A agenda do governo para a saúde é a de sempre, quer mais dinheiro, sem mudar coisa alguma
Rodolfo Fernandes, diretor de Redação do GLOBO, morreu no sábado, aos 49 anos, e foi lembrado por colegas e políticos. Há ocasiões em que alguém diz alguma coisa que simplesmente recomenda sua repetição. Isso se deu com o que disse Fernando Henrique Cardoso:
"Rodolfo era um príncipe. No jornalismo e na amizade."
Durante a campanha eleitoral, Dilma Rousseff prometeu regulamentar, "logo no início do mandato", a emenda constitucional que demarca os recursos destinados à saúde pública. Prometeu também não patrocinar aumentos da carga tributária. Passaram-se oito meses e apareceu uma nova agenda. Enquanto obstrui a votação da Emenda 29, o Planalto pede ao Congresso um debate para que se busquem novas fontes de financiamento para a saúde. Há três ideias em circulação: uma aumenta a carga de impostos, recriando a CPMF; outra incentiva a tavolagem, legalizando os bingos; e a terceira busca o dinheiro nos royalties do petróleo. Como sempre, a solução para um problema, seja ele qual for, está em engordar a caixa do palácio.
No mesmo dia, a presidente mostrou que acredita na onipotência das canetadas. O exemplo disso está na nova legislação que altera o mecanismo de ressarcimento, ao SUS, do que ele gasta com clientes dos planos de saúde.
Nela, a boa ideia é cobrar pelos atendimentos ambulatoriais e por alguns procedimentos custosos. A má é trocar o destinatário do ressarcimento. Em vez de o dinheiro ir (em tese) para quem cuidou do paciente, irá para a os comissários de Brasília que controlam o Fundo Nacional de Saúde. Numa conta da Controladoria Geral da União de janeiro passado, os repasses irregulares do FNS iam a R$663 milhões.
Em vez de se discutir o fracasso da Agência Nacional de Saúde, que em 2010 empulhou a patuleia anunciando um novo sistema de cobrança quando nem sistema havia em operação, oferece-se uma nova visão do paraíso. Entre 2006 e 2010 a Agência recebeu das operadoras R$37,7 milhões. A estrutura burocrática da cobrança custou mais que o valor arrecadado.
Os brasileiros acompanharam com mais detalhes o debate da saúde pública na administração de Barack Obama do que nos governos de Lula e Dilma. Numa vinheta ilustrativa dos interesses privados nesse silêncio, vale lembrar que, na galeria dos 30 bilionários nativos listados pela revista "Forbes", entraram, com US$3,9 bilhões, dois controladores da Amil. Noutra cena, há uns dias o presidente da Câmara, Marco Maia, voou de favor num helicóptero e num avião da Uniair, empresa da operadora Unimed. A bancada dos planos de saúde no Congresso senta-se, majoritariamente, na base de apoio do Planalto.
A repórter Beth Koike mostrou que, entre 2000 e 2009, o número de clientes dos convênios médicos cresceu 40%, atingindo 42 milhões de pessoas. Segundo o IBGE, entre 1999 e 2009 o número de leitos oferecidos pela rede privada encolheu 18%. Foram fechados 400 hospitais, com 11 mil leitos.
O sistema de financiamento da saúde pública brasileira está bichado. Esse debate ultrapassa, de muito, a simples discussão da Emenda 29 ou a busca de novas fontes de arrecadação. Se o governo não quer obrigar os Estados a suspender as maquiagens com as despesas de saúde , vive-se o pior dos mundos.
Elio Gaspari é jornalista.
FONTE: O GLOBO
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