terça-feira, 12 de julho de 2011

Propina até no banheiro

Mulher de empresário conta que ele subornou funcionários na sede da prefeitura de Teresópolis

Antônio Werneck
Pelo menos uma vez, em 2010, o pagamento de propina a funcionários públicos de Teresópolis foi feito dentro de um banheiro na própria prefeitura, revelou em depoimento ao Ministério Público Federal uma administradora de empresas. Encarregada do setor de administração de uma construtora e mulher do empresário que denunciou a existência de um suposto esquema de pagamento de propinas a secretários municipais, ela afirmou que tratou do assunto em duas oportunidades, por e-mail. Disse ainda que tem cópias das mensagens eletrônicas e que pode fornecê-las à Justiça. A denunciante reconheceu que agora teme por sua vida, pela do marido e pela dos filhos.

No depoimento, ela informou que cuidava de toda a administração da empresa. Em 2010, quando passou a tratar pessoalmente da contabilidade com autoridades de Teresópolis, soube que a empresa do marido teria que pagar uma propina de 5% a 10% aos então secretários José Alexandre (de Governo) e Paulo Marquesine (de Obras), também citados pelo empresário em depoimento ao Ministério Público Federal em março. A mulher contou, que, em determinado momento, foi bastante pressionada por José Alexandre para fazer o pagamento. Ela disse "ter ficado consternada, extremamente constrangida com a intimidação de José Alexandre, exortando-a ao pagamento de uma obrigação ilícita com uma pressão de emparedamento que parecia a de um assaltante".

A administradora depôs em abril. Ela afirmou que o suposto reajuste na cobrança de propina na prefeitura foi acertado dois dias após as enxurradas de janeiro. Contou ainda que foi a uma reunião na sede do Executivo municipal onde estariam representantes das empresas Vital e Terrapleno. Depois do encontro, foi informada pelo marido que ele havia pago propina dentro do banheiro da prefeitura.

Inquérito investiga desvio de verbas

O inquérito do Ministério Público Federal foi instaurado para apurar o suposto desvio de recursos federais enviados ao Estado do Rio, pelo Ministério da Integração Nacional, após as enxurradas. De um total de R$100 milhões destinados a ajudar na reconstrução da Região Serrana, Teresópolis recebeu R$7 milhões.

Como O GLOBO noticiou domingo, o empresário denunciou à Justiça Federal um suposto esquema de propina na prefeitura de Teresópolis, envolvendo secretários municipais e funcionários públicos. Um acerto entre empreiteiras e autoridades elevou, de 10% para 50%, a taxa da propina para a aprovação de contratos de serviços. Na tragédia do início do ano, mais de 900 pessoas morreram.

A prefeitura de Teresópolis, em nota, negou todas as acusações, mas informou que abriu sindicância para apurar o caso. Procurados, os dois ex-secretários municipais citados nos depoimentos não foram localizados para responder às acusações.

O Ministério de Integração Nacional informou que deverá pedir uma investigação ao procurador-geral da República e ao diretor-geral da Polícia Federal, caso o relatório que está sendo elaborado pelo MPF aponte indícios de crime. O ministério garantiu, em nota, que, com a finalidade de acompanhar e fiscalizar as ações a cargo do governo do estado e dos municípios atingidos pela tragédia, a Secretaria Nacional de Defesa Civil já realizou duas inspeções, tendo agendado uma nova para agosto. "A primeira vistoria restringiu-se à constatação in loco da implementação das ações de defesa civil, enquanto a segunda se destinou à análise físico-contábil das tarefas executadas", disse. O relatório da segunda inspeção, informou o órgão, será concluído até sábado.

Para o ministério, é importante destacar que a lei 12.340/2010 impõe ao "Poder Executivo federal o dever de apoiar os estados, o Distrito Federal e os municípios em situação de emergência ou estado de calamidade pública". O órgão, porém, lembrou que há regras e que elas devem ser cumpridas: "Sempre que restar constatada a má utilização, por parte dos entes beneficiários, dos recursos repassados pela União na forma da lei, é dever da Secretaria de Defesa Civil Nacional suspender a liberação dos recursos e, eventualmente, determinar a devolução dos recursos; além de comunicar o fato aos órgãos de controle interno ou externo competentes para adoção das medidas cabíveis".

Relatórios elaborados por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU) desde janeiro encontraram indícios de irregularidades em contratos sem licitação assinados pelas prefeituras e pelo governo do estado com empresas chamadas para socorrer cidades da Região Serrana. Em nota, o governo do estado negou irregularidades, mas não enviou ao GLOBO a relação das empresas beneficiadas por recursos federais e contratadas sem licitação. O TCU identificou falhas principalmente no preenchimento das planilhas onde são discriminadas as obras. O documento é usado como base para o cálculo do serviço executado e o posterior pagamento.

Em relação a Teresópolis, os técnicos do TCU escreveram, em março: "Analisando as planilhas, percebe-se que as medições não se encontram atestadas pelos fiscais dos respectivos contratos e tampouco estão acompanhadas dos diários e laudos de vistorias". Em outro trecho, chamam a atenção para um ato de reconhecimento de dívida assinado pela prefeitura com a empresa Contern Construção e Comércio Ltda: "No nosso entender, esse procedimento está eivado de ilegalidade". Nas primeiras respostas ao TCU, a prefeitura de Teresópolis disse que havia firmado contratos apenas com as empresas RW de Teresópolis Construtora e Consultoria LTDA (no valor de R$1,5 milhão) e Vital Engenharia Ambiental S/A (R$3,5 milhões), para atuarem na limpeza da cidade. As duas empresas são as mesmas que o empresário afirmou, como revelou O GLOBO ontem, terem sido supostamente beneficiadas pelo esquema de pagamento de propina montado na prefeitura.

Técnicos do TCU estranharam quando os administradores do município informaram que deviam cerca de R$3,5 milhões também à Contern e que o serviço fora executado no mesmo dia - e nos mesmos locais - onde a Vital Engenharia atuava.

FONTE: O GLOBO

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