terça-feira, 12 de maio de 2009

Construindo um Brasil justo e democrático

Sérgio Nobre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Temos orgulho das lutas que fizemos e de tudo o que conquistamos, mas estamos longe ainda do Brasil que sonhamos para nossos filhos

HOJE, 12 de maio, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC completa 50 anos, e quero homenagear os milhares de homens e mulheres que escreveram uma parte importante da história da classe trabalhadora brasileira. São rostos anônimos que enfrentaram os tanques da ditadura, que saíram às portas de fábricas, às ruas e lotaram praças e estádios para exigir liberdade, justiça e melhores condições de vida.

Nas greves de 1978, os trabalhadores do ABC escreveram com seus próprios corpos a palavra democracia no Paço Municipal de São Bernardo, praça que, assim como o estádio da Vila Euclides, transformou-se em palco histórico das lutas da categoria. Como não lembrar das assembleias com mais de 100 mil trabalhadores, o Fundo de Greve, que recebeu a solidariedade do país inteiro, a passeata de mulheres no 1º de Maio de 1980 contra a prisão arbitrária de seus maridos, dirigentes sindicais que exerciam o direito de livre manifestação?

Como não lembrar dos nomes criativos com os quais foram batizadas as greves: "Braços Cruzados", "Máquinas Paradas", "Operação Tartaruga", "Vaca Brava", "Greve Pipoca", "Cachorro Louco", "Mula Sem Cabeça", "Greve Abelha" e muitas outras?

Como não lembrar do "Hoje não tô bom", frase que abria as cartas de João Ferrador, personagem símbolo dos metalúrgicos? Ainda perseveramos no "Tô vendo uma esperança", frase tantas vezes repetida pela Graúna, criação de Henfil, que, com seus personagens, colaborou com a organização de nossas lutas.

Todo esse processo rico e combativo formou uma consciência e, dela, um contingente enorme de militantes e lideranças que hoje estão nas universidades, nas ONGs, nos movimentos populares e nas várias esferas do poder público. Comandam cidades, Estados e o país e têm nas demandas populares a sua causa. As homenagens por esses 50 anos se estendem também aos trabalhadores e trabalhadoras que, dia após dia, produzem riquezas e se diferenciam pela solidariedade adquirida nas mobilizações contra as injustiças e na defesa de seus direitos.

Há que destacar a coragem da categoria, que não se intimidou ao enfrentar as mudanças propostas pelo neoliberalismo, que, nos anos 1990, tinha o objetivo declarado de desregulamentar a economia para permitir a livre ação das forças de mercado. É dessa época a pregação de que o ABC se transformaria na Detroit brasileira, uma região desindustrializada e com graves problemas sociais.

A resposta veio com muita competência na nossa articulação de um fórum tripartite envolvendo sociedade civil (trabalhadores e empresários) e Estado na busca de soluções. Trata-se da experiência da Câmara Setorial da Indústria Automotiva, que rompeu a tradição de uma política industrial definida só pelo Estado ou construída nos bastidores por empresários.

Temos muito orgulho das lutas que fizemos e de tudo o que conquistamos. No entanto, estamos longe ainda do Brasil que sonhamos para os nossos filhos. Completar o processo de implantação da democracia no Brasil é a maior ambição do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Para nós, no entanto, democracia não pode ser entendida apenas como o direito ao voto. Vai além. É também o direito de se organizar sindicalmente no local de trabalho. Isso significa opinar e participar das decisões que afetam a vida do trabalhador em temas como condições de trabalho, emprego, produção, salário, formação profissional, escolaridade e, por que não, da própria gestão das empresas.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores), central a que somos filiados, nasceu com o objetivo de mudar a estrutura sindical brasileira. Pouco avançamos nesse terreno. Perdura ainda o famigerado imposto sindical, que serve apenas para manter sindicatos sem representatividade.

Existem mais de 14 mil entidades sindicais no país, a maioria sem nenhum poder de mobilização e de compreensão do seu papel nos dias de hoje.

Essa estrutura não pode continuar a existir, sob pena de não conseguir responder às novas demandas que o mundo globalizado apresenta à classe trabalhadora. Foi o que aconteceu agora, com a enxurrada de demissões provocadas pela crise internacional.

Apesar de o país vir de um período de cinco anos consecutivos de crescimento do PIB, recordes de produção e faturamento, as empresas se sentiram à vontade para demitir trabalhadores arbitrariamente. Não foi por acaso que as poucas resistências ao desemprego vieram de sindicatos que não se acomodaram, não vivem de imposto sindical e construíram representatividade nas suas respectivas categorias.

Nossa missão histórica não estará cumprida enquanto essa estrutura estiver em pé, tampouco será completada a democracia que sonhamos. Parabéns a todos os que escreveram essa história e aos que ainda a constroem.

Sérgio Nobre, 44, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

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