domingo, 23 de agosto de 2015

Opinião do dia - Zygmunt Bauman

"Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida inteira. O resto vai depender de nossas escolhas dentro do que é possível para essa obrigação. E deixa eu enfatizar que esse “nós” que faz as escolhas não é limitado aos profissionais de educação. Para citar Will Stanton (professor australiano), que nos mantém alerta de que há muitos que pretendem ensinar nossos filhos apenas a obedecer: “Devemos aceitar autoridade como verdade em vez da verdade como autoridade”. Ele ainda diz: “O que é a mídia mainstream se não outra plataforma de ‘educação’ defendendo a autoridade como verdade? Nós sentamos em frente ao noticiário noturno e escutamos âncoras e repórteres nos dizendo o que pensar, a quem apontar nossos dedos, porque nosso país precisa ir para a guerra e com o que a gente deve se horrorizar”. Considere ainda o tremendo impacto da indústria da publicidade em nós mesmos ou no que as crianças aprendem ou no que elas foram levadas a esquecer. Por exemplo, crianças não nascem inseguras. A publicidade é que as deixa apavoradas com o que as outras pessoas pensam delas."

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Zygmunt Bauman é filosofo polanês, em entrevista O Globo, 23 de agosto de 2015

Temer se consolidará como alternativa de poder, avalia PMDB

• Vice está mais fortalecido diante da crise, mas precisa controlar Eduardo Cunha, dizem peemedebistas

• Partido ressalta que nenhuma das ações que aliviaram a vida do governo nos últimos dias saiu do Planalto

Natuza Nery, Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Prestes a deixar o comando da articulação política, Michel Temer (PMDB-SP) caminha para se consolidar como alternativa de poder ao governo, avalia seu partido, o PMDB.

Para alguns dos integrantes da legenda, o vice-presidente é o beneficiário direto da crise tanto na hipótese de uma interrupção do mandato de Dilma Rousseff, quanto na possibilidade de a petista seguir no cargo fragilizada até 2018, o que aumentaria a influência interna de Temer no papel de fiador político.

A única saída que não inclui o peemedebista está no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa pedido da oposição para anular as eleições do ano passado. Um desfecho assim excluiria a ambos.

Dilma respirou melhor nos últimos dias graças ao apoio de empresários contrários à tese do impeachment e à recuperação do diálogo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

As investidas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a favor de projetos com forte impacto fiscal sedimentaram entre os chamados barões do PIB (Produto Interno Bruto) o temor de que a guerra política exaurisse as chances de recuperação econômica no médio prazo.
No partido, nota-se que nenhuma das reações que aliviaram a vida do governo recentemente foi costurada pelo Planalto. Passivo, o Executivo aposta na reaproximação com sua base social para se manter no poder.

Atentos
De duas semanas para cá, peemedebistas começaram a medir o pulso do mercado para entender as razões do relativo suporte à manutenção do governo. Um deles ouviu a seguinte metáfora: "atuamos como uma espécie de junta médica. Enquanto acharmos que é melhor a sobrevida do paciente, manteremos os aparelhos ligados. Só desligaremos quando não houver mais jeito."

Conforme esses relatos, Temer está mais fortalecido, mas ainda precisa mostrar ser capaz de controlar Cunha, o que ainda não ocorreu, e sinalizar que ele pode, de fato, reunificar o país, o que inclui o PT, caso a tarefa de administrar o Brasil caia no seu colo.

Dois movimentos recentes de Temer ajudam a corroborar o sentimento de que, cuidadosamente, ele se afirma como alternativa de poder. Em palestra para investidores, em julho, disse que, se fosse presidente, manteria Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. Em agosto, Temer afirmou que o país precisa de "alguém [que] tenha a capacidade de reunificar a todos".

Apesar das sinalizações, aliados afirmam que a intenção de Michel Temer sempre foi ajudar a debelar a crise.

Piora no cenário econômico traz novos riscos para Dilma

• Assessores temem que notícias ruins aprofundem os problemas políticos

• Equipe da presidente diz que prioridade é 'quebrar o ambiente de pessimismo' e a falta de confiança no governo

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em uma semana em que a presidente Dilma ganhou um "pouco de fôlego" no campo institucional, a piora do cenário econômico e os riscos de ela agravar a crise política viraram a maior preocupação das conversas reservadas no Palácio do Planalto.

Um assessor presidencial disse à Folha que o governo precisa "reverter urgentemente" as expectativas negativas da economia para "evitar o pior": o aprofundamento da recessão no país.

Em sua avaliação, o governo conseguiu melhorar o quadro de instabilidade institucional, mas precisa evitar que uma deterioração econômica gere a imagem de que o Planalto perdeu a capacidade de comandar o país. Se isto ocorrer, avalia, a oposição vai explorar este cenário e tentar forçar a abertura de um processo de impeachment.

Outro assessor reconhece que o sentimento, ultimamente, é o de que "todo dia é de notícia ruim" na economia.

Enquanto a semana começou com a avaliação de que os protestos do domingo (16) não foram "gigantescos", dando tempo ao governo para negociar a Agenda Brasil articulada com o PMDB do Senado, analistas passaram a prever dois anos de recessão.

Oficialmente, o governo diz acreditar que o país não seguirá em retração em 2016, mas reservadamente admite que a "atual desaceleração é muito forte" e ela poderá se manter.

Depois das previsões do mercado de retração superior a 2% neste ano e de 0,15% em 2016, novos dados negativos foram divulgados. O desemprego medido pelo IBGE nas principais regiões metropolitanas foi de 6,9% para 7,5% em julho. E o corte de vagas formais no mesmo mês foi o pior desde 1992, com eliminação de 158 mil postos.

Um aliado diz que estes números ainda vão ter reflexos mais negativos quando o seguro-desemprego dos novos desempregados acabar.

Em busca de uma reação da atividade econômica para "quebrar o ambiente de pessimismo", assessores de Dilma defendem que o melhor caminho é aprovar pontos da Agenda Brasil para melhorar o ambiente de negócios.

Um assessor lembra que o Planalto tomou uma série de medidas para combater a inflação, corrigir preços públicos e buscar o equilíbrio fiscal, mas que, sem a volta da confiança, o crescimento da economia não virá.

Outra ala do governo, porém, preocupada em diminuir os danos na economia nesta fase de transição, voltou a defender uma atuação do Estado para tentar tirar a economia do atoleiro.

Daí veio a decisão de usar o Banco do Brasil e a Caixa para socorrer setores em dificuldades com crédito mais barato. Para este grupo, o Banco Central poderia dar sua contribuição começando a reduzir a taxa de juros no final deste ano. Integrantes desta ala, porém, não acreditam neste movimento do BC.

A equipe de Alexandre Tombini segue sinalizando que a taxa Selic, hoje em 14,25% ao ano, ficará neste patamar por "tempo suficientemente prolongado" até garantir que a inflação irá convergir para o centro da meta, de 4,5%, no final de 2016.

A avaliação é que isto pode ocorrer só no fim do primeiro trimestre do próximo ano, quando o BC começaria a analisar a chance de redução.

No governo, alguns avaliam que a elevação do desemprego e a forte retração da economia podem fazer a inflação cair mais rapidamente e mudar os planos do BC.

O "fôlego" político do início da semana durou pouco. Na quinta (20) começou a circular a informação de que o vice, Michel Temer, vai sair da articulação política. Na sexta, o pedido de investigação da campanha de Dilma feito pelo ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal.

Cunha já age para barrar movimento por sua saída

• Peemedebista conta com o corporativismo da Câmara para se manter no comando da Casa

Erich Decat – O Estado de S. Paulo

- BRASÍLIA - Denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro no esquema de corrupção na Petrobrás, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aposta no antipetismo, na baixa popularidade do governo Dilma Rousseff e no corporativismo dos parlamentares para manter-se no cargo e neutralizar o grupo de deputados que pretendem afastá-lo.

Na quinta-feira passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao Supremo Tribunal Federal acusação formal contra Cunha. A denúncia instaurou na Câmara um movimento pelo afastamento do peemedebista do comando da Casa.

Mas, segundo interlocutores do deputado fluminense, num cenário adverso, a estratégia de Cunha será radicalizar o discurso contra o PT e o governo Dilma para tentar sobreviver às investidas de grupos opositores.

