quinta-feira, 4 de março de 2010

PAC: dilemas políticos e o debate eleitoral :: Rafael Cortez e Felipe Salto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O total programado para 2007/2010, segundo a Casa Civil, era R$ 638 bilhões, mas só 40,3% foram concluídos

A disputa pela sucessão de governos com elevada aprovação cria um ambiente político favorável para uma campanha eleitoral por parte da candidatura governista, em torno dos riscos eleitorais da oposição no poder. Um governo bem avaliado tem todas as condições de buscar o voto por meio da criação de um ambiente de incerteza fruto da alternância de poder. O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal deve ser objeto de disputa política em torno da eleição. Governo e oposição sistematicamente manifestam-se publicamente, trocando acusações em torno da eficiência do programa.

Este artigo tem o objetivo de fazer uma avaliação do PAC à luz dos propósitos iniciais do governo. Teria o PAC, de fato, intensificado o crescimento? Em outros termos, um programa de investimentos, de fato, aumentou o ritmo do crescimento da formação bruta de capital fixo - variável fundamental para o potencial de crescimento da economia?

Do ponto de vista eleitoral, a lógica de uma candidatura da situação bem avaliada pelos eleitores é jogar com as incertezas políticas proporcionadas pela alternância do poder. Trata-se daquilo que a literatura chamou de "voto retrospectivo". A lógica do argumento é que eleitores não teriam nenhum incentivo para confiar em políticos em época eleitoral, pois não haveria garantia que os compromissos de campanha seriam efetivamente colocados em prática. Os eleitores sabem que políticos precisam de votos e não medem esforços em termos de promessas de campanha. Nessa perspectiva, o comportamento racional dos eleitores seria olhar o desempenho governamental como proxy do comportamento real dos políticos.

O governo federal tem utilizado essa estratégia. O balanço de três anos do PAC abriu mais uma oportunidade para o governo mostrar seu "planejamento" e insinuar que a oposição iria acabar com o programa uma vez no governo. A oposição, por sua vez, não tem uma voz única em relação à manutenção ou não do PAC, mas o teor é de descontinuidade. O debate político se dá em torno de representações sobre a suposta eficiência na gestão de investimentos. A campanha política terá muito marketing eleitoral. A discussão abaixo busca retirar a "cortina de fumaça" decorrente do período eleitoral.

Os resultados do balanço de três anos do PAC confirmam um quadro de baixa eficiência do programa. O total programado para o período de 2007 a 2010, segundo o documento disponibilizado pela Casa Civil, era R$ 638 bilhões, dos quais foram concluídos apenas 40,3% ou R$ 256,9 bilhões até dezembro de 2009. Mais do que isso, a abertura do total pago evidencia o quadro de patamares, ainda tímidos, no campo dos investimentos que couberam ao governo federal, mesmo considerando o crescimento dos dispêndios ano a ano.

Os R$ 403,8 bilhões são desagregados em: empréstimos para pessoa física no âmbito do "Minha Casa, Minha Vida" e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), com R$ 137,5 bilhões; estatais, R$ 126,3 bilhões; setor privado, R$ 88,8 bilhões; orçamento geral da União, R$ 35 bilhões; Estados e municípios, R$ 11,1 bilhões; e empréstimos ao setor público, R$ 5,1 bilhões.

Evidente que o sucesso do "Minha Casa, Minha Vida" deve ser exaltado, mas a inclusão dos empréstimos concedidos a pessoa física e, mais grave, do SBPE, no PAC, não tem qualquer justificativa. Ademais, quando focamos no total executado do PAC, na parcela de investimentos que está nas mãos do governo federal, vemos que ainda é muito baixa. O total representa apenas 8,7% em relação aos pagamentos integrais.

Nesse sentido, as estatais continuam a sustentar o PAC, seguidas pela parcela do setor privado, sem mencionar os empréstimos a pessoa física do "Minha Casa, Minha Vida", que inflaram os números de pagamentos, totalizando 63,3% do total planejado ou R$ 403,8 bilhões. Quando se observa os gastos com investimentos do governo central (incluindo PAC), que ficaram em 1,09% do PIB, em 2009, ante 0,94% do PIB em 2008, nota-se que, mesmo com taxas elevadas, entre 2008 e 2009, para a execução financeira da parcela do governo no PAC, da ordem de 45%, a base é muito baixa (R$ 11,3 bilhões para R$ 16,4 bilhões no período) e o PAC, portanto, tem sido pouco eficiente para conduzir a um novo padrão de qualidade do gasto público no Brasil.

Em resumo, se houve avanços, concentram-se nas estatais, que já eram comumente grandes investidoras, antes do PAC e que ampliando o total investido, ainda que a um ritmo também não tão expressivo, de 1,4% do PIB para 1,9% do PIB entre 2008 e 2009, por exemplo. Contudo, para que algo de efetivamente novo acontecesse, a partir do PAC, seria necessário avançar no campo dos investimentos do governo, o que não tem ocorrido e que só será possível via redução de gastos correntes, que permita avançar em gastos bons, sem perder de vista o equilíbrio fiscal, via sistema de metas para o primário, quiçá para o nominal.

As estratégias eleitorais devem concentrar esforços na tentativa de evidenciar, pelo lado da situação, os pontos positivos do PAC, mostrando que houve avanços e que de fato o crescimento econômico foi impulsionado essencialmente pelo programa. Já a oposição adotará a tática de trazer os dados efetivos de execução e conclusão de obras, bem como da participação do governo, diretamente, tentando mostrar que o PAC não passou de slogan.

Os números mostram que há espaço para a oposição questionar a eficiência da política do governo para o aumento dos investimentos do setor público. O efeito eleitoral do PAC na construção da agenda não deve ser tão eficiente para o governo, tal como o tema da privatização em 2006.

A questão fundamental do ponto de vista político é que o tema central da campanha em 2010 deve ser as estratégias de crescimento. O aumento dos investimentos públicos é chave neste debate. Enquanto a situação lançará mão do próprio PAC e colocará como central a necessidade de que seja continuado, a oposição mostrará que é preciso atacar outros pontos, como o avanço desmedido dos gastos correntes, para que um espaço efetivo seja aberto ao crescimento dos investimentos.

Rafael Cortez é doutor em Ciência Política pela USP e cientista político da Tendências Consultoria

Felipe Salto é economista pela FGV-EESP e analista de finanças públicas da Tendências Consultoria

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