre Biden na economia; essa
vantagem caiu para 6 pontos sobre Harris na última pesquisa Times/Siena de três
estados decisivos. Uma nova pesquisa do Financial Times mostra Harris
ligeiramente à frente na questão nacionalmente.
Trump e MAGA (acrônimo
para Make America Great Again, lema de Donald Trump em 2016) parecem estar
respondendo jogando muitas coisas na parede e esperando que alguma grude.
No entanto, os tipos de ataques de caráter
que funcionaram contra Hillary
Clinton e, de uma maneira diferente, contra Biden não parecem
estar ganhando força. Quase senti pena do apresentador da Fox News, Jesse
Waters, que tentou atacar Harris dizendo: "Ela gosta de vinho. Ela gosta
de comida. Ela gosta de dançar." Isso supostamente deveria fazer os
eleitores não gostarem dela?
Então, já que nada mais parece estar funcionando, por que não chamá-la de comunista?
2 comentários:
Como Trump é O MAIOR MENTIROSO da política dos EUA, é quase certo que o que ele diz seja MENTIRA! Se ele diz que Kamala é comunista, é quase certo que ELA NÃO É!
Não entendi o ''quase certo''?
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