Conta para tanto com a insatisfação da população com o governo e a avaliação de grande parte dos parlamentares de que colocar-se perante suas bases ao lado da petista não rende dividendos políticos – ainda mais com a proximidade das eleições municipais de 2016. “Na minha base eleitoral ainda não se vê nenhum desgaste pelo fato de estar ao lado do Cunha, pelo contrário, esse posicionamento dele, de confronto ao governo, tem sido visto de forma positiva”, disse um líder da Câmara sob a condição de anonimato.

Cunha mantém influência sobre uma bancada suprapartidária distribuída em partidos como PSD, PSC, PP, PR, PTB, PSDB, DEM e boa parte do PMDB da Câmara, que tem ainda como triunfo político o avanço da pauta conservadora na Câmara neste ano: a chamada bancada “BBB”, alusão às iniciais de “Boi, Bala e Bíblia” – referências às bancadas ruralista, da segurança e os evangélicos.

Corporativismo. As iniciativas em defesa de Cunha também são ancoradas no sentimento de corporativismo entre os parlamentares, outro alicerce em que o peemedebista vai se escorar para se manter no posto. Os desdobramentos das investigações da Operação da Lava Jato são considerados por vários políticos como uma “metralhadora giratória”, que inicialmente têm como alvo 35 parlamentares, entre deputados e senadores. Mas cujo número poderá crescer conforme avançam as investigações e o número de delatores.

Nesse sentido, muitos parlamentares avaliam que também poderão ter o mesmo destino de Cunha e serem denunciados por Janot por envolvimento no esquema de desvio de recursos da Petrobrás.

PMDB. Esse mesmo sentimento de sobrevivência também é encampado pela própria cúpula do PMDB, que não deverá tomar nenhuma iniciativa para abrir um processo de expulsão de Cunha. “O PMDB não tem o histórico de agir dessa forma. Ele terá espaço para se defender”, disse o presidente da Fundação Ulisses Guimarães, Moreira Franco.

Além de Cunha, a lista de parlamentares do PMDB investigados da Lava Jato inclui o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), os senadores Edison Lobão (MA) e Romero Jucá (RR) e o deputado Anibal Gomes (CE).

Alvos dos principais ataque de Cunha, a própria bancada do PT tem demonstrado estar dividida na decisão de encampar manifestações pelo afastamento dele. Embora o grupo liderado pelos deputados Alessandro Molon (PT-RJ) e Henrique Fontana (PT-RS) defenda a saída imediata de Cunha, o tema não é unanimidade entre os petistas. “Cada um tem uma posição, mas eu acho que não é um caso de afastamento. É uma acusação que deverá ser respondida”, considera o deputado José Mentor (PT-SP) um dos alvos da Lava Jato. “O que precisamos saber é se as denúncias se baseiam em fatos concretos ou apenas em delações”, disse o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ).

Integrantes da bancada do PT devem se reunir na próxima segunda-feira para tomar uma posição sobre o tema.

Embora Cunha tenha recebido nestes últimos dias sinalizações de apoio de diferentes setores da Casa, há ainda dúvidas em relação aos próximos passos que ele tomará. Publicamente, o peemedebista tem dito que não vai adotar nenhuma campanha de retaliação contra o governo. “Não existe isso”, afirmou.

Orientado pelos advogados o deputado também evitará comentar a tramitação da denúncia no STF. Ele, no entanto, ressalta que manterá a postura de opositor. “Nada muda. Continuarei igual estou”, disse ao Estado.

Para Lula, petistas devem ter ‘cautela’

• Ex-presidente quer que partido evite papel de protagonista em ações contra Cunha

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Tanto o PT quanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão convencidos que, caso o Supremo Tribunal Federal aceite a denúncia por crime de corrupção contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o peemedebista não terá mais condições de permanecer no cargo. Até lá, porém, a ordem é manter a cautela, esperar o desenrolar da crise e evitar movimentos bruscos. Lula não quer que o PT repita agora os erros cometidos no processo da eleição de Cunha, no início do ano.

A prioridade é aproveitar a chance para recompor a base da presidente Dilma Rousseff na Câmara. Segundo uma pessoa próxima a Lula, o ex-presidente não quer derrubar Cunha, “ele quer é que as coisas melhorem”.

A estratégia do PT é deixar o protagonismo das ações contra o peemedebista para outras legendas como o PSOL. O partido não fará acordos para salvar Cunha mas também rejeita o papel de algoz do adversário e só vai entrar em campo quando a situação estiver em vias de definição. Mesmo porque uma série de parlamentares petistas está na mira da Procuradoria-Geral da República por causa da Lava Jato.

‘Grito’. A um interlocutor, Lula comparou a situação com uma roda de discussão. “O PT não pode querer ganhar na base do grito. Não podemos errar outra vez”, disse o ex-presidente, em referência à fracassada candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP) à presidência da Câmara.

Lula quer que o PT defenda uma “solução institucional” para Cunha, uma solução que seja “boa para a Câmara”. O alvo é a enorme base de apoio do peemedebista. O PT aposta que caso o STF aceite a denúncia, os aliados vão se afastar naturalmente de Cunha e o governo deve estar pronto para recebê-los.

O presidente do PT, Rui Falcão, disse que a bancada petista vai se reunir amanhã para discutir o assunto, mas a tendência é aguardar a análise do Supremo. “Não queremos prejulgar ninguém”, disse.

Um dos motivos do discurso é manter a coerência. O PT tem acusado a oposição de fazer uso político da Lava Jato contra o partido e não acha que pode repetir a prática contra Cunha. Outro é ganhar tempo para construir uma candidatura do campo governista capaz de bater oposição e reunir a base de Dilma, de preferência em torno de um peemedebista próximo ao vice-presidente, Michel Temer.

O PT está dividido quanto aos efeitos práticos da denúncia contra Cunha. Um grupo argumenta que é melhor manter o peemedebista fragilizado, dependente do governo e mais disposto a colaborar, do que correr o risco de enfrentar nova eleição para a presidência da Câmara e perder para um nome da oposição.

Outro grupo avalia que, mesmo fragilizado, Cunha não é confiável, já prometeu outras vezes não retaliar o governo (uma delas quando anunciou que iria para a oposição) e deve ser afastado. Todos, no entanto, concordam que a denúncia contra o presidente da Câmara deixou em segundo plano as CPIs do BNDES e dos Fundos de Pensão, instaladas por Cunha para fustigar o governo e o PT.

Aliados forçam PSDB a assumir impeachment

• Após contundência de FHC ao pedir a renúncia da presidente, PPS, DEM e Solidariedade tentam convencer tucanos a encampar tese do ‘fora Dilma’

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois das contundentes declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contra a presidente Dilma Rousseff e o PT, o PSDB agora está sendo pressionado pelos demais partidos de oposição a assumir a bandeira do impeachment para evitar que a presidente Dilma Rousseff ganhe fôlego e recupere terreno no Congresso Nacional.

Na segunda-feira passada, FHC utilizou uma rede social para dizer que a “renúncia” de Dilma seria um “gesto de grandeza” da presidente. A mensagem foi interpretada pela oposição como um aceno do PSDB à pauta das ruas, o “fora Dilma”, e a busca por um discurso unificado.

Em conversas reservadas, parlamentares do PPS, DEM e Solidariedade tentam convencer os tucanos de que é um erro esperar os julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre processos que podem levar à cassação da presidente.

A ação no TSE pede a impugnação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político, econômico e fraude na campanha do PT do ano passado, o que, segundo os tucanos, tornaria “ilegítima” a eleição de Dilma. Já o TCU avalia se atrasos nas transferências do Tesouro Nacional a bancos públicos para pagamento de programas sociais, como o Bolsa Família, feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Não podemos ficar reféns dos julgamentos do TCU e TSE. A situação política hoje é muito mais grave do que as pedaladas fiscais”, afirma o deputado Arthur Maia (BA), líder do Solidariedade na Câmara. Em uma reunião na semana passada na liderança do PSDB na Câmara, os líderes da oposição cobraram enfaticamente que o partido embarque definitivamente na tese do impedimento.

Um dos deputados presentes diz que o excesso de cautela dos tucanos é um “desserviço” ao movimento pela saída de Dilma. Para acalmar os ânimos, o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, marcou uma reunião entre os oposicionistas e o jurista Miguel Reale Júnior para terça-feira. A pedido do partido, ele elaborou em maio um parecer no qual aponta que há embasamento jurídico para o impeachment. “Vamos avaliar o cenário. Muita coisa aconteceu de lá para cá”, diz Reale.

