terça-feira, 12 de maio de 2009

Tempos interessantes

Marcos Nobre
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


FAZ ALGUM tempo que não se ouve falar da frase infeliz de Lula sobre a crise no Brasil ser "marolinha". Talvez por ter o governo se saído muito bem na emergência. Foi rápido, eficiente e focado. Pareceria mesquinhez continuar a criticar Lula por esse erro. Não que a competência do governo Lula em reagir à crise deva ter efeitos eleitorais relevantes. É tarefa das mais difíceis convencer alguém de que se evitou o pior quando não se sabe o que ele seria, já que o pior não aconteceu. Mas serviu pelo menos para zerar o jogo eleitoral de 2010: o país não quebrou.

Como não quebrou em 2003.

Claro que são situações muito diferentes. Não se pode igualar uma crise essencialmente interna a uma ameaça de depressão econômica em nível mundial. Mas a comparação pode ser muito instrutiva sobre o que mudou no país nesse período.

A resposta à crise em 2003 foi mais ortodoxa do que os manuais de economia mais ortodoxos. A resposta de 2008 rompeu pela primeira vez com o terrorismo econômico que se instalou desde a estabilização econômica da era FHC: pode-se baixar substancialmente a taxa de juros sem que o mundo acabe.

E é só pelos cantos que alguém se arrisca hoje a dizer que as políticas agressivas de dispêndio público do governo para sustentar crédito, emprego, renda e atividade econômica são equivocadas. Falar isso um ano atrás seria um crime de lesa-mercado.

Outras lendas ainda mais antigas e duradouras foram desfeitas. Quem falasse em fortalecimento do mercado interno era considerado um sobrevivente dos anos 1960, um dinossauro econômico.

Só que a demanda interna foi até agora fator decisivo para impedir um retrocesso maior do crescimento. Mais que isso: as políticas de aumentos reais do salário mínimo, de benefícios especiais da Previdência e os programas de transferência de renda tiveram papel relevante no menor declínio da atividade econômica. Ficou transparente o caráter ideológico da defesa de que crescimento econômico só se dá em oposição a distribuição de renda, uma tese de longa duração no Brasil.

Apesar de toda a lama da política, algo mudou. Se não houver uma reviravolta ideológica nos próximos tempos, um velho pacto de dominação vai balançar. A elite econômica e política aceitou tanto a ditadura como a democracia desde que o Estado sustentasse a injustiça distributiva a seu favor. Não apenas com injustiça fiscal, mas, principalmente, com inflação, ou, depois de 1994, com altas taxas de juros. Vão ter de inventar outra. Serão tempos interessantes. Há algo de bom na crise, afinal.

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