quinta-feira, 2 de julho de 2009

Informação é a arma da burocracia

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A burocracia não profissional do Senado foi estruturada para servir uma casa parlamentar enraizada no patrimonialismo. A cultura política dos senadores que emergiram de um voto tradicional incorpora como naturais e legítimos os privilégios que chegam via normas excessivamente elásticas e vazios legais. É como se fossem um prêmio pela vitória eleitoral que os guindou a senadores numa eleição majoritária. A "burocracia política" viabiliza o acesso dos senadores a esses privilégios e os legitima; em compensação, apropria-se também de parcelas de privilégios, quer corporativamente (com concessões de horas extras indevidas, por exemplo), quer individualmente (como a intermediação de contratos de crédito consignado em folha ao funcionalismo da casa).

A crise de 2008, sob a presidência de José Sarney, fugiu ao controle. Houve um desequilíbrio na lógica de que as crises e disputas políticas entre senadores encerravam-se em culpas individualizadas e se extinguiam quando era punido um deles. Foi o que aconteceu com os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jáder Barbalho, em 2001; e com Renan Calheiros (PMDB-AL) no ano passado. E também houve um desequilíbrio na lógica de que, no momento seguinte à punição, havia uma recomposição política alicerçada e a partir da estrutura funcional do Senado. Não foi casualmente que o ex-diretor-geral ficou no cargo por 14 anos e sobreviveu à queda de dois presidente da instituição e ao esvaziamento do poder de um ex-presidente.

Nas crises anteriores, a burocracia desempenhou o papel de massa orgânica do Senado, em torno da qual partidos e senadores resolviam grandes conflitos sem rompimentos e mantinham o controle sobre as informações para que não se generalizasse a caça às bruxas. Prevaleceu, assim, até agora, o padrão de individualização de responsabilidades.

Ao atingir a burocracia que dominava a informação, principal fonte do poder da elite administrativa da Casa, as denúncias expuseram o conjunto dos senadores e provavelmente não deixarão nenhum partido intacto. É essa a questão central da crise. Os privilégios dos senadores foram suficientemente democratizados para expor a Casa como um todo. A "burocracia política" que foi duramente atingida não apenas sabe disso, como detém informações que dão a ela o poder de alimentar crises sucessivas.

Quando denúncias vêm à tona, a legalidade ou a ilegalidade desses atos não são mais o ponto central. O que passa a contar são os parâmetros definidos pela mídia - é ela quem acaba definindo o moral e o imoral, o ético e o não-ético. A máquina de reproduzir e valorar (no sentido de dar valor, adjetivar, definir parâmetros para julgamento dos atos) termina por impor como patamar ético aquele definido por escândalos anteriores, que nem sempre é justo e não tem correspondência na lei - isto é, existe uma separação entre o julgamento moral e o legal, e o moral acaba prevalecendo. O senso comum se consolida pela repetição do fato, repetição do discurso e repetição do julgamento.

No caso do Senado de 2008, o uso dos escândalos como arma de fazer política nacional tem eficiência muito reduzida. Em primeiro lugar, porque nenhum dos grupos do Senado tem o poder de estancar as denúncias. São informações que os senadores não detêm, mas sim a máquina burocrática que foi seriamente atingida. Em segundo, porque os chamados atos secretos de Agaciel Maia beneficiaram democraticamente partidos e parlamentares do governo e da oposição. E por último, e especialmente, a prática de alimentação do embate partidário usando exclusivamente denúncias, não necessariamente verdadeiras, e um discurso de alta agressividade, consolidou um senso comum de que os políticos são venais e facilmente corrompíveis. É por esse senso comum que os senadores denunciados - quer tenham contribuído, quer não, para a consolidação de juízos morais -- serão julgados pela opinião pública.

Mesmo que, como nas crises anteriores, o Senado venha a resolver seus problemas simplesmente cedendo os anéis de um dos seus para manter os dedos dos demais; e mesmo que a mídia embarque na tática de relativização de culpas e individualização de responsabilidades, persistem dois problemas: o controle da informação e a valorização de um fato que não pôde ser represado.

O caso do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), é emblemático. Acostumado a fazer juízos sobre a honestidade e o caráter de seus opositores e a distribuir ofensas, lançou mão da usual estratégia de transformar o escândalo no Senado numa culpa particular de Sarney. Não conseguiu, todavia, controlar a informação. Foi denunciado por ter recebido um empréstimo pessoal de Agaciel, por ter mantido funcionário fantasma em seu gabinete e por ter obtido um reembolso maior do que o normal para a sua mãe. Exceto pelo reembolso médico - sua mãe, como esposa de senador, teria o direito a uma restituição maior do que a de simples dependente - Virgílio não teve como se explicar. Defendeu-se atacando, insinuando culpas de senadores e a formação de um "bando" por outros. Por fim, tomou a iniciativa de denunciar Sarney no Conselho de Ética de Decoro Parlamentar.

Virgílio falou grosso, minimizou suas próprias culpas e conseguiu (quase) sumir do noticiário na condição de senador que foi denunciado. Mas o fato é que, nem com toda essa ofensiva, ele pode assumir o controle sobre as informações que vazam da estrutura administrativa em queda.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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