Resistência. Apesar da pressão dos aliados e da própria bancada de deputados, que apoia majoritariamente a proposta de impeachment, a cúpula do PSDB ainda resiste.

“Existe fundamento jurídico para o impeachment, mas as condições políticas precisam ser criadas”, diz o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Na semana passada, ele afirmou que o partido votará a favor do impedimento da presidente caso o processo entre na pauta da Câmara.

Para os aliados, porém, isso não é o suficiente. “O PSDB precisa entender que a sociedade espera que a oposição faça algo. A oposição tem que agir”, afirma o presidente do PPS, Roberto Freire.

Ele conta que o seu partido adiou a publicação de uma nota pró-impeachment para depois da reunião de terça-feira. “Chegou a hora de criarmos o confronto político que a sociedade está exigindo”, diz Freire.

O deputado Paulinho da Força (SP), presidente do SD, se mostra convicto de que a reunião terminará com um pedido conjunto de impeachment. “Vamos devolver a crise para o Palácio do Planalto”, afirma.

Pela contabilidade do SD, o pedido de impeachment já contaria com apoio de 180 deputados dos 342 necessários para a proposta avance na Casa, que conta com 513 deputados. Em outra frente, um grupo de deputados liderado por Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) articula a criação de uma frente suprapartidária anti-Dilma.

Ministro critica PSDB e ação de Gilmar Mendes

• Oposição usa 'factoide' para questionar vitória eleitoral legítima de Dilma, diz Edinho

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Edinho Silva (Comunicação Social), porta-voz da presidente Dilma Rousseff, afirmou neste sábado (22) que o PSDB tem "claro objetivo de questionar uma vitória eleitoral conquistada legitimamente" em 2014.

O ministro afirmou ainda que o governo questionará junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a decisão do ministro Gilmar Mendes, integrante da corte, que pede investigação sobre as contas da campanha de Dilma.

"Desde o final do segundo turno eleitoral, outros três processos estão em curso na Justiça Eleitoral, com o claro objetivo por parte do PSDB de questionar uma vitória eleitoral conquistada legitimamente na eleição presidencial de 2014", disse ele, em nota.

"Mais uma vez, líderes oposicionistas procuram, a partir de processo judicial, criar, de forma oportunista, um factoide político completamente descabido", completou.

Edinho disse que todos os recursos usados na campanha de Dilma em 2014 foram arrecadados "de forma absolutamente legal e lícita". Ele lembra que as contas foram aprovadas por unanimidade pelo TSE, com parecer favorável do Procurador Eleitoral do Ministério Público Federal.

As afirmações de Edinho foram feitas poucas horas após uma nota divulgada pelo presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), manifestando apoio à decisão de Mendes.

"Seria extremamente grave se os fortes indícios de utilização de dinheiro proveniente de desvios da Petrobras na campanha de reeleição da atual presidente, corroborados por delação premiada, não fossem devidamente apurados!", disse o tucano.

As campanhas presidenciais de Dilma e de Aécio em 2014 usaram dinheiro doado por empresas investigadas na Lava Jato. Ela recebeu R$ 64,6 milhões. Ele, R$ 34,1 milhões.

Advogado diz que PT indicava 'operadores' para saldar dívidas

• Marcio Decreci afirma que seu cliente recebeu de terceiros por serviços prestados à sigla de 2005 a 2010

• Ele defende empresário que faturou R$ 24 mi da campanha de Dilma, mas diz que pagamentos de 2014 foram corretos

Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O advogado Marcio Decreci, que defende o empresário Carlos Cortegoso, dono da empresa Focal, diz que o PT indicou "operadores" ao seu cliente para que ele recebesse dívidas contraídas com a sigla por serviços feitos de 2005 a 2010.

Cortegoso é dono da CRLS e da Focal, que faturou R$ 24 milhões da campanha de Dilma Rousseff em 2014, atrás só do marqueteiro João Santana.

A Focal fazia montagem de comícios e eventos. O ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral, diz suspeitar de sua atuação e pediu investigação à Procuradoria.

Citado na Lava Jato pelo ex-vereador do PT Alexandre Romano, preso, Cortegoso tem ligação antiga com o PT. À PF, Romano disse que o ex-ministro Luiz Gushiken, morto em 2013, lhe indicou a CRLS para que fosse feito um repasse para ajudar o PT. Romano disse não se lembrar o motivo do valor repassado pela firma Consist, outro alvo da Lava Jato.

O advogado disse à Folha que a Consist pagou uma dívida do PT por serviços de Cortegoso à sigla e que não foi a única operação do tipo: ''Houve outros pagamentos, por indicação do PT, para pagamento de trabalhos executados. Passaram a indicar eventuais operadores: apontava seus credores para que esses operadores saldassem débitos".

Ele entregará os dados à Justiça, mas não quis antecipar mais detalhes. Só disse que era uma ''conta em aberta, não saldada'', na casa de R$ 3 milhões de 2005 a 2010.

Com o tesoureiro João Vaccari (2010-2015) no PT, diz, o ''modus operandi'' mudou. Vaccari pôs a casa em ordem e o PT passou a pagar diretamente a fornecedores, afirma.

O advogado disse que Cortegoso relutou em dar notas a desconhecidos, mas ficaria sem receber se não aceitasse.

Decreci afirmou ainda que a campanha de 2014 de Dilma Rousseff foi ''100% correta'' nos pagamentos.

Presidente da Câmara dispõe de arsenal de pautas-bomba

• Cunha pode conter ou acelerar medidas que criam despesas à União

Isabel Braga - O Globo

-BRASÍLIA- Denunciado pelo Ministério Público na última quinta- feira, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem em mãos munição para atingir o governo da presidente Dilma Rousseff e as contas da União. São bombas que vêm sendo armadas e podem ser detonadas já neste segundo semestre na Casa, em forma de Propostas de Emenda Constitucional ( PECs) e projetos de lei, além de 12 pedidos de impeachment pendentes. Entre elas, estão propostas do pacto federativo que têm por objetivo aliviar os cofres de estados e municípios, mas impactando o da União. Com uma base enfraquecida na Casa, o governo terá que enfrentar o desafio de conter o desejo dos deputados de ajudar estados e municípios, principalmente às vésperas das eleições municipais.

Um dos aliados mais fiéis de Cunha, o líder do PSC, André Moura (SE), foi escalado para relatar as emendas do pacto federativo. No caso da PEC 172, que veda a criação de despesas para estados e municípios sem fontes de receita, Moura já apresentou na última terça-feira seu relatório, modificando o texto para deixar claro que a União arcará com os recursos.

— O Cid Gomes, quando era ministro da Educação, aumentou o piso do magistério. Quem paga a conta são os estados e municípios. É a União fazendo bonito com chapéu alheio. Não sou o malvado da União, sou o bonzinho dos municípios e dos estados — ironizou André Moura.

Pequenas empresas
Diante da ofensiva, o governo apresentou emenda mais ampla que diz que lei só pode impor aumento de despesas à União, aos estados e municípios se houver previsão da fonte para o custeio, constitucionalizando a regra da Lei de Responsabilidade Fiscal para todos os três entes federados. Moura não acatou. Cunha, por sua vez, já avisou que pautará a PEC 172 em plenário, assim que ela sair das comissões.

— Do jeito que está, é uma bomba fiscal seletiva. Preserva estados e municípios, mas inexplicavelmente exclui a União — criticou o vice-líder do governo na Câmara, Orlando Silva (PC do B-SP).

Além dessa PEC, o governo já terá que enfrentar essa semana a votação de projeto que beneficia pequenas empresas, mas implica renúncia fiscal de R$ 3,9 bilhões. O projeto que amplia o alcance do Simples Nacional é defendido pelo ministro da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, mas encontra resistência na equipe econômica.

Também estão no forno outras propostas que impactam as contas. Uma delas é o projeto de lei que aumenta o percentual de gastos do governo com a merenda e o transporte escolar. André Moura avisa que já colhe assinaturas para levar o projeto, em regime de urgência, direto ao plenário.

