Valor Econômico
É falso que a indústria continua gostosamente
protegida
Edmar Bacha, no Valor (17.07.2024),
procurou explicar por que a indústria brasileira encolheu tanto no período 1995
a 2023. Disse que a literatura econômica oferece duas explicações para o
problema: a desindustrialização precoce e a doença holandesa.
Ele curiosamente descarta a explicação da
desindustrialização precoce no mundo rico, porque verificou que na OCDE, no
curto período por ele escolhido, a desindustrialização foi muito pequena.
Quanto ao Brasil, ele informa ter calculado que para cada 1 ponto percentual de
desindustrialização na OECD ocorre uma desindustrialização de 1,6 ponto
percentual no Brasil.
Aqui, portanto, ocorreu desindustrialização prematura, ainda que ele diga que “a tese da desindustrialização precoce não parece explicar grande coisa da desindustrialização brasileira”. Claro que não explica. No Brasil houve desindustrialização precoce, mas isto não é uma ‘causa’ do encolhimento da indústria; é a própria desindustrialização precoce que é o problema que precisa ser explicado, porque então estará explicado o encolhimento.
Bacha apresenta uma outra explicação e esta
não é uma mera tautologia: a doença holandesa. Ele não atribui essa explicação
a ninguém, mas obviamente está se referindo a um dos autores deste artigo que
há tempo afirma que a doença holandesa é uma das causas da desindustrialização
porque, a partir de 1990, ela deixou de ser neutralizada com o uso de tarifas
aduaneiras.
Bacha tem o mérito de discutir a doença
holandesa. Esse é um tema que os economistas brasileiros, tanto os de direita
quanto os de esquerda, parecem querer fugir como o diabo foge da cruz. Bacha
enfrenta o problema. Mas o enfrenta de maneira equivocada.
Em primeiro lugar, nosso autor reconhece que
no período 2005 a 2011 a doença holandesa explica “inteiramente a
desindustrialização brasileira”. Ótimo. Mas afinal ele conclui que, tomando o
período como um todo (1995 a 2023), “a doença holandesa também não dá conta de
parcela relevante da desindustrialização brasileira”. Explicaria apenas cerca
de 20% da mesma.
Acreditamos que a doença holandesa explica
muito mais. Em primeiro lugar, a forma de medir a doença holandesa de Bacha
indica uma certa confusão. A doença holandesa é uma apreciação da taxa de
câmbio por vários anos causada pelo aumento do preço das commodities exportadas
pelo país, que é satisfatória para a exportação de commodities, mas torna não
competitivas as empresas industriais que usam a melhor tecnologia existente.
Ela tem caráter cíclico, acompanhando o
movimento cíclico das commodities. Quando os preços das commodities exportadas
pelo Brasil aumenta, a taxa de câmbio se aprecia (cai) e ela surge e se agrava,
e desaparece quando esse preço volta ser baixo. Tornar não competitivas
empresas tecnicamente capazes as impossibilita de exportar e de enfrentar a
concorrência no mercado interno de competidores externos que exportam para o
país.
Ao invés disto, Bacha define e mede a doença
holandesa “pela evolução das relações de troca do país”. Esta é uma definição
vaga. Sim, quando as relações de troca melhoram ou sobem os preços das
commodities, a doença holandesa surge, mas a partir de que ponto? Qual é o
parâmetro usado? Além disso, há outras variáveis que afetam as relações de
troca.
Bacha afirma que doença holandesa explica a
desindustrialização apenas no período 2005 a 2011. Mas por que apenas nesses
seis anos? E por que iniciar o período de análise em 1995. O mundo não começou
em 1994... Nós sempre começamos nossa análise em 1990, porque foi nesse ano que
o Brasil fez a abertura comercial e, com isso, deixou de neutralizar a doença
holandesa.
Ao reduzir de 45% para 12% a tarifa média de
importação, o Brasil não caiu na ‘armadilha da renda média’ (uma invenção do
Banco Mundial), e sim na armadilha da liberalização. Os países que
liberalizaram suas economias em torno de 1990 deixaram de usar tarifas
alfandegárias para neutralizar a doença holandesa. A partir desse ano, o Brasil
entrou em uma grande onda de desindustrialização.
A partir de 1990, podemos observar pelo
gráfico, houve dois ciclos de desindustrialização no Brasil correspondentes a
dois ciclos de preços altos das commodities e de apreciação cambial: de 1990 a
1997 e de 2005 a 2020 ao invés de 2005 a 2011. Dois ciclos, portanto, de doença
holandesa, que abrangem 22 anos ao invés dos 6 anos de Bacha. Ora, se Bacha
afirma que a apreciação no seu ciclo explica praticamente toda a
desindustrialização e corresponde a cerca de 20% da explicação do período
completo, considerando 22 anos de apreciação, a doença holandesa explicará
muito mais do que esses 20%. A doença holandesa é, portanto, definitivamente
relevante.
Mas Bacha afinal descobre a ‘verdadeira’
causa do encolhimento da indústria brasileira. Foi a “queda da produtividade
relativa da indústria”. O que, realmente aconteceu. Mas por que? Bacha tem uma
explicação estranha. Porque “indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou
seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que
exclusivamente para o mercado interno”. A culpa é, portanto, das empresas.
E assim, por um golpe de mágica, não houve
abertura comercial, a doença holandesa não deixou de ser neutralizada a partir
de 1990. A indústria continuou gostosamente protegida. Ora, isto é falso. A
indústria brasileira competiu desesperadamente e foi vencida. Muitas empresas
fecharam. Sua produtividade caiu porque não teve condições de investir e
portanto não modernizou sua produção. Mas para o neoliberalismo, isto pouco
importa. Como Bacha sempre propõe, é preciso sempre abrir mais para forçar os
industriais a agirem, ainda que a porta já esteja escancarada. E ai dos
vencidos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é
professor emérito da Fundação Getúlio Vargas
Tiago Porto é professor da
FGV/EAESP
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