O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), fundado a partir de uma dissidência paulista do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), foi embalado num berço socialista light, intelectualizado e grã-fino do "partido-ônibus" (em que sempre tem lugar para mais um) que comandou a resistência de dissidentes civis à ditadura militar. É, por isso, um mostrengo disforme, com uma cabeça imensa e pequenos pés de barro, incapazes de suportar a egolatria da cúpula. Diz-se, com razão, que tem caciques demais e índios de menos. Chefões destacam-se circunstancialmente: Fernando Henrique na Presidência da República, José Serra no repeteco de disputas eleitorais nacionais, estaduais e municipais em São Paulo.
Agora chegou a vez de Aécio Neves, presidente nacional, ex-governador bem-sucedido administrativa e eleitoralmente num Estado importante da Federação, Minas Gerais, senador e pule de dez para tentar tirar da chefia do governo a presidente petista, Dilma Rousseff. A seu favor conta com boa reputação como gestor em Minas, as vitórias sucessivas para o governo de seu Estado e a aliança bem-sucedida no comando da prefeitura da capital, Belo Horizonte, com um aliado eventual que pode virar adversário na mesma disputa: o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, senhor de baraço e cutelo do Partido Socialista Brasileiro (PSB), herdado do avô, Miguel Arraes.
Mas contra ele pesa sua inexpressiva atuação no Senado em dois anos e meio, em que muito pouco fez ou disse - de prático mesmo, absolutamente nada E há óbices maiores para realizar sua ambição. O partido que preside nunca foi nem está unido na luta por esse objetivo. O aliado Democratas (DEM) desmilinguiu, espremido pela ambição de um antigo militante de peso, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que levou para o Partido Social Democrata (PSD), que fundou, um número relevante de antigos correligionários dispostos a beijar a mão de Dilma.
Aécio assumiu o lugar a que não conseguiu chegar há quatro anos, quando perdeu a indicação para o ex-governador paulista José Serra. Seu avô, Tancredo Neves, ensinou que ninguém tem condições de disputar a Presidência se não unir o Estado de origem - e isso ele fez. Mas o mesmo não se pode dizer do PSDB. Aécio chegou prometendo resgatar o legado de Fernando Henrique, o único presidente que o partido teve e que ganhou as duas disputas de que participou no primeiro turno. Isso nunca foi levado em conta. Nem o fato de o tucano ter promovido a maior revolução social da História, com o Plano Real, que pôs fim à inflação e levou proteína à mesa da massa dos trabalhadores.
Isso de nada adiantou para a sonhada permanência do PSDB no poder. Fernando Henrique cruzou os braços na campanha de 2002, deixando Lula esmigalhar o sonho do tucano José Serra. Este, por sua vez, fez uma campanha como se o tal legado, que agora Aécio quer restaurar, fosse algo de que se envergonhar. Quatro anos depois, Lula reelegeu-se contra o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que chegou a vestir uma camiseta da Petrobrás para garantir que era mentiroso o boato de que privatizaria a maior estatal brasileira. Com isso passou ao eleitorado a mensagem de que a cúpula tucana tinha a privatização de Fernando Henrique na conta de titica. Na disputa contra Dilma, em 2010, Serra continuou cuspindo e pisando no melhor que o partido fizera.
Após 12 anos, tentar reabilitar a estabilidade, a austeridade fiscal e a privatização pode ser tarde demais. Até a estabilidade da moeda, uma conquista da Nação, e não de governo algum, parece ser um dado do passado distante, sob a ameaça da volta da inflação sem prejudicar os artífices desse prenúncio de desastre. Além disso, é inútil: o passado não elegerá Aécio. E ele não fala do futuro, que de fato interessa ao eleitor.
De tanto perder para Lula, o PSDB resolveu reagir a esse destino, que parece manifesto, imitando o que o maior adversário faz. Alckmin sugeriu que Aécio repita as caravanas da cidadania do petista-mor como estratégia eleitoral. A intenção é maravilhosa: há muito tempo os tucanos precisam mesmo de um banho de povo. A prática pode não ser, contudo, eficaz. Não basta visitar alguém para conhecê-lo bem. Como dizia um sábio conterrâneo de Tancredo e Aécio, o coronel Francisco Cambraia de Campos, Chichico Cambraia, de Oliveira, o bom político se conhece na cuspida no "burrai". Ou seja, tem de entrar na casa do eleitor, sentar-se à beira do fogo, tomar um café demorado até esfriar e cuspir no borralho. Quanto mais cusparadas, melhor! Não basta o candidato se fazer conhecer. Ele tem de conhecer o eleitor.
Luiz Inácio Lula da Silva voltou de suas caravanas conhecido e conhecedor do Brasil. Elas lhe permitiram aprender com suas derrotas seguidas, uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique. Os tucanos não têm demonstrado a mesma capacidade. Talvez fosse menos difícil convencer o adversário-mor a disputar a Presidência pelo PSDB do que tirar proveito das estratégias contra ele próprio e sua afilhada.
Ora, direis, isso é impossível! E é. Mas quem garante ser mais possível convencer o cacique José Serra a se empenhar para valer na campanha de Aécio, que nada fez por ele na disputa contra Dilma? Os sinais de má vontade que Serra tem dado de público deverão repetir-se na campanha. Pois o paulista atribui em parte sua derrota ao desinteresse do mineiro em 2010. Não deixa de ter razão. Mas não tirará proveito dela, pois seu futuro depende do êxito do outro. E se a economia não derreter, Dilma se reelegerá com facilidade, restando aos tucanos parodiar o mantra dos metalúrgicos do ABC, liderados por Lula, nos anos 70 e 80. Eles diziam: "O povo unido jamais será vencido". E os tucanos entoarão: "O PSDB desunido será sempre vencido".
* José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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