Não há motivos para tirar Dilma do cargo, diz Setubal

• Para presidente do Itaú Unibanco, saída da presidente traria instabilidade

• Banqueiro diz que pedaladas, embora graves, não justificam impeachment, e é preciso discutir o país

David Friedlander – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Uma das vozes mais influentes do empresariado brasileiro, o banqueiro Roberto Setubal faz uma defesa contundente da permanência da presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Impeachment por corrupção, "pelo que vi até agora, não tem cabimento", afirma o presidente do Itaú Unibanco.

"Pelo contrário, o que a gente vê é que Dilma permitiu uma investigação total sobre o tema." Outro argumento usado pela oposição, as manobras para melhorar as contas do governo (pedaladas fiscais), podem "merecer punição", mas não são "motivo para tirar a presidente", segundo o banqueiro.

Maior banco privado do país, o Itaú foi fortemente hostilizado pelo PT na campanha presidencial de 2014.

Na visão de Setubal, tirar a presidente do poder agora "criaria uma instabilidade ruim para nossa democracia". Na semana passada, entidades do setor econômico fizeram manifestações públicas pela estabilidade do país.

A seguir, trechos da entrevista à Folha na sexta (21).

Folha - A presidente Dilma está sofrendo ameaça de um processo de impeachment, pressão por sua renúncia e manifestações de rua contra seu governo. O sr. vê motivos para tirá-la do Planalto?

Roberto Setubal - Nada do que vi ou ouvi até agora me faz achar que há condições para um impeachment. Por corrupção, até aqui, não tem cabimento. Não há nenhum sinal de envolvimento dela com esquemas de corrupção.

Pelo contrário, o que a gente vê é que Dilma permitiu uma investigação total sobre o tema [corrupção na Petrobras]. Era difícil imaginar no Brasil uma investigação com tanta independência. A Dilma tem crédito nisso.

E as pedaladas fiscais?
Isso é grave e pode merecer algum tipo de punição. Mas não me parece ser motivo para tirar a presidente. Até porque presidentes anteriores a ela passaram por situações semelhantes. Seria um artificialismo querer tirar a presidente neste momento. Criaria uma instabilidade ruim para nossa democracia.

Empresários dizem que, se o vice Michel Temer entrasse no lugar de Dilma, o país teria mais chance de sair da crise...

Não se pode tirar um presidente do cargo porque ele momentaneamente está impopular. É preciso respeitar as regras do jogo, precisa respeitar a Constituição. Eu sou a favor da Constituição.

Como avalia o comportamento da oposição nessa crise?

Não vou falar especificamente da oposição. Mas o que está faltando é discutir o país. Há uma grande discussão sobre poder e pouca discussão sobre o país. Precisamos debater quais as reformas necessárias para que o país possa se recuperar. Só estou vendo muita discussão de poder pelo poder.

Os empresários saudaram Joaquim Levy [Fazenda] como ideal para tirar o país da crise econômica. Por que ele não está dando certo?

Ele está fazendo as coisas certas, mas os efeitos positivos ainda não vieram. Vai muito além da capacidade de um ministro, sozinho, resolver os problemas do país. Ele precisa de apoio político tanto da presidente como do Congresso.

O governo usou bancos públicos novamente para salvar a economia, política já criticada por Levy. Não é um sinal de que o ministro está fraco?

Não vejo isso como uma direção do governo –se ficar nisso, claro. Acho uma medida pontual, sem muito impacto na economia.

Estados em crise

• Receita desaba 22%, e maioria dos governos estaduais já descumpre limites da lei fiscal

Martha Beck - Bárbara Nascimento

BRASÍLIA - A crise econômica fez um estrago nas finanças dos estados. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que as receitas despencaram 22,4% de janeiro a abril. Ao mesmo tempo, o gasto com pessoal, principal dor de cabeça dos governadores, cresceu 5,4%. Com isso, 22 estados já ultrapassam algum limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E, para especialistas, a crise é ainda mais grave do que mostram os parâmetros da lei. O recuo na economia afetou fortemente as finanças dos estados brasileiros. A crise aguda no Rio Grande do Sul, estampada nas manchetes nos últimos dias, não é isolada. Em maior ou menor grau, todos enfrentam dificuldades que decorrem de uma combinação perversa: queda acentuada na arrecadação e aumento dos gastos obrigatórios. 

Levantamento feito pelo GLOBO, com base nos relatórios de gestão fiscal dos estados, mostra que as receitas despencaram 22,4% no primeiro quadrimestre de 2015, em relação aos últimos quatro meses de 2014. Ao mesmo tempo, os gastos com pessoal, principal dor de cabeça dos governadores, subiram 5,4% no mesmo período.

A análise mostrou ainda que, em abril (último dado disponível), 22 estados tinham ultrapassado algum limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Deste total, seis superaram os tetos fixados para gastos com pessoal ou dívida consolidada líquida (DCL). Os demais ficaram acima dos limites prudenciais. Pela lei, esse cenário já imporia punições aos governos regionais. No entanto, a LRF prevê mecanismos de exceção para momentos como o atual, em que o Produto Interno Bruto (PIB) está em queda. Pelas regras, quando a economia cresce abaixo de 1%, dobram os prazos para reenquadramento.

Crise pior do que os números indicam
Para especialistas e secretários de Fazenda ouvidos pelo GLOBO, a crise nos estados é mais grave do que mostram os indicadores da LRF. Isso porque os índices ainda não captaram a dimensão do problema, que resulta da desaceleração da economia em 2015. A crise também decorre de anos de guerra fiscal e políticas de incentivo a gastos comandadas pelo governo federal.

— Os estados já sofriam perda de espaço histórica, inclusive por uma opção algo suicida de promoverem a guerra fiscal. Se somaram a isso os efeitos de um endividamento patrocinado pelo próprio Tesouro Nacional e uma recessão que afeta suas receitas mais do que a federal. É o pior cenário em termos estruturais e conjunturais — avalia José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

O que se observa hoje nos estados é um quadro de penúria que afeta a vida da população. Há atrasos nos salários de servidores, greves e falta material para escolas e hospitais. Ao mesmo tempo, os secretários de Fazenda implementam programas de ajuste fiscal que envolvem cortes de gastos e aumentos de impostos.

O secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, admite que a situação do estado, a mais grave do país, é uma combinação entre o atual quadro econômico, que derrubou a arrecadação, e problemas estruturais que foram se agravando ao longo de décadas. Segundo ele, em 37 dos últimos 44 anos, o Rio Grande do Sul gastou mais do que arrecadou. Esse quadro foi mascarado por meio de empréstimos usados para pagar despesas correntes e pelo uso de depósitos judiciais.

Agora, o quadro se agravou, e a dívida do estado chega a R$ 85 bilhões, sendo R$ 50 bilhões com a União. Há passivos com precatórios (R$ 8,3 bilhões), com pagamento de juros decorrentes do uso de depósitos judiciais não tributários (R$ 1,1 bilhão) e pelo não pagamento do piso do magistério (R$ 10 bilhões):

— Como já disse o governador Sartori, já ultrapassamos o fundo do poço.

Feltes afirma que o estado vem adotando medidas para corrigir o quadro. O governo renegociou contratos de serviços, reduziu o pagamento de horas extras e diárias e agora tenta negociar com a União o pagamento de indenizações pela manutenção de rodovias federais feita pelo estado. Mas, mesmo assim, atrasou o pagamento da parcela da dívida com a União em julho e teve os repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) retidos.

Sergipe atrasou em dez dias o pagamento da parcela da dívida com a União e, segundo o secretário de Fazenda, Jeferson Passos, pode voltar a postergar:

— Esperamos que não aconteça, mas há a possibilidade de que o atraso se repita.
Passos listou consequências da dificuldade financeira pela qual passa o estado. No mês passado, vários servidores tiveram o pagamento parcelado: R$ 2 mil no dia 31 de julho e o restante no dia 11 de agosto. A exceção foram os funcionários da saúde e da educação, que receberam integralmente no dia correto.

Além da queda na receita, Passos destacou outro problema: o déficit da Previdência dos servidores, que se estende desde 2008. A estimativa é que o Tesouro do estado tenha que aportar, até o fim do ano, R$ 950 milhões para cobrir a folha da Previdência. Para contornar o excesso de gasto com pessoal — que estourou o limite máximo permitido pela LRF em 2014 — o secretário conta que teve que extinguir oito secretarias e vários cargos.

