segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Ministro contesta exigência de ‘prova cabal’: ‘Querem confissão? É difícil’

Marco Aurélio rejeita tese de que só ato de ofício levaria à condenação e faz alerta sobre sessão extra para julgar mensalão

Fausto Macedo e Felipe Recondo

Um dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal incumbidos de julgar o processo do mensalão, Marco Aurélio Mello disse no domingo, 4, ao Estado que reprova a convocação de sessões extras para garantir a participação do colega Cezar Peluso – que se aposenta compulsoriamente no dia 3 – e mostrou-se crítico à tese de que é preciso um "ato de ofício" para condenar um réu por corrupção.

"O que vão querer em termos de provas (de corrupção)? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil", afirmou Marco Aurélio, ressaltando que não adiantaria seu voto.

Um dos poucos no Judiciário a falar e agir com tal destemor – em especial no STF, onde está desde 1990 –, o ministro faz um alerta em relação à convocação de mais sessões para garantir os votos dos 11 ministros. "Você não pode manipular quórum para chegar a resultado. Mais sessões, a rigor e em última análise, está manipulando o quórum", ponderou, recorrendo a uma dose de ironia para argumentar. "Vamos nos reunir em sessões matinais, vespertinas e até noturnas, quem sabe, para ele (Peluso) poder votar? Qual é o peso do voto dele? É 1, igual ao dos demais."

Para condenar réus por corrupção é preciso prova cabal, um ato de ofício?

Só se você partir para a escritura pública! Roberto Jefferson (delator do mensalão) foi categórico. É no mínimo extravagante um partido gerenciar solução de problemas de outros partidos. Eu não acredito em Papai Noel a essa altura da vida. O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil. Você tem confissão espontânea de ladrão de galinha. Agora, do traficante de drogas ou de um delito mais grave não tem.

Advogados e alguns ministros do STF dizem ser preciso uma prova de que o ex-ministro José Dirceu, por exemplo, estava no comando, que ofereceu ou prometeu vantagens.

Claro que você tem que individualizar a pena. Quantos eram deputados à época da denúncia? Treze? Isso é sintomático. Mas eu quero ouvir as defesas. Segunda-feira (5) é dia importante, são os advogados. Quero estar lá, sentado, ouvindo, é o contraditório, o juiz tem que sopesar. O (procurador-geral da República, Roberto) Gurgel fez trabalho de seriedade maior, mas tem que ouvir as defesas.

A quem beneficiava o esquema? Lula não sabia?

Você acha que um sujeito safo como o presidente Lula não sabia? O presidente se disse traído. Foi traído por quem? Pelo José Dirceu? Pela mídia? O presidente Lula sempre se mostrou muito mais um chefe de governo do que chefe de Estado.

Que caminho o STF segue?

Colegiado é caixa de surpresas. Colegiado é assim, ninguém é mais que ninguém, nem o Joaquim (Barbosa, relator do processo do mensalão). Tenho 33 anos na linha de frente.

O sr. concorda com sessões extras para viabilizar a participação do ministro Cezar Peluso?

Não cabe estabelecer critérios excepcionais. Por enquanto eu sou um espectador, vou me pronunciar, se isso for arguido, seguindo o meu convencimento. Devemos observar as regras costumeiras, principalmente as já assentadas. O tribunal não fecha após 3 de setembro. Eu tenho dúvidas sobre a legitimidade dessa ampliação. Mais sessões para se ter o voto do especialista maior em Direito Penal? Não podemos dirigir o quórum, muito menos partindo da presunção de que ele (Peluso) votando vai absolver ou condenar. Nem sei se o relator tem condições físicas para realizar mais sessões do que o programado. Não podemos julgar manipulando o quórum para ter um certo resultado. O STF com dez compõe o sistema. O Regimento Interno exige mínimo de seis ministros.

Advogados podem questionar?

E vão recorrer a quem? Ao Santo Padre? Daí o nosso compromisso com os princípios, não podemos dar um passo em falso. Há previsão no regimento (da antecipação do voto), mas será que essa norma se coaduna com o sistema natural das coisas? O juiz que integra colegiado deve participar de todas as decisões. E se depois do dia 3 surgir uma deliberação? Eu não antecipo voto, não levanto o dedo para adiantar o voto mesmo quando um colega pede vista. Prefiro aguardar para ver se o colega traz algo importante.

A saída de Peluso já era sabida.

Por que não liberaram antes o processo? Você não pode manipular quórum para chegar a resultado. Eu fico assustado. E se o voto dele for no sentido da absolvição? Até já cogitaram ele votar antes do revisor. Quem sabe ele dê seu voto antes mesmo do relator? Depois dizem que eu sou mordaz.

Gurgel disse que não questionou a suspeição do ministro Dias Toffoli para economizar tempo.

Você deixaria de suscitar (a suspeição)? Vamos prejudicar a certeza da isenção para acelerar o julgamento? Você não pode potencializar o resultado que você quer e atropelar. Eu respeito muito o Roberto Gurgel. Eu tinha certeza que ele suscitaria.

O julgamento do mensalão tem poder simbólico?

Há uma expectativa muito grande da sociedade. Você não vai a um local sequer onde ninguém lhe diga: ‘Ministro, é um absurdo...’ Mas não dá para o Supremo partir para o justiçamento A cadeira (de ministro) é vitalícia, é uma opção de vida, com poder de Império. Tem que julgar com pureza d’alma.

O sr. critica mais sessões para o mensalão, mas defende sessões extras para outros casos.

Não podemos nos transformar em tribunal de processo único. Nossa produção no primeiro semestre: 8 sessões por mês, média ridícula, inferior a 10 processos, tirando os agravinhos. O resíduo está aumentando. Isso me preocupa muito. Tenho um processo que liberei em 2000, até hoje não teve pregão. Tem que conciliar celeridade e conteúdo. A produção do Pleno é decepcionante. Sinto pena dos advogados que vêm, às custas dos clientes, e ficam aqui dias e dias. Enquanto isso, colegas doutrinando. Não me refiro especificamente a ninguém, porque respeito a todos no Supremo. Mas o Pleno não é academia. O ministro Jobim (Nelson Jobim, ex-presidente do STF) disse uma vez que o Pleno não é lugar para se fazer biografia. O que se imagina é que a biografia tenha sido feita antes (de chegar ao STF).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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