Nota de crédito rebaixada
A deterioração fiscal fez com que o Paraná começasse a realizar um ajuste fiscal forte em dezembro de 2014, com elevação de alíquotas do ICMS e da contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. Mesmo assim, o estado está acima do limite da LRF para gastos com pessoal em relação à receita corrente líquida (RCL): 53,65%. O máximo permitido é 49%.

— Fizemos um ajuste duro e recebemos muitas críticas — lembrou o secretário de Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa.

Mesmo com o ajuste nas contas, recentemente, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota de crédito do Paraná, junto com as de outros estados.

Para Mauro Ricardo, o rebaixamento é resultado de problemas antigos e não reflete o quadro de 2015. Segundo ele, a equipe econômica não tem ajudado os governos regionais, pois está retendo os repasses da Lei Kandir, adiou a mudança dos indexadores dos contratos de dívidas de estados e municípios para 2016 e suspendeu as garantias para empréstimos junto a organismos multilaterais.

— A União está pensando apenas nela mesma e esquecendo estados e municípios — disse Ricardo.
A insatisfação dos secretários com o governo federal é generalizada. A secretária de Goiás, Ana Carla Abrão, afirmou que os estados têm feito esforços para reequilibrar suas finanças, inclusive propondo leis de responsabilidade fiscal estaduais, mas precisam de recursos para investir e o governo federal vem fechando os canais.

No Mato Grosso do Sul, o secretário de Fazenda, Márcio Campos Monteiro, prevê que o agronegócio, base da economia local, não conseguirá segurar a receita, que tem caído mês a mês. Tanto que o estado atrasou a parcela da dívida com a União em julho:

— Estamos no fio da navalha. Talvez por nossa base ser o agronegócio, demoramos mais para sentir o efeito da crise do que os estados em que o PIB depende da indústria. Ainda estamos equilibrados, mas numa linha muito tênue.

‘Acendeu a luz vermelha’
O secretário de Fazenda do Distrito Federal, Leonardo Colombini, destacou que a despesa com pessoal no DF saltou 25,23%, entre janeiro e julho, em razão de reajustes que o governo anterior concedeu, sem garantia de receitas. A conta dos reajustes chegará a R$ 1 bilhão no ano. Enquanto isso, a receita tributária caiu 2,7% em termos reais no primeiro trimestre.

— Quando a folha cresce 25% e a receita cai, onde se arranja dinheiro para cobrir o pessoal? Se a gente realmente não tiver algum tipo de receita extraordinária ou a receita não der uma reagida, não dá mais.

O secretário da Fazenda de Alagoas, George Santoro, diz que o estado tem feito um ajuste na Previdência e um aperto da fiscalização tributária. Mas as receitas estão caindo e o governo está impedido de tomar empréstimo para investimentos.

— Acendeu a luz vermelha. Acumulamos algum caixa. Mas, se a situação piorar, não sei se vamos aguentar.

O secretário do Tocantins, Paulo Afonso Teixeira, diz que, com a estrutura de gastos e a folha extensa, além de revisão geral das despesas e auditoria na folha, o estado terá de elevar impostos. Os gastos com pessoal ultrapassam o limite permitido pela LRF e chegaram a 49,96% da receita.

— Já estamos pagando salários no dia 12 e corremos o risco de atrasar. Com essa estrutura de gastos, não dá para sobreviver por muito tempo.

O Ministério da Fazenda foi procurado mas não quis se pronunciar. Nos últimos três anos, a dívida dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal cresceu dez vezes mais do que a receita. Em 2012, a soma de todos os débitos era de R$ 556,4 bilhões. Em 2014, a cifra tinha avançado 5%, para R$ 584,4 bilhões, já descontada a inflação no período. No mesmo intervalo, a receita cresceu apenas 0,5%, para R$ 531,9 bilhões.

Considera-se aqui a dívida consolidada líquida — ou tudo o que o estado deve menos o que ele tem em caixa e outros recursos, como aplicações financeiras —e a receita corrente líquida. Esta, basicamente, é a arrecadação com tributos e repasses, menos deduções previstas em lei, como transferências constitucionais.

Em MG, salto na dívida externa
O endividamento, dizem especialistas, é o pano de fundo que explica a situação de penúria de muitos estados. E o crescimento recente desses débitos é explicado, sobretudo, pela ampliação da oferta de crédito público, que acelerou a partir de 2012.

Como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul são estados mais robustos, tradicionalmente com mais acesso a crédito, aproveitaram o incentivo oficial para tomar ainda mais empréstimos. Não por acaso, são os quatro estados com situação mais grave, se considerada a razão entre dívida consolidada líquida e receita corrente líquida, um dos indicadores criados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para avaliar as finanças públicas. No caso dos estados, essa relação não pode passar de dois. No caso dos municípios, não pode superar 1,2.

— Esses estados são historicamente mais endividados. Desde que renegociaram a dívida com a União, nos anos 1990, mantiveram estoques elevados de dívida. E, a partir de 2012, BNDES, Caixa e Banco do Brasil, dentro de uma política deliberada do governo federal, estimularam ainda mais o endividamento — diz o especialista em finanças públicas Mansueto Almeida. — Mas a receita não acompanhou o ritmo, pois a economia desacelerou.

O Rio Grande do Sul, que deu calote na União, é, por enquanto, o único que extrapolou o limite imposto pela LRF, com a relação dívida/receita de 2,13 em abril de 2015. Minas Gerais vem em seguida, com razão de 1,82. Os mineiros viram sua dívida consolidada líquida subir 7,3% entre 2012 e 2014, enquanto a receita cresceu 4,7% no período, já descontada a inflação.

— Em Minas Gerais, houve aumento da dívida externa. Ao endividar-se em moeda estrangeira, o estado ficou vulnerável a flutuações do câmbio — diz Vilma Pinto, do Núcleo de Economia do Setor Públicos do Ibre/FGV.

Cada fluminense deve r$ 5.286
Segundo a secretaria estadual da Fazenda de Minas, foram contratadas cinco operações de crédito em moeda estrangeira a partir de 2012, totalizando mais de US$ 4 bilhões. As operações visavam à reestruturação da dívida da Cemig e financiamento de projetos.

No caso do Rio, o crescimento real da dívida foi maior que o mineiro: 8,5% nos últimos três anos. Hoje, a dívida é de R$ 87 bilhões. O que significa que cada fluminense deve R$ 5.286. A receita, porém, avançou só 0,6%. Assim, a relação entre as duas subiu para 1,78. Segundo o secretário estadual da Fazenda, Júlio Bueno, o crescimento da dívida é explicado, em parte, pela contratação de crédito para projetos de infraestrutura, como a linha 4 do metrô, que ligará a Zona Sul a Barra da Tijuca.

Mansueto alerta que, com o crescimento médio anual do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para os próximos quatro anos previsto em torno de 0,4%, a crise fiscal está longe de acabar. Para Ricardo Humberto Rocha, professor de Finanças do MBA do Insper, caminha-se para uma solução que passará pela alta de impostos. Semana passada, secretários da Fazenda de diversos estados iniciaram discussões com este objetivo.

— Provavelmente vamos caminhar para alta da carga tributária. Vivemos uma irresponsabilidade orçamentária —disse Rocha.

Grandes empresários ainda preferem evitar impeachment

Maria Cristina Frias – Folha de S. Paulo

Por trás das manifestações de empresários contrários ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, há o tradicional pragmatismo da classe.

Acostumada a fazer contas, parte do empresariado já calculou que sairá mais caro para a economia e seus negócios o longo e traumático processo para afastá-la da presidência da República, sem muita certeza dos resultados de quem ficaria em seu lugar. Para muitos, poderá ser pior que um governo medíocre por mais de três anos.

A coluna ouviu banqueiros, de instituições nacionais e estrangeiras, empresários e altos executivos de grandes companhias. Mesmo resguardada pelo compromisso de não publicar seus nomes, uma boa parte deles afirma não ver, por ora, razões concretas para o impedimento.

Não que não tenham críticas ao desempenho da presidente. Alongam-se na enumeração de seus erros cometidos durante o primeiro mandato, além das mentiras para se reeleger. Dependendo do setor, condenam também algumas das medidas do ajuste fiscal, que outros consideram inevitável.

"O ajuste é necessário, mas doloroso para as empresas, que serão oneradas e têm de demitir, e ainda levará tempo para surtir efeito", disse um banqueiro. Muitos desejam o que classificam logo como utopia: a renúncia da presidente Dilma, que provocaria menos traumas.

Novas eleições, na possibilidade de afastamento também do vice-presidente Michel Temer –embora hoje pareça ser o cenário menos provável– é sonho recorrente em parte do "andar de cima".

"Mas de quatro a seis meses de incerteza, seria péssimo", adverte outro banqueiro. "Afastar a Dilma, jogaria o PT na oposição, reclamando de golpe ", completa. "E com [o presidente da Câmara, Eduardo] Cunha, no comando do país", concorda um industrial.

"O processo do impeachment seria o pior período. Você não sabe se terá exército do Stédile [do MST] na rua – o dólar vai a R$ 4", estima um executivo de banco.

A permanência de Temer também não empolga representantes de alguns setores. "Não conseguiu convencer seu partido a aprovar o ajuste. Por que o faria depois?", questiona um empresário. "O mercado preferiria ficar onde está", diz o diretor de um banco. "Com a máquina na mão, o PMDB poderia obter a reeleição", adverte outro.

O presidente de um banco estrangeiro relata um encontro na semana retrasada com o setor imobiliário –"a maioria a favor do impeachment". Continuarão depois do aceno do governo de mais crédito de bancos públicos? "Tudo muda a cada semana", respondeu.
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‘A educação deve ser pensada durante a vida inteira’

Entrevista Zygmunt Bauman

• “Nós estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados”

Bruno Alfano - - O Globo

Criador do conceito de ‘modernidade líquida’, forjada pelas relações efêmeras do presente, o célebre filósofo fará uma conferência magna no encontro Educação 360. Nesta entrevista, ele reflete sobre o aprendizado e os desacertos da sociedade em relação ao ensino

Qual a diferença entre educar na era pré-moderna e na modernidade líquida dos dias atuais?

Muita coisa se transformou no trabalho dos professores. Como o educador E. O. Wilson observou, “estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria”. A cada dia, o volume de novas informações excede milhões de vezes a capacidade do cérebro humano de retê-las. A mudança da sociedade moderna de sólida para um estágio líquido coincide, segundo a terminologia de Byung- Chul Han ( teórico sul-coreano), com a passagem da “sociedade da disciplina” para a “sociedade de desempenho”. Esta última é, principalmente, a sociedade de desempenho individual e da “cultura de afundar ou nadar sozinho”. Mesmo indivíduos emancipados descobrem que eles mesmos não estão à altura das exigências da vida individualizada.

Então, é preciso mudar esse pensamento individualizado?

Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da educação contemporânea.

E como será no futuro?

Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida inteira. O resto vai depender de nossas escolhas dentro do que é possível para essa obrigação. E deixa eu enfatizar que esse “nós” que faz as escolhas não é limitado aos profissionais de educação. Para citar Will Stanton (professor australiano), que nos mantém alerta de que há muitos que pretendem ensinar nossos filhos apenas a obedecer: “Devemos aceitar autoridade como verdade em vez da verdade como autoridade”. Ele ainda diz: “O que é a mídia mainstream se não outra plataforma de ‘educação’ defendendo a autoridade como verdade? Nós sentamos em frente ao noticiário noturno e escutamos âncoras e repórteres nos dizendo o que pensar, a quem apontar nossos dedos, porque nosso país precisa ir para a guerra e com o que a gente deve se horrorizar”. Considere ainda o tremendo impacto da indústria da publicidade em nós mesmos ou no que as crianças aprendem ou no que elas foram levadas a esquecer. Por exemplo, crianças não nascem inseguras. A publicidade é que as deixa apavoradas com o que as outras pessoas pensam delas.

O sucesso mundial das redes sociais é um produto da modernidade líquida ou aspecto transformador dela?

As duas coisas. Nós estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados. Mas uma vez imerso na rede de relações on-line, que tem uma falsa ideia de ser facilmente manuseada, nós perdemos ou não adquirimos habilidades sociais que poderiam (e deveriam) nos ajudar a extirpar as causas dos medos que vêm do mundo off-line. Assim, as redes sociais são, simultaneamente, produto da modernidade líquida e a sua válvula de escape.

O senhor afirma que o fato de a educação superior não garantir mais ascensão social é um problema para a educação tal qual conhecemos. Qual a solução para esse problema?

Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. A educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução. Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o ensino superior, porque alguns desses “nós” que se preocupam, pensam e escrevem sobre o problema têm ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma “sociedade do conhecimento” que continua sendo transformada pelo tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas. O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que chamamos de “ascensão” desistiram da universidade ou nunca entraram nela.

Em seu novo livro, “A riqueza de poucos beneficia todos nós?”, o senhor reflete sobre as desigualdades sociais. Qual é o papel da educação nesse contexto?

O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria ( escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo”, no ano passado os alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude.

Merval Pereira - Mais pedaladas

- O Globo

Os procuradores do Ministério Público que trabalham junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) detectaram sinais de que o governo continua utilizando as pedaladas fiscais nestes primeiros meses do segundo mandato da presidente Dilma, o mesmo procedimento de 2014 que está sendo denunciado pelo TCU como um descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O procurador Júlio Marcelo, responsável pela primeira investigação, vai agora requisitar oficialmente dados dos últimos meses de 2014 e dos primeiros deste ano para fazer um estudo detalhadoa. Pelas primeiras análises sem cunho oficial “tudo indica que houve” novas pedaladas.

O procurador explica que o governo tinha acumulado um saldo negativo com bancos estatais e entidades, como Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNDES e FGTS, de R$ 40 bilhões, que dificilmente terá conseguido saldar, especialmente com a arrecadação em queda. “Provavelmente estão fazendo algo gradual”, comenta Júlio Marcelo, para em seguida dizer que esse é um pensamento otimista. “Não sei se o otimismo vai se justificar. Pode ser que estejam pendurados num cheque especial desse mesmo tamanho ou até maior. Só realmente com os dados oficiais a gente vai poder checar”.

Se estiverem fazendo o pagamento gradualmente, seria um atenuante, comenta, pois demonstraria uma intenção de corrigir, “embora possa revelar também que a correção poderia ser feita mais rapidamente”. A rigor, dentro do que a lei exige, o governo tem que contingenciar outras despesas que não são obrigatórias e sair dessa situação imediatamente.

O procurador Julio Marcelo pretende expedir os ofícios amanhã, com a requisição dos dados completos de todo o período, que abarca fins de 2014, entrando por 2015, para ver como está o comportamento das contas públicas, e acredita que em 15 dias receberá a resposta. “Pode ser que eles peçam prorrogação do prazo, é uma praxe tentar empurrar o prazo mais para frente”.

Caso se comprove que houve pedaladas novamente, o TCU abrirá outro processo, que não será juntado ao anterior. “Mas só a comprovação reforça o processo que está em curso, explicita um ambiente de desmando com as contas públicas, de pouco apreço a uma gestão pública responsável”, comenta Julio Marcelo, para acrescentar: “Esses dois anos seguidos de recessão representam a conta que vamos pagar pela farra fiscal”.

O novo prazo para Dilma justificar as novas denúncias do Ministério Público que trabalha com o TCU é dia 26 de agosto e, antes de ir a plenário, tem que passar pela análise de uma unidade técnica. O julgamento das contas de 2014 do primeiro mandato da presidente Dilma deve ocorrer na sessão de 16 ou 23 de setembro do Tribunal de Contas da União (TCU).

O desejo dos ministros é julgar o mais rápido possível. Todos estão sob enorme pressão, tanto os que estão inclinados a rejeitar quanto os que querem aprovar. É tido como improvável que algum ministro peça vistas do processo, pois isso revelaria um protagonismo muito grande de outro ministro, que ficaria exposto por sua atuação, assumiria um ônus muito pesado, além de que existe o risco de o plenário não autorizar.

O relator, ministro Augusto Nardes, tem que expedir seu relatório e entregar aos outros ministros cinco dias antes do julgamento, justamente para que todos estejam em condições de tomar uma decisão sem pedir vistas. O governo deve tentar algum tipo de judicialização caso o resultado seja negativo, recorrendo primeiramente perante o próprio TCU.

Como não há essa previsão, pois é apenas um parecer que o TCU emite, uma opinião, pode ser que o governo vá ao Supremo Tribunal Federal tentando que ele obrigue o TCU a examinar o recurso, apenas para ganhar tempo. Para julgar as contas, historicamente o Congresso demora, o parecer pode ficar parado na presidência do Congresso, ainda mais agora que o presidente Renan Calheiros está em acordo político com o governo.


Mas se a oposição quiser, pode tentar abrir um processo de impeachment apenas com o parecer do TCU, o que seria, no entanto, uma ação precipitada.

Dora Kramer A sangue frio

- O Estado de S. Paulo

O PMDB decidiu adiar em dois meses o congresso que realizaria em setembro para oficializar a decisão de concorrer à Presidência da República em 2018 e com isso marcar o início do processo (lento e gradual) de desembarque do governo Dilma Rousseff.

Para efeito externo o partido dirá que a nova data, 15 de novembro, se deve ao atraso na elaboração do programa de governo com o qual pretende apresentar credenciais do País. O motivo real, contudo, é outro: evitar que os pemedebistas resolvam romper agora, de maneira ruidosa e radical, a sangue quente. E, sobretudo, em momento de turbulência.

A decisão de deixar os ânimos esfriarem foi tomada antes da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal contra o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara. No partido reza a norma de que são fatos independentes entre si.
Cunha poderá contar com o formalismo da “solidariedade política” e só. No tocante às questões legais o partido não vai se envolver nem tecer considerações a respeito da conduta dos investigadores ou do conteúdo da denúncia.

O pedal do freio foi acionado em decorrência da a interpretação do Palácio do Planalto de que a declaração do vice-presidente de que “alguém” precisa reunificar o Brasil significava a adesão de Michel Temer a uma urdidura pelo impeachment da presidente em conluio com Eduardo Cunha. Essa posição deu argumento aos rebeldes mais contundentes para defender a ideia do rompimento-já, pois seria impossível a convivência com o governo em clima de total desconfiança.

O risco de que a maioria aprovasse o desembarque imediato passou a ser grande. Nesta hipótese, estaria alterado o cronograma original que previa um desligamento suave, negociado com a presidente Dilma a fim de não transparecer deslealdade nem açodamento oportunista, até o desenlace final marcado para depois da posse dos prefeitos eleitos em 2016.

Por que essa data? Porque até lá o PMDB ainda tem vantagens a obter do governo do PT. A presidente deu ao vice a missão de recompor a base parlamentar e Michel Temer delegou a Eliseu Padilha a tarefa de executá-la mediante a redistribuição dos cargos federais de terceiro escalão nos Estados.

Para receber (apoio) é preciso dar (cargos), é o lema que preside a operação da qual Padilha se ocupa diuturnamente recebendo deputados e senadores com cinco pastas divididas por ordem alfabética sobre a mesa de trabalho, com a etiqueta “cargos estaduais”.

Ele vai se dedicar à empreitada até 1.º de setembro quando, então, deixará o gabinete da secretaria de Relações Institucionais e voltará à função para a qual foi nomeado: ministro da Aviação Civil.

Diga-se, em favor do PMDB, que o objetivo não é apenas a ocupação de cargos. Há também operação política. O partido faz o movimento em prol da baixa temperatura para não ser visto como incendiário e poder se posicionar como o fiador da governabilidade, credenciando-se como alternativa para 2018.

Por esse raciocínio, mais vantajoso que abrir espaço para o PT fazer o que faz de melhor, oposição, é o PMDB atuar para chegar às próximas eleições com a imagem de poder moderador apto a contar com a confiança do eleitor por se conduzir com equilíbrio na crise.

Antes tarde. Na véspera da apresentação da denúncia contra Eduardo Cunha a liderança do governo no Congresso foi chamada ao Ministério da Justiça. Saiu de lá com a impressão de que a acusação contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, foi postergada, mas não evitada.

Eliane Cantanhêde - A incrível inversão

- O Estado de S. Paulo

Nesta encrenca política tão grande e tão desafiadora, inverteu-se o jogo. Diante da crise política e econômica, com a Lava Jato chegando ao Congresso, é a elite quem toma a dianteira para apoiar o claudicante governo Dilma Rousseff, enquanto as grandes massas que vão às ruas rejeitam o PT e se aproximam da oposição, inclusive, ou principalmente, do PSDB.

Se o PT borrou ainda mais as já embaçadas noções de direita e esquerda, consegue agora também fazer uma baita confusão entre o que é “elite” e o que é “massa”. Não custa lembrar que Lula, Dilma, José Dirceu e as sucessivas cúpulas petistas já são elite há bastante tempo, não é mesmo? E, aparentemente, a elite institucional uniu-se para salvar o mandato de Dilma e parte da elite empresarial dá sinais nesse mesmo sentido.

Até a novidade do “protesto a favor”, na quinta-feira, não deixa de ser um movimento de cúpulas, patrocinado pela elite dos velhos (CUT, MST e UNE) e novos (como o MTST) braços do PT. A turma foi transportada em ônibus, vestindo camisetas e carregando bandeiras vermelhas novinhas em folha. Alguém pagou por isso, talvez até por mais do que isso.

De outro lado, os “protestos-protestos” mobilizaram dez vezes mais pessoas, na grande maioria de classe média, vestindo suas próprias camisetas verdes e amarelas e carregando bandeiras do Brasil que, provavelmente, elas próprias pagaram. Será que esses manifestantes que injetaram novidade e viço à cena política e às ruas de todo o País são “da elite”? Pareciam cidadãos e cidadãs comuns, dessa gente que trabalha, estuda, é aposentada ou rala em micro e pequenas empresas - e paga impostos e conta de luz nas alturas.

A olho nu, não se identificaram ali banqueiros, grandes empresários, altos burocratas, diretores de estatais, nem grandes coisa nenhuma, até porque os bancos lucraram mais de 50% em meio à crise, dirigentes partidários aliados estão numa boa e a elite incrustada nas estatais já encheu as burras, digamos, heterodoxamente. Essa é a verdadeira elite, e ela está com o PT e com Dilma, que parece estar se recuperando.

Depois de se capitalizar no Supremo, no TCU, no TSE e no Senado, a presidente investiu fortemente no setor privado, recebeu apoio da turma da CUT e ainda ganhou a sorte grande com a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra seu arqui-inimigo Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Cada dia, sua agonia. No caso de Dilma: cada semana, sua agonia...

Na semana passada, foi a vez do pacote de bondades para o empresariado: a reoneração camarada da folha de pagamento, o fim da votação do ajuste fiscal e o financiamento farto e barato do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para alguns setores, sob o pretexto de salvar empregos. O primeirão da fila foi, ora, ora, o setor automobilístico. E os bancos públicos também assumiram o crédito consignado dos funcionários, depois que os bancos privados tiraram o corpo fora ao saberem que a empresa de software está, até ela!, enrolada na Lava Jato.

Dilma, assim, se fortalece “por cima”, recolhendo as boas notícias que vêm do Senado, de tribunais, da Procuradoria-Geral da República, do empresariado e dos movimentos petistas, enquanto a oposição articula “por baixo”, com os partidos e líderes irados com o governo, os novos movimentos que levam muitos milhares às ruas em todo o País e os 71% que rejeitam Dilma nas pesquisas.

A guerra continua, mas com sinais invertidos e com o PMDB, o deputado Eduardo Cunha, o ministro Gilmar Mendes (STF/TSE) e os velhos e novos delatores da Lava Jato bem no meio dela. Uma guerra que pode ser tudo, menos da “elite branca” contra “a massa oprimida”. Isso é coisa do passado, quando o PT ainda podia apresentar-se como partido dos trabalhadores.

Fernando Gabeira -La nave va

- O Globo/ Segundo Caderno

O governo disse, após as manifestações, que o grande problema do Brasil é a intolerância. Discordo: acho que é a corrupção. Milhares de pessoas que foram às ruas acham o mesmo. A resposta do governo não me surpreende. É tão previsível que poderia reduzi-la a um programa de computador, quem sabe uma fórmula matemática. Sempre acusa, nunca erra, nunca se desculpa. Prefere o papel de vítima da intolerância do que assumir suas responsabilidades no buraco em que meteu o Brasil.

De fato, a tolerância, essa que o governo usa como cortina de fumaça, é uma qualidade vital. Bertrand Russel dizia que, além de respeito aos fatos, é preciso aprender a ouvir coisas que não gostamos de ouvir.

A memória me ajuda a exercitar a tolerância. Quando o presidente da CUT disse que resistiria com armas na mão ao impeachment de Dilma, consegui sorrir.

Lembrei-me de um episódio em 1964. Éramos cinco jornalistas morando num conjugado do 200 da Barata Ribeiro. Um de nós foi buscar as armas que o Almirante Aragão distribuiria para resistir ao que, na época, era um verdadeiro golpe.

Aragão comandava os fuzileiros navais, tinha armas verdadeiras. Quando lançou a ordem de entregar as armas, ela foi se deformando e chegou lá na porta como um aponte as armas. Pessoinha, José Pessoa, esse era o seu nome, voltou com olhos arregalados e de mãos vazias.

Dos cinco daquela época, morreram três, sobramos Moacir Japiassu e eu. Vivo, Pessoinha também riria das armas do presidente da CUT. E muito mais do desfecho: em vez de armas, o presidente da CUT ofereceu churrasco e cerveja.

As crises trazem muita ansiedade, sobretudo em nossa época. Toda hora ir ao computador à espera de algo que você não sabe bem o que é, algo que impulsione uma saída.

Com as memórias de muitos anos de manifestação de rua, fui ver de perto, depois assisti com tranquilidade às análises, coberturas de tevê, enfim todas as possíveis interpretações. Uma das coisas que me pareceram meio cômicas foi a obsessão com os números. Era uma manifestação oceânica, grande para qualquer democracia ocidental e mesmo para a Índia. Mas era preciso esquadrinhar a Avenida Paulista em busca de um número.

Como disse Bertrand Russel, é preciso respeitar os fatos. Os números devem ser levados em conta, mas não são a única variável. As manifestações revelaram um foco: o impeachment. E marcaram uma aliança entre os manifestantes e a Operação Lava-Jato. E se fixaram na rejeição de Dilma, Lula e o PT.

As coisas ficaram mais claras. E manifestações nunca se esgotam nelas mesmas. Elas são transmitidas para milhões de pessoas que não foram às ruas. Por causa disso, independentemente de pequenas diferenças numéricas, as manifestações produzem um enorme efeito num índice que não para de crescer: o da rejeição a Dilma.

Agarrados a números como um contador atarefado, muitos não sentiram a dimensão do protesto, a proeza de unir um movimento nacional em torno de uma só aspiração. Se isso não tem foco, recomendo levar a lente para um especialista. Ao contrário das manifestações do século passado, nas de agora agora são famílias inteiras que vão para as ruas. Não houve ocorrências policiais ao longo de todo o país. Não havia comícios, mas microfones abertos.

Outro dia, num encontro do PT, um dos oradores pediu a volta dos black blocks. Onde estão eles que não nos ajudam? Nas vésperas da manifestação, o presidente da CUT vem com essa história de armas, transfiguradas em chope e churrasco.

É verdade que surgiram ao longo do Brasil algumas faixas pedindo intervenção militar. Mas quem acredita mesmo que situação histórica se resolve num conflito das Forças Armadas com os sindicalistas armados de Vagner Freitas? É preciso muito chope para considerar esta hipótese.

Manifestações nem sempre têm o condão de resolver sozinhas as crises. Elas as dramatizam e empurram os atores para assumirem seu papel em cena. Na verdade, embora a palavra de ordem fosse impeachment, vi mais esperança no curso da Operação Lava-Jato do que no processo político.

O que ficou claro no domingo é que as multidões não aceitam sabotagens à Operação Lava-Jato. Esperam que se desdobre, pois veem nela o elemento mais dinâmico nessa pasmaceira. De um lado um governo que não governa, apenas tenta sobreviver; de outro a necessidade de abrir uma brecha no impasse político, premissa para se recuperar a economia.

Impossível não perceber o movimento da multidão: seus clamores não foram ouvidos pelos políticos, ela se volta para a polícia. E está funcionando. É algo que funciona, e a própria oposição decidiu se opor. Sei que esta frase pode parecer arriscada mas é a conclusão que tirei nas ruas: la nave va.

Luiz Carlos Azedo - O lixo da História

• O colapso do projeto de Dilma se deve às ideias políticas e econômicas fora de lugar, secundadas por práticas patronalistas que ameaçam desmoralizar toda a esquerda

- Correio Braziliense

Após o AI-5 (13/12/1968), o Brasil entrou num período de trevas e radicalização política. O sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP) e assistente de Antônio Cândido, teve que se esconder na casa de amigos e, depois, se exilar na França, onde releu O Príncipe, de Maquiavel, e O Alienista, de Machado de Assis. Nessas obras se inspirou para escrever uma chanchada intitulada A lata do lixo da História (Companhia Das Letras), uma sátira impiedosa da sociedade brasileira na época do regime militar.

Estavam ali os germes de uma de suas obras mais importantes, Ideias fora do lugar (Companhia Das Letras). No ensaio que intitula a obra, ele procura mostrar como as ideias liberais eram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a moeda corrente, como é ainda hoje na política brasileira. Nos anos 1970, a expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada pelos setores de esquerda que hoje ocupam o poder.

Era uma maneira de dizer que tanto as ideias liberais quanto as da velha esquerda haviam sido derrotadas e que seriam ultrapassadas pelas “novas lutas”, inspiradas em Cuba e na China, na medida em que a “revolução coincidisse com a derrubada da ditadura”. Não foi bem isso o que aconteceu, pois a luta armada contra o regime foi um fiasco e a política de unidade das forças democráticas, defendida por liberais e comunistas, deu forma à derrocada do regime militar.

Ocorre, porém, que a História é voluntariosa. No bojo desse processo, emergiu o novo sindicalismo do ABC, que nada tinha a ver com os velhos sindicalistas ligados ao PTB e ao PCB. Líder dos metalúrgicos de São Bernardo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva organizou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e criou o PT. A tese da lata do lixo da História pareceu se confirmar quando, em 2002, ele chegou à Presidência.

A gênese dos partidos operários está na velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da História e o eixo de atuação política do partido. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio dos intelectuais e artistas de esquerda por Lula.

Vale destacar que filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, sempre viu nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram.

O colapso
Durante a guerra fria, essa contradição se manifestava na disputa entre a União Soviética, os países do Leste europeu, os países dependentes e os movimentos nacionalistas, de um lado, e o os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, ou seja, o imperialismo, de outro. Com o fim da União Soviética e a derrocada do comunismo no Leste europeu, a situação se modificou completamente.

O que restou disso, além de Cuba e da Coreia do Norte, foi o misto de capitalismo de Estado e “modo de produção asiático” do partido comunista chinês, secundado pelo Vietnã, que disputa com os Estados Unidos, via Oceano Pacifico, o controle do comércio mundial.

O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na ótica dos velhos paradigmas marxistas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo.

A aliança com a África do Sul, a China, a Índia e a Rússia seria a vanguarda de uma nova ordem mundial, assim como o Mercosul é um bloco anti-imperialista. Esse é o grande nó da política empreendida pelo governo Dilma, a chamada “nova matriz econômica”, que apostou no intervencionismo estatal para expandir o mercado interno e direcionar a economia, cometendo erros sucessivos de gestão, cujos resultados negativos nas atividades produtivas estamos colhendo agora.

O colapso dessa estratégia não se deve apenas à corrupção na Petrobras e outras estatais, envolvendo o PT e seus aliados, executivos de empresas públicas e empresários a ela ligadas. Esse é o elemento catalisador da crise econômica e política. O colapso do projeto político de Dilma e do PT se deve às ideias políticas e econômicas fora de lugar, seguidas por práticas patronalistas estimuladas por Lula, que ameaçam enlamear toda a esquerda e jogar suas lideranças na lata do lixo da História porque derivaram para o escândalo da Operação Lava-Jato.

É por isso que o governo Dilma não tem uma saída à vista para a crise econômica. Além de ter provocado a volta da inflação, a recessão, o desemprego e a explosão da dívida pública, Dilma perdeu o rumo. Sua base política e social rejeita o ajuste fiscal — um mero paliativo — e não quer nem ouvir falar em mudanças estruturais na direção do mercado. Luta apenas pela sobrevivência do próprio